domingo, 31 de outubro de 2010

Cthulhu Desperta... ao menos nos desenhos animados!

Nas últimas semanas dois desenhos animados de sucesso nos Estados Unidos contaram com um personagem atípico... o Grande Cthulhu.

Primeiro o grande cefalópode fez uma aparição na série animada Scooby Doo Mystery Incorporated. Trata-se da versão mais nova do clássico desenho de Scooby Doo com direito a investigações envolvendo monstros e fantasmas, Salsicha, Fred, Daphne e Velma.

No episódio "Shrieking Madness" a gangue investiga o desaparecimento de um autor de estórias de horror, um certo Professor H.P. Hatecraft. Uma das criações do escritor, uma criatura semelhante a um octopus humanóide chamada CHAR GAR GOTHAKON o sequestra e cabe aos "meninos encrenqueiros e certo cachorro bisbilhoteiro" descobrir o que está acontecendo.

Eu assisti alguns trechos do desenho. Um dos personagens é Harlan Ellison autor de sucesso na vida real que dubla seu próprio personagem. A voz de Love... aham... Hatecraft foi dublada por ninguém menos além de Jeffrey Combs (de Re-Animator e From Beyond).

Mas para aqueles que dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, lá vai...

No começo dessa semana no episódio "Coom Hindvision" do desenho South Park lá está ele novamente!

Não... não Cartman... Cthulhu!!!!

No episódio a British Petroleum responsável pelo mega acidente de vazamento de óleo no Golfo do México decide fazer uma nova perfuração e acaba rompendo um selo numa cidade submarina através do qual surgem centenas de criaturas vindas de outra dimensão. Obviamente são seres dos Mythos ancestrais.

Mas o melhor ainda está por vir: A companhia realiza uma nova escavação e como resultado liberta ninguém menos que o Grande Cthulhu que aparece no final do episódio de duas partes que será concluído semana que vem.

Não é a primeira vez que o Grande Cthulhu aparece em desenhos animados.

Há cerca de dois anos, Cthulhu apareceu em um episódio de "As terríveis aventuras de Billy e Mandy". No caso ele atendia telefonemas em um episódio entitulado "Prank Call of Cthulhu" (algo como Trote de Cthulhu).

E direto do túnel do tempo, os Caçafantasmas em seu desenho na década de 80 também tiveram de lançar seus feixes de partículas no senhor de R´Lyeh. Cthulhu não apenas era o monstro do episódio como ainda era chamado de um problema "capaz de fazer Gozer parecer um fantasminha". Lembrando que Gozer é ninguém menos do que o Monstro de Marshmellow (Stay Puft).

O que estaria acontecendo?

Será que o momento está chegando e as estrelas estão se alinhando no firmamento? Ou será uma conspiração silenciosa de algum culto maligno tentando corromper a mente das crianças e transformá-las em pequenos seguidores de Cthulhu?

Trechos de Scooby Doo:





Trechos do Desenho South Park:



O episódio completo dos Caça-Fantasmas enfrentando Cthulhu:

Esse é sensaconal pelas referências e elementos típicos da literatura lovecraftiana. vale a pena assistir!





A Hierarquia dos Mythos - Os Deuses Exteriores


Na Mitologia criada por H.P. Lovecraft, forças sobrenaturais de incomensurável poder controlam o Cosmos e tudo que nele existe.

Essas forças compõem um conjunto de seres que são chamados coletivamente por alguns poucos estudiosos de "Os Mythos de Cthulhu". A designação denota uma tentativa humana de categorizar e interpretar o que são e qual a função de cada um desses seres no grande plano universal. Mas o próprio nome adotado é curioso, uma vez que Cthulhu é apenas uma das entidades que compõem essa ordem cósmica e nem de longe a mais poderosa.

Isso demonstra o quão pouco a humanidade compreende a respeito dessas Entidades.


Na concepção de Lovecraft o Universo não foi criado pelos seres humanos ou por qualquer força conhecida. Não existe um Deus, onipresente e onisciente, as divindades humanas são meras fábulas. Não há Buda, Alá ou Jeová. Humanos não possuem almas imortais e quando a vida abandona nosso corpo, nós nos tornamos poeira.

