quarta-feira, 7 de agosto de 2019

O Naufrágio do Indianapolis - O maior ataque de tubarões da História


Há histórias apavorantes sobre o mar e sobre a guerra, mas quando você combina as duas coisas o resultado muitas vezes tende a ser aterrorizante.

Essa história em particular envolve o USS Indianapolis e sempre me deixou inquieto, desde a primeira vez que ouvi sobre ela no clássico filme Tubarão (Jaws, 1975). É o tipo da coisa que você se pergunta: "Como alguém poderia inventar algo assim"?

O problema é que a história não foi inventada.

Ela é real em cada detalhe, horrível nas partes, medonha no todo. Eu posso imaginar poucas coisas mais assustadoras do que esse incidente ocorrido nos dias finais da Segunda Guerra Mundial.

Aos fatos.

Nos dias finais da Segunda Guerra Mundial, o USS Indianápolis, um dos navios mais importantes da Marinha Americana recebeu a missão de entregar componentes de uma arma secreta na Base de Tinian, no Pacífico Sul. O equipamento era essencial para o futuro da guerra, já que eram peças que permitiam a operação da Bomba Atômica. A missão transcorreu com sucesso. O equipamento foi entregue dentro do prazo, e poucos meses depois, ele seria lançado sobre a cidade de Hiroshima.

Uma vez cumprida sua importante tarefa, o Indianápolis seguiu na direção de Guam, sem uma escolta para se juntar ao destróier USS Idaho no Golfo de Leyte nas Filipinas. O objetivo dali seria preparar a invasão do Japão que deveria colocar um fim definitivo na Guerra.


Uma vez que a missão original do navio era de suma importância e categorizada com ultra secreta, o Almirantado não foi avisado do curso que o navio seguiria e para todos os efeitos, sua localização passou a ser ignorada. Isso é algo bastante perigoso, sobretudo em tempos de guerra, mas nãos e esperava que algo acontecesse com o Indianapolis em sua rota para Guam.

A viagem transcorria tranquila com o navio fazendo uma velocidade média de 17 nós. Não havia informes de submarinos japoneses atuando naquela área há meses e todos estavam especialmente relaxados. A medida que o sol se punha no horizonte, os marinheiros jogavam cartas, liam e se divertiam. Alguns até comparavam aquela viagem a um cruzeiro de luxo.

Mas pouco antes da meia-noite, uma explosão acabou com a tranquilidade à bordo.

Um submarino japonês, possivelmente desgarrado, avistou o Indianapolis e se aproximou sorrateiramente para o ataque. Um torpedo foi disparado a estibordo e atingiu em cheio um compartimento de carga que estava carregado com 3,500 galões de combustível de avião. A explosão abriu um rombo de 18 metros no casco do navio e causou um incêndio que iluminou a noite. Enquanto  Indianapolis sofria e seus marinheiros corriam para se salvar, um segundo torpedo acertou em cheio. O arsenal e sala de máquinas foram atingidos dando início a uma reação em cadeia de explosões menores que partiu o navio em dois. Em meio ao caos que se seguiu, homens cobertos de óleo e combustível altamente inflamável corriam em meio às chamas. A água começou a entrar pelos compartimentos e logo ficou claro que era questão de tempo até o navio afundar.


Marinheiros corriam para todos os cantos, vestiam coletes e tentavam sinalizar, mas os rádios também haviam sido atingidos e se mostraram inoperantes. O Indianapolis foi à pique em menos de 12 minutos depois da primeira explosão. Dos 1196 homens à bordo, 900 conseguiram saltar para a água e se afastar enquanto o navio desaparecia nas profundezas.

Para estes homens que sobreviveram ao ataque, a provação estava apenas começando.

A medida que o sol raiava em 30 de julho, os sobreviventes tentavam flutuar na água. Botes eram escassos e os homens não tiveram a chance de colocá-los na água. Os vivos tentavam trazer para perto os feridos e removiam coletes salva-vidas dos mortos. Tentando manter a aparência de ordem, os sobreviventes começaram a  formar grupos - alguns pequenos, outros com mais de 300 homens, no mar aberto. A ideia é que um grupo grande poderia ser avistado de longe por um avião passando ou uma embarcação à distância.

Havia é claro o temor de nãos erem vistos, e que poderiam morrer de frio, sede ou fome. Mas antes disso acontecer, chegaram os tubarões.

A região em que o Indianapolis foi atacado é um habitat natural de espécies de tubarões extremamente agressivos do Pacífico. A passagem de cardumes por estas águas costuma atrair tubarões, mas foi o som das explosões, do navio afundando, das batidas na superfície que os atraíram. Além disso, havia sangue em profusão e tubarões possuem um faro extremamente desenvolvido, capaz de captar sangue na água à quilômetros de distância.


Embora muitas espécies de tubarão habitem essa área, nenhum é mais agressivo que o Galha Branca Oceânico.  São animais corpulentos com até dois metros e meio de comprimento e pesando 70 quilos. São rápidos, ágeis e implacáveis. Quando em grupo, esses animais tendem a se juntar e isolar as presas com o intuito de arrastá-las para o fundo. Eles escolhem um alvo e se concentram nele, cada um mordendo e arrastando a presa.

Na primeira noite, os tubarões focaram nos mortos, mas logo estes foram desaparecendo.

Informes dos sobreviventes dão conta que os tubarões começaram a atacar os sobreviventes na manhã seguinte, isolando os marinheiros que se encontravam em grupos menores. Os galha branca são conhecidos por escolher e se manter no ataque contra uma presa, minando sua resistência e fazendo com que ela acabe sucumbindo devido a sucessivos ataques. Quanto mais os marinheiros lutavam, mais os tubarões eram atraídos pelo som e vibração na água. Os receptores dos animais literalmente eram bombardeados de informações a respeito de presas e sua natureza predatória os impelia a atacar mesmo que estivessem satisfeitos.

Os feridos constituíam presas preferenciais e quando alguém morria, estes eram empurrados para longe na esperança de que o sacrifício do corpo pudesse manter as mandíbulas dos tubarões distantes. Muitos dos marinheiros ficavam paralisados de terror, alguns foram atados a destroços para que continuassem boiando. O medo era tão grande que os homens evitavam dormir. Também temiam se alimentar, pois as poucas rações que ainda tinham podiam atrair os tubarões. Um grupo cometeu o erro de abrir uma lata de apresuntada em conserva e antes que poder comer uma garfada, os tubarões sentiram o cheiro de carne e atacaram em massa. Eles se livraram das carnes enlatadas de uma vez por todas.


Um dos métodos para evitar o ataque era ficar totalmente parado, mas nem todos os homens tinham a frieza de se manter estático enquanto os peixes passavam perto. Quando um atacava, os homens se desesperavam e acabavam gritando e se debatendo o que atraia ainda mais predadores.

Os tubarões acompanharam os bolsões de náufragos a medida que estes eram arrastados pelas correntes quentes do Pacífico Sul. Por vezes alguém sumia e nunca mais era visto! Os homens tentavam se consolar, diziam que era questão de tempo até alguém vir resgatá-los, mas estavam enganados.

Ninguém sabia a localização exata do Indianapolis e não se esperava encontrar um navio naquela rota. Ironicamente, os americanos receberam informações do próprio inimigo a respeito de um naufrágio ocorrido, mas não levaram à sério. A Marinha interceptou a transmissão do submarino que torpedeou o Indianapolis descrevendo como haviam afundado um navio de guerra americano. Por dias, discutiu-se se a mensagem não poderia ser uma armadilha, já que não havia nenhuma informação de navio naquela rota.

Enquanto isso, os sobreviventes descobriam que tinham melhores chances se conseguissem se manter em grupos grandes, de preferência no meio. Os homens nas margens, ou pior, sozinhos eram mais suscetíveis ao ataque mortal dos tubarões galha-branca.

Com o passar dos dias marinheiros morreram de fome, insolação e sede. Alguns se suicidaram nadando para longe e cortando os pulsos. Muitos sofriam de alucinações por terem bebido água salgada, uma sentença de morte por envenenamento salino. Esses que perderam a razão por completo, gritavam em desespero, babavam e chegavam a tentar morder ou afogar seus companheiros. Eles podiam ser identificados pelos lábios e língua inchados e escurecidos. Alguns acabaram mortos pelos próprios amigos em auto-defesa, já que haviam perdido totalmente  a sanidade.


Aproximadamente às 11 da noite do quarto dia na água, um avião da Marinha avistou os sobreviventes do Indianapolis e enviou um pedido de resgate prioritário. Do alto era possível ver os bolsões de homens flutuando e milhares de tubarões ao seu redor. Em poucas horas um hidroavião pilotado pelo Tenente Adrian Marks, retornou ao local lançando botes infláveis de borracha e suprimentos.

Quando Marks percebeu a gravidade da situação ele desobedeceu as ordens e pousou nas águas infestadas para ajudar os homens mais próximos. Usando uma metralhadora, ele abriu fogo contra os tubarões matando alguns e desviando a atenção deles enquanto o resgate se aproximava. Pouco depois da meia noite, o USS Doyle chegou ao local e começou a fazer o resgate. O desespero dos homens era tamanho que eles tentavam escalar pelas cordas ao mesmo tempo, muitos caíram e houve pânico. Enfim, os últimos sobreviventes foram tirados da água e levados à enfermarias.

Mil cento e noventa e seis homens foram ao mar, apenas 317 foram tirados dele com vida.

