CTÔNIANO (adj): 1. Diz-se daqueles Deuses que residem nas profundezas da Terra
2. Aqueles que cultuam os Deuses das Profundezas
3. Deuses Ancestrais que habitam cavernas e túneis.
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No vasto Universo do Mythos de Cthulhu, nem todas as criaturas vieram ou surgiram entre as estrelas ou dimensões adjacentes. Há espécies tão estranhas quanto enigmáticas que embora tenham um vínculo direto com essa mitologia particular, são nativas de nosso planeta. A macabra raça antropófaga dos Carniçais que habitam as necrópoles humanas sempre em busca de carne, os horrores submarinos, Abissais, que vivem nas trincheiras oceânicas e mesmo a ancestral Grande Raça de Yith com seus corpos coniformes, são todos exemplos de seres oriundos de nosso planeta.
Raramente vistos na superfície, a raça dos escavadores, conhecidos como Ctônicos são uma espécie que habita os subterrâneos, cavando túneis tão profundos que quase alcançam o centro do planeta. Tais seres evitam a crosta terrestre e os estratos superiores de modo que conseguiram preservar sua existência na província das lendas. Vistos por algumas poucas testemunhas oculares, os Ctônicos tendem a conservar sua existência como um segredo compartilhado com uns poucos escolhidos.
Mesmo os tomos ancestrais que oferecem conhecimento esotérico e que fornecem um vislumbre fugaz do Mythos são escassos em informações sobre essa raça quimérica. O Necronomicon, como não poderia deixar de ser, talvez seja a fonte mais fidedigna no que concerne a informações sobre os Ctônicos. Contudo, mesmo o célebre árabe louco Abdul Al-Hazred é econômico nas descrições desses horrores subterrâneos. Ele define apenas em linhas gerais os detalhes, sem garantir a certeza de suas palavras, ainda que corresponda à teoria de que tais seres tem origem terrestre. Al-Hazred afirma ter tomado conhecimento da existência dessas entidades após uma visita às ruínas da Cidade sem Nome onde consultou antigos documentos que mencionavam a existência deles. Vagando pelo Norte da África, o autor do Al-Azif ouviu de eremitas, as histórias à respeito desses horrores que escavam o solo e se alimentam da carne dos homens. Posteriormente ele menciona que tremores de terra impactantes que abalaram a Pérsia e a Anatólia foram causados pela ação dessas entidades e que elas são responsáveis por titânica destruição quando a cólera as domina. Sua menção final sobre os Ctônicos envolve o Deus colossal, Shudde M'ell, o maior e mais poderoso dentre eles.
Além do Al-Azif, outro tomo que menciona os Ctônicos é o "Fragmentos de G'harne", obra escrito a partir de estilhas de pedra encontradas pela Expedição Windrop no norte da África. Os petróglifos contendo símbolos geometrizados tinham origem neolítica, e supostamente foram resultado do trabalho de tribos pré-humanas que habitaram o interior da África subsaariana. Criteriosamente traduzido pelo renomado explorador e único sobrevivente da Expedição, Sir Amery-Wendy Smith, o texto se dedicava a traçar a origem e detalhes únicos sobre a raça dos escavadores. Algumas fontes apontam que o livro guarda enorme semelhança com o Manuscritos Pnakóticos e que seria uma versão bastarda dessa obra bem mais completa e ampla. O Fragmentos chegou a ser publicado em 1919 numa tiragem de 100 exemplares numa tradução incompleta disponibilizada para círculos acadêmicos. Contudo, sabe-se que Smith produziu diferentes versões que circulam há anos entre estudiosos e no acervo de universidades. As estilhas originais segundo rumores se encontravam no Museu Britânico até a década de 1930 quando foram removidas de exposição e guardadas em caixas para futura avaliação do material. O atual paradeiro delas é desconhecido.
A razão pela qual tão poucos autores se dedicam aos Ctônicos pode estar relacionada com o fato de que aqueles que se debruçaram sobre o tema raramente conseguem finalizar sua obra, sendo vítimas de estranhos acidentes. O próprio Sir Amery-Wendy Smith morreu após o estranho desabamento de sua residência na Inglaterra. Outro estudioso envolvido em pesquisas sobre o tema, o Professor Ryan Millbue também faleceu após um inusitado desabamento que o vitimou. Outros tantos acadêmicos encontraram seu fim em desabamentos e a abertura de escoadores que literalmente os tragaram para o subsolo, gerando especulação sobre a real natureza desse "acidentes".