Da mesma forma, o Cosmo não existe para proporcionar à humanidade um lugar de direito. A humanidade é um mero acidente, nós existimos por existir. Nosso papel dentro do cosmo é irrisório, pois no grande esquema das coisas somos irrelevantes. Mesmo quando vivos, não passamos de poeira.

O Trono de Azathoth, o Caos Nuclear ocupa um lugar quase inacessível considerado por alguns como o Centro do Universo. Lá teria se iniciado a expansão do Big Bang, onde todo o nosso Universo se originou pela sua ação.

Imagine que somos náufragos, flutuando em um grande bloco de gelo sem direção e que pouco a pouco esse iceberg vai derretendo. E o interminável oceano de mistérios que nos cerca além de ser insondável e assustador é habitado por monstros. Essa é a trágica condição da humanidade na obra de Lovecraft. Conquistas, progresso, avanços científicos... nada disso realmente importa, nada disso é relevante pois mais cedo ou mais tarde esse bloco de gelo vai desaparecer e vamos afundar em um mar de perigos e horrores inenarráveis do qual jamais vamos emergir.

Os Mythos estão acima da ordem natural que nós acreditamos conhecer. A própria natureza pode ser pervertida, invertida ou simplesmente ignorada por seres que nós somos incapazes de conceber. Eles dominam a realidade e tentar entender como eles pensam ou agem é perigoso, de fato, buscar as respostas para os enigmas do universo é como tentar cruzar um deserto interminável à pé. Quanto mais apredemos, mais a nossa razão sofre. Como consequência a única recompensa por esse saber é a insanidade.

No mundo inclemente dos Mythos conhecimento não é poder, conhecimento é aniquilação.


Isso explica por que sabe-se tão pouco a respeito dos Mythos. Na melhor das hipóteses todo o conhecimento acumulado ao longo de milênios a respeito dessas entidades e copiado laboriosamente em tomos, não passa de um grão de areia. Contradições e confusões são comuns, e muito do que se imagina a respeito dos Mythos de Cthulhu simplesmente não está certo. Mesmo o Necronomicon, tido como o maior tratado humano à cerca dos Mythos e que supostamente reúne o mais profundo saber sobre eles, está incompleto ou contém enormes erros. Não se pode acreditar em nada que se ouve ou lê a respeito dos Mythos e um feiticeiro que se diz conhecedor dos mistérios não passa de um tolo.

Um dos aspectos mais interessantes na obra de Lovecraft é que nem mesmo ele buscava responder as perguntas. Assim como seus personagens, envolvidos com revelações inacreditáveis, o próprio autor não ousava oferecer uma explicação racional ou coerente. De onde vieram os Mythos? Qual o seu propósito? Tudo o que podemos fazer é adivinhar ou supor.

Então vamos tentar supor.

Conforme o modelo estabelecido, o "Panteão dos Mythos de Cthulhu" possui uma hierarquia estratificada que divide as criaturas conforme seu poder e influência.

Algumas dessas forças são princípios cósmicos que literalmente assumiram uma forma, conceitos como Caos e Fertilidade. Outros são "meros" deuses, criaturas de tamanho poder e idade que os planetas são relativamente jovens em comparação a Eles. Enquanto outros são apenas estranhas criaturas, nascidas através de reações bioquímicas acidentais (ou não) que formam aquilo que costumamos chamar de formas de vida.


No topo da hierarquia se encontram os Deuses Exteriores (Outer Gods). Esses seres não podem ser compreendidos como indivíduos, uma vez que são na realidade a personificação de forças cósmicas essenciais para o próprio funcionamento do Universo: tempo, espaço, energia, caos, vida. Para alguns estudiosos eles são os Verdadeiros Deuses do Universo.

Sem eles o próprio Cosmo entraria em colapso e o Universo como conhecemos acabaria por desmoronar. Apenas uma pequena parcela dessas entidades é conhecida pelo nome e não se sabe ao certo quantas delