terça-feira, 9 de agosto de 2022

Mãos Fantasmagóricas - O mistério da Charneca de Dartmoor


O ano era 1921. 

O médico girou com força no acelerador de sua motocicleta enquanto corria para o local da emergência médica: a infame prisão de Dartmoor, escondida nas charnecas enevoadas do condado de Devon, na Inglaterra. Ele se inclinou o melhor que pôde, pois sua moto tinha um sidecar ocupado pela sua assistente. As charnecas pantanosas representavam um desafio até para um piloto experiente como ele. Embora o médico estivesse no auge de suas habilidades, de repente ele encontrou um desafio ainda maior: ele não era o único no controle da motocicleta! 

Era algo impossível! Havia a pressão de um par de mãos invisíveis apertando as suas e forçando ativamente o guidão, obrigando-o a lutar para manter a motocicleta na pista. "Algo está errado", ele gritou para sua assistente e a seguir ordenou, "Pule!" e ela saltou, aterrissando no trevo macio ao lado da estrada. Mas o médico, lutando contra a força malévola, não teve tanta sorte. Ele gritou quando sua moto saiu da estrada, chocando-se violentamente contra as rochas. O pobre homem morreu na hora – e as Mãos Invisíveis de Dartmoor haviam reivindicado sua primeira vítima. 

A primeira, mas outras a seguiriam.

Essa é uma história um tanto assustadora. Mas somos tentados a pensar: já que o médico foi morto e não pôde contar essa história macabra a ninguém, como sabemos o detalhe das mãos invisíveis tentando tomar o controle da moto que ele conduzia? Não está sequer registrado que ele tenha gritado algo sobre a força fantasmagórica para sua assistente. A razão para assumir que as coisas aconteceram dessa maneira permanecem vagas, mas sabemos como esse elemento se tornou parte da história. 


O caso foi relatado pela primeira vez na edição de 14 de outubro de 1921 do jornal Daily Mail. Mesmo então, há um século, o Daily Mail tinha uma reputação de jornalismo de tablóide – sensacionalista e dramatizado demais – tanto quanto hoje. O artigo, intitulado "As Mãos Invisíveis da Morte", descreveu o acidente com a motocicleta e, em seguida, um segundo incidente que ocorreu no mesmo local da estrada:

"Algumas semanas se passaram, até que um dia um ônibus subia a encosta quando, de repente e sem razão aparente, desviou, adentrou a encosta gramada à direita da estrada e, embora não tenha virado, caiu em tal ângulo que vários passageiros foram jogados para fora. Um deles, uma mulher, ficou gravemente ferida."

Como o primeiro incidente, este relatório não fez menção a nenhuma monstruosa mão invisível, exceto, é claro, pela manchete. Mas também incluiu um terceiro conto, no qual um capitão Marlowe apareceu na casa de um amigo ensanguentado, tendo acabado de sofrer um acidente de moto – mais uma vez, exatamente no mesmo ponto da estrada que os outros dois ocorreram. Ele contou a seguinte história:

"Não foi minha culpa", disse esbaforido. "Acredite ou não, algo me tirou da estrada. Um par de mãos cobriu as minhas e puxou violentamente a guidão da moto. Eu as senti tão claramente quanto já senti qualquer coisa na minha vida - mãos grandes, musculosas e peludas. Eu lutei contra elas com toda minha força, mas elas eram fortes demais para mim. Eles forçaram a máquina na grama na beira da estrada e eu não consegui controlar. Acordei minutos depois, deitado a uns três metros de distância com a moto acidentada adiante."


Em 17 de outubro, três dias depois, o Daily Mail publicou um artigo de acompanhamento dando alguns detalhes extras sobre o primeiro acidente, incluindo o nome do médico que morreu no acidente com a motocicleta. Era ele, o Dr. E. H. Helby e de acordo com seu obituário publicado no The Scotsman, era de fato o oficial médico da prisão. Sua morte foi causada por um traumatismo craniano, provocado pelo choque contra uma rocha.

O jornal relatava:

"O Dr. Ernest Hasler Helby, Oficial Médico da Prisão de Dartmoor, de 51 anos, sofreu uma fratura extensa do crânio devido à quebra de uma parte de uma motocicleta enquanto dirigia de Princetown a Tavistock."