Dentre as Raças do Mythos que conhecem os Ctônicos, a Raça Ancestral (Elder Things) era a que detinha maiores registros sobre sua existência. É claro, os Yithianos também possuíam em suas vastas bibliotecas documentos mencionando os Ctônicos e sua interação com a humanidade.
G'Harne, uma cidadela localizada entre o oeste do Sudão e a bacia do Congo está intimamente relacionada aos Ctônicos. As ruínas de pedra avermelhada, causticada pelo sol e pelos ventos resistiu inabalável à passagem dos milênios e as torres são testemunhas de tempos imemoriais. Não se sabe exatamente que povo ergueu a cidade e sequer se os seus habitantes eram humanos ou outra espécie. Suspeita-se que G'Harne seja um lugar sagrado de enorme importância para os Ctônicos. Isso explica porque um número considerável deles habitam as fundações da cidadela ou ao menos migram para essa região de tempos em tempos. É possível que algo no lugar atraia os Ctônicos - talvez seja um local de procriação ou quem sabe de peregrinação religiosa. Tais teorias, entretanto continuam sendo mera especulação.
Outra possibilidade é que G'Harne esteja exatamente sobre a prisão mística que encerra o Deus Antigo Shudde M'ell e que seus súditos se reúnam ao seu redor para venerá-lo. A enorme quantidade de Símbolos Ancestrais espalhados pela localidade, nas ruas e na fachada de construções reforça essa possibilidade. Não se sabe entretanto quem teria sido o responsável por esse sistema primitivo de aprisionamento. De uma coisa não resta dúvida, G'harne é um lugar extremamente perigoso e explorar seus arredores é quase certeza de morte.
Os Ctônicos se movem através do solo, escavando túneis na areia compactada, em aluviões, sedimentos e mesmo através de rocha sólida. Para se deslocar, estes seres parecem derreter o caminho diante deles, abrindo um caminho pelo qual podem viajar livremente. O processo é extremamente eficiente e lhes permite avançar com rapidez mesmo através de terrenos rochosos. Como forma de se impelir eles deslizam pela substância derretida impulsionando seus corpos vermiformes por intermédio de poderosa musculatura que esticam e encolhem. A trilha de um Ctônico deixa um rastro de pedras semiderretidas e uma gosma oleosa superaquecida excretada por seus corpos. Os túneis abertos se assemelham a estruturas cavernosas formadas naturalmente, exceto por essa gosma que tende a sublimar depois de algumas horas. Uma vez que esses seres não carecem de água ou ar, desabamentos não são um grande problema. Adultos da espécie são capazes de suportar altíssimas temperaturas, podendo sobreviver até 4000 graus célsius sem qualquer desconforto. Essa notável resiliência permite que eles habitem áreas profundas da Terra, colocando-os entre os únicos adaptados a sobrevivência no centro do planeta.
É provável que algo na composição alienígena de seus corpos torne os Ctônicos suscetíveis ao contato com a água. A gosma betuminosa que os recobre oferece alguma proteção, bem como o calor irradiado por seus corpos, contudo, se eles forem expostos a uma quantidade suficiente de água, sofrem um desconforto acentuado. A imersão total de seus corpos os mata em poucos minutos. Enquanto se movem, essas criaturas são capazes de detectar com exatidão a presença de umidade o que lhes permite desviar de qualquer lençol freático e contornar as massas de água que poderiam destruí-los.
Próximo da superfície é provável encontrar apenas indivíduos adultos da espécie, sendo que jovens e velhos permanecem nos recessos mais profundos, onde encontram segurança. De fato, os ninhos dos Ctônicos se encontram propositalmente em pontos tão quentes e insalubres que não seria possível acessá-los sem medidas de proteção. Entretanto ninhos antigos podem ser encontrados em extratos superiores, onde o contato com outros seres, em especial humanos, é possível. Empresas mineradoras e de prospecção petrolífera já entraram em contato com tais ninhos, obtendo indícios da existência das criaturas.
De modo geral, Ctônicos evitam o contato com outras formas de vida e se ressentem das ocasiões em que isso é inevitável. Membros de uma raça independente, eles não veem outros seres como iguais e menos ainda como potenciais aliados. Isso não impossibilita que alguns sejam reverenciados por povos primitivos, tratados como divindades ou espíritos terrestres, que merecem sacrifícios e atenção. Nesses casos, os Ctônicos tendem a aceitar a sujeição de humanos e os possíveis benefícios que isso possa lhes proporcionar. Via de regra, Ctônicos tendem a evitar qualquer contato de humanos quando tem de proteger os jovens de sua espécie. Estes são consideravelmente mais frágeis e podem ser facilmente destruídos, o mesmo sendo verdade para seus ovos.