Estimativas atestam que a maioria dos homens morreu em decorrência de ataques de tubarão, mas é impossível saber ao certo os números corretos. Nas palavras de um comandante da marinha: "Nenhum homem que tenha sobrevivido a essa tragédia, esquecerá o que se passou e é nosso dever também jamais esquecer desse acontecimento doloroso. Estes homens sofreram além de nossa compreensão e é uma questão de respeito honrar seu sacrifício".

A Tragédia do USS Indianapolis permanece como o pior desastre marítimo da história naval norte-americana, uma narrativa que causa arrepios e um profundo terror nos mais corajosos homens do mar.

Eu citei o filme Tubarão, onde ouvi essa história pela primeira vez em uma cena assustadora dirigida por Steven Spielberg, estrelada por Robert Shaw, Roy Scheider e Richard Dreyfus. Ela está aí em baixo do início ao fim...


A transcrição da cena, uma das mais assombrosas está abaixo:

"O U.S.S. Indianapolis. 29 de junho de 1945, três minutos e meio depois da meia-noite, fomos atingidos por dois torpedos de um submarino japonês. Ainda sob ordens expressas depois de entregar a bomba... a bomba de Hiroshima... atravessávamos o Pacífico da ilha de Tinian para o golfo de Leyte. Mais de mil homens tentando fugir. Os botes salva-vidas foram presos tão forte dando espaço pra bomba que não pudemos colocar nenhum na água. Nenhum. E não havia balsa. Nada. Afundou em doze minutos. Sim, foi o que demorou. 

Não vimos o primeiro tubarão até depois de uma hora na água. Um que tinha perto de treze pés. Azul. Você mede olhando da dorsal para a cauda. O que a gente não sabia... e é claro que o capitão sabia... acho que alguns oficiais também... é que a missão era tão secreta que nenhum sinal de socorro foi enviado. O que os homens não sabiam era que até para figurar na lista de atrasos ia demorar pelo menos uma semana. Eu não sabia também, não era oficial. Então, alguns de nós já boiávamos mortos -- na água -- sem vida em nossos coletes salva-vidas. Muitos sangravam. E havia aqueles trezentos ou mais, deitados no fundo do oceano. Quando as luzes se foram, os tubarões se aproximaram. 

Formamos grupos pequenos -- aqueles quadrados preparados para a batalha -- sabe o que eu quero dizer -- então quando um tubarão se aproximasse, o homem mais próximo gritaria e bateria na água; e às vezes funcionava e o peixe ia embora, mas outras vezes o tubarão parecia olhar direto para o homem -- direto nos seus olhos -- e ao invés da gritaria e bateção de braços vinha um grito terrível, agudo, e o oceano ficava vermelho, enquanto eles o comiam vivo. Então, os pequenos quadrados eram refeitos. Ao nascer do sol, os tubarões já tinham levado uma centena. Difícil de contar, mas mais que uma centena. Não sei quantos tubarões. Talvez mil. Sei que era uma média de seis homens por hora. Todos os tipos -- azuis, makos, tigres. Todos os tipos.

No final do segundo dia, alguns começaram a enlouquecer de sede. Um cara disse que viu um rio, outro viu uma cachoeira, alguns começaram a beber água do mar e engasgar, deixando nossos pequenos grupos -- nossos pequenos quadrados -- nadando sozinhos, procurando ilhas, e os tubarões os pegavam logo em seguida, sempre. Eram os mais jovens -- os mais velhos continuavam em seus lugares. Nesse segundo dia -- meu salva-vidas arranhou minha carne, mais sangue na água. Caramba. 

Na Quinta de manhã eu trombei com um amigo meu -- Herbie Robinson de Cleveland -- oficial -- parecia que tinha adormecido, mas quando o alcancei para acordá-lo, ele tombou na água e vi seu corpo pela metade, ele havia sido mordido cintura abaixo. Bem, chefe, assim foi indo -- aviões nas nossas cabeças, mas ninguém dando bola. Sim -- suicídios, tubarões, e todos esses caras que enlouqueceram; e morrendo de sede. No quinto dia à tarde, Mr. Hooper, um Lockheed Ventura deu um banda e voou baixo. Sim. Ele fez isso. Ele nos viu. E no cair da noite, um grande PBY desceu dos céus e deu início ao resgate. Foi quando eu fiquei com mais medo -- enquanto esperava a minha vez. À quase duas horas e meia de completar cinco dias e cinco noites, me pegaram e me tiraram de lá. Mil e cem caíram naquele oceano -- trezentos e dezesseis escaparam. É. 29 de junho de 1945.

Bem, nós entregamos a bomba".

Na minha opinião esse continua sendo um grande filme e esse monólogo é um dos pontos altos dele.


2 comentários:

  1. Nunca saberemos, claro, mas isso me parece claramente o Karma em ação. Eles entregaram peças fundamentais para uma arma que foi o próprio inferno na Terra, que teve repercussões através de gerações, até hoje, nos descendentes dos sobreviventes. Não que a tripulação fosse a culpada, mas o Universo age através do Mistério.

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