Um outro artigo, na edição de agosto de 1921 do Western Morning News, mencionava o segundo acidente – aquele envolvendo o ônibus. Era um veículo de grande porte, com capota aberta, chamado charabanc, com seis fileiras de assentos e nenhum cinto de segurança. Neste caso, o artigo dá como causa do acidente uma mola quebrada, o que tornou a direção incontrolável.

O terceiro incidente é o único em que um motorista culpou mãos invisíveis pelo ocorrido. O Capitão Marlowe aparece apenas nesse artigo original de 14 de outubro. No entanto, a manchete foi suficiente para criar uma Lenda Urbana que se mantém até os dias de hoje, a de que Mãos Invisíveis agem e provocam acidentes fatais nessa estrada. A menção a esse estranho incidente pode ser encontrada em vários livros de histórias de fantasmas e contos da região de Dartmoor e Devon County. De fato, essa região é conhecida como uma das mais fantasmagóricas da Inglaterra, um lugar tratado como fonte de inúmeras histórias de assombração. 


O tal Capitão Marlowe seria Richard Franklin Marlowe, um ex-oficial britânico que serviu com distinção na Grande Guerra e que vivia nos arredores do condado de Devon. Supostamente ele jamais quis falar à respeito do incidente, mas teria dito que não passaria mais por aquela estrada se assim pudesse evitar - e "desencorajava qualquer um a fazê-lo". 

O incidente das mãos fantasmagóricas que forçavam veículos para fora da estrada que cortava as Charnecas de Dartmoor recebeu grande destaque da imprensa na época. O Daily Mail enviou um de seus repórteres mais conhecidos, T. Gillford para cobrir a história e ele conversou com testemunhas que viviam na região. Segundo informações de moradores locais, a área sofria a interferência de um espírito vingativo pertencente a um homem que supostamente teria morrido naquela mesma estrada isolada. A pessoa em questão atendia pelo nome de Jim Ranson, e era uma espécie de vagabundo que fazia trabalhos nas fazendas que pontilhavam a área. 

Ninguém via Jim Ranson fazia algum tempo, o homem simplesmente desapareceu sem deixar vestígios. Muitos supunham que Ranson havia morrido, vítima de um criminoso ou mais possivelmente atropelado por um veículo (motocicleta ou automóvel que cruzava a estrada). Alguns se recordaram de ter ouvido Jim Ranson reclamar repetidas vezes da maneira como as pessoas dirigiam por aquela estrada enlameada e que em pelo menos duas ocasiões ele quase fora atropelado por um veículo descendo em grande velocidade pela via. A teoria era de que o vagabundo teria sido atropelado e morto. Seu assassino teria então removido seu corpo e enterrado em lugar desconhecido. Isso teria feito com que o fantasma sem descanso de Ranson se erguesse em busca de vingança contra aqueles que trafegavam pela estrada.

O jornal chegou a enviar um famoso médium londrino chamado Noah Pembrick, para o local onde os acidentes haviam acontecido e segundo a edição de 27 de outubro, o sensitivo examinou o trecho captando uma concentração de energias negativas permeando a área. O jornalista descreveu nos seguintes termos:

"O Sr. Pembrick afirmou que o trecho da estrada que segue para Dartmoor, aproximadamente a sete quilômetros da Ponte Meadow, possui uma forte carga negativa, como se ele estivesse tomado por uma presença ruim que ele podia sentir fisicamente."


O repórter conta mais adiante que Pembrick disse ter sentido uma presença nefasta enquanto vagava pelo local em busca de emanações psíquicas. De repente, em determinado momento, o médium foi assaltado por essa presença invisível e acossado por uma força assassina. Ele sentiu mãos invisíveis se fechando em torno de seu pescoço e estas apertaram até quase ele perder os sentidos. Não fosse a intromissão do repórter ele teria perdido os sentidos. 

O incidente ganhou as manchetes do Daily Mail e serviu para consolidar as "Mãos Fantasmagóricas" de Dartmoor no centro de um acalorado debate sobre assombrações. É preciso lembrar do contexto histórico dessa época em especial. O espiritismo estava muito em voga no período. Quando a Primeira Guerra Mundial chegou ao fim, o apelo de se comunicar com os mortos – sem incluir muitos que morreram durante a guerra – se espalhou por todo o mundo ocidental. 