O ciclo de vida dos Ctônicos é bastante longo. As fêmeas põem entre 3 e 4 ovos e estes são depositados em ninhos profundos cobertos com uma gosma rica em silício que se solidifica. Uma vez que a fêmea só coloca ovos uma única vez, elas se mostram extremamente protetoras de sua prole, eliminando violentamente ameaças que se aproximam do ninho ou perseguindo os responsáveis por tocar ou roubar seus ovos. Estes ovos se assemelham a estruturas minerais perfeitamente esféricas com uma coloração castanha avermelhada. Um ovo (que tem 30 cm de diâmetro e 5 de espessura na casca) demora algo entre 35 e 50 anos para ser chocado. Nesse período a fêmea da espécie pode escolher hibernar em uma câmara próxima ao local onde pôs os ovos, aguardando pacientemente que eles eclodam. Uma vez rompida a casca, as larvas formadas passam a viver presas nas costas da mãe até formarem uma couraça exterior que as protegerá das agruras de seu habitat - o que pode levar entre 8 e 15 anos. No período em que carrega suas crias, as fêmeas são extremamente agressivas e perigosas, mesmo com outros Ctônicos. Cada ciclo da vida é dividido em etapas de crescimento chamadas "instar". Há quatro instar, sendo que cada indivíduo que inicia sua vida como larva pode viver por mais de um milênio. Um Ctônico tem uma expectativa de vida na casa dos 800 anos, podendo entretanto, viver ainda mais.
Ctônicos são extremamente inteligentes, capazes de compreender e interagir com outros seres, embora raramente o façam. Eles não são animais irracionais, mas entes imensamente sofisticados. Embora sua existência nos seja incompreensível, são seres sociais, dados a uma existência marcada por rituais e profunda interação nos moldes de uma tribo. Nutrição e reprodução são suas maiores preocupações, mas a proteção, limpeza e expansão dos ninhos também são responsabilidades partilhadas de cada membro da tribo. Para facilitar essa interação, eles desenvolveram uma elegante forma de comunicação baseada em telepatia. Um Ctônico consegue detectar padrões mentais de diferentes espécies, sendo capazes de diferenciar indivíduos e determinar sua posição a quilômetros de distância. Se necessário eles podem estabelecer uma comunicação mental, projetando seus pensamentos na mente de outros seres, como se estivessem falando. O uso dessa telepatia, ainda que desconfortável para seres humanos, não é especialmente danosa, embora o uso prolongado possa ocasionar vertigens, dores de cabeça e confusão mental. Em sociedades primitivas que veneram os Ctônicos, essa interação é reservada aos sacerdotes ou bruxos que possuem o "dom" de se comunicar com as entidades.
Dentre os povos que veneram os Ctônicos, podemos destacar tribos nativas nos áridos desertos da América do Norte. Algumas dessas tribos, em especial as que vivem no Deserto do Mojave de fato chegavam a venerar os Ctônicos como deuses, estabelecendo com eles uma relação de sujeição. Uma vez que outras tribos vizinhas viam esses seres como "monstros" a relação foi duramente combatida até os povos serem extintos. Além desses enclaves os Ctônicos foram adorados sobretudo por tribos habitando grandes desertos inóspitos como o de Victoria (na Austrália central), no Kalahari (África) e no Salar de Uyuni (Bolívia). Esses povos, no entanto, foram perdendo esses costumes a abandonando as práticas de devoção, ainda que hajam resquícios nas suas tradições orais.
Atualmente um dos únicos enclaves de cultistas dedicados aos Ctônicos pode ser encontrado no Deserto de Gobi, na Mongólia. Nestes lugares, tribos nômades que habitam as planícies mantém vivas as velhas tradições dedicadas aos Escavadores. Em geral, os rituais dedicados a eles envolvem adoração em espaços amplos do deserto, seus terrenos de caça, onde sacrifícios são oferecidos. Nas tradições mongóis antigas, prisioneiros escolhidos eram soltos nus em trechos isolados do deserto para que os deuses (Ctônicos) pudessem caçá-los e decidir se iriam se alimentar deles ou não. Tradições similares podem ser traçadas nas tribos do Mojave e entre aborígenes australianos em que rituais de passagem envolviam a travessia do território divino.
Curiosamente, G'Harne que foi por muitos séculos o principal local de adoração aos Ctônicos no planeta deixou de ter cultos dedicados a eles. Hoje as ruínas permanecem abandonadas, tratadas pelos povos locais como um tabu sobre o qual ninguém fala. Apesar disso, muitos nativos conhecem as lendas e temem serem atacados por "aqueles que vem de baixo".
(Continua)
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