Um artigo de 1919 no The Globe descreveu assim o espiritismo:

"A credibilidade nos fenômenos do Espiritismo é muito grande e atestada por especialistas. Na verdade, se faz tão popular pelo fato de ser perceptível para muitos que possuem o dom. A crença é comum, sendo algo generalizado. Existe entre todos os tipos de pessoas, da classe mais alta à mais baixa. Você o encontra em Mayfair e nas aldeias mais remotas da Inglaterra."

Quando Gifford escreveu seu artigo para o Daily Mail, a Inglaterra ficou extasiada com o que mais tarde ficou conhecido como o período do Reavivamento do Espiritismo. Seu artigo impactante caiu em ouvidos acolhedores. Em poucos dias, um jornal espiritualista chamado Truth publicou um artigo concordando com a identificação de Gifford de um "espírito" como a causa provável desses acidentes rodoviários. 


Outro elemento interessante dizia respeito a atitude do público em relação aos veículos motorizados na Inglaterra em 1921. A maioria da população não via com bons olhos o uso cada vez maior de automóveis e motocicletas no país, apontado como algo extremamente perigoso. Aquela era uma época em que as inovações surgiam à todo momento na Inglaterra. No verão de 1921, houve uma onda de acidentes automobilísticos que levaram a uma grande cobertura jornalística e algo semelhante a um pânico em torno dos perigos de dirigir. Inovações como cintos de segurança e freios hidráulicos de 4 rodas acabariam por chegar, mas alguns veículos bastante perigosos em estradas menos que perfeitas tiveram consequências letais.

O sentimento anti-automóveis fez com que dezenas de leitores condenassem através de cartas os automóveis e os culpassem como os causadores daquelas tragédias. Alguns chegavam até a suspeitar que o fantasma estava se manifestando para denunciar o uso de tais veículos. O movimento contra os veículos chegou ao ponto de que uma comissão de moradores locais determinou que nenhum veículopassasse pela estrada, mas a regra não foi aceita pelas autoridades.

Em fevereiro de 1923, um novo acidente ocorreu na estrada, dessa vez a cerca de 3 quilômetros do fatídico trecho. Embora o motorista não tenha feito qualquer menção a mãos fanatsmagóricas tomando sua direção, muitos acreditavam que essa era a causa do acidente que vitimou uma moça de 17 anos que faleceu no local.

Em março daquele mesmo ano, um grupo de moradores decidiu vasculhar a beira das estradas em busca de alguma pista que pudesse elucidar o caso. Extra-oficialmente o que o grupo buscava, era o cadáver de Jim Ranson que teria sido enterrado em algum trecho da estrada. Segundo alguns acreditavam, se o corpo fosse encontrado e sepultado em um lugar adequado aqueles acidentes cessariam. Para desânimo de todos, principalmente do repórter do Daily Mail, o grupo não encontrou nada.

Isso não impediu em absoluto que o trecho da Estrada de Dartmoor se tornasse famoso e fosse considerado como um lugar assombrado pelo fantasma do vagabundo que tentava estrangular aqueles que cruzavam a estrada.


As lendas urbanas muitas vezes refletem as tendências culturais da época em que foram concebidas. É possível que as histórias nada mais fossem do que uma mera especulação ou então a tentativa de um jornalista de inventar uma história suculenta para vender jornais. Seja como for, os rumores sobre a estrada que cruzava o pântano continuaram por anos, mesmo depois da estrada receber melhorias com o acréscimo de asfalto e iluminação, além da eliminação de uma curva especialmente perigosa. As mãos fantasmagóricas da estrada de Dartmoor ganharam fama e foram mencionadas por muitos estudiosos de parapsicologia. 

Finalmente, em 1988 as autoridades locais anunciaram a descoberta de antigos ossos humanos encontrados repousando numa cova rasa a cerca de um quilômetro e meio de onde ocorreram os acidentes. Não foi possível determinar a quem pertenciam os ossos em questão, mas muitos acreditam que ele seriam os restos de Jim Ranson e provariam que ele havia morrido na estrada. Para os crentes, estava claro que, o fantasma dele havia amaldiçoado o local, causando acidentes ao longo das décadas.

Verdade ou mentira, muitos apontam para o fato de que depois dos ossos terem sido transportados para um cemitério, o número de acidentes na estrada diminuiu consideravelmente.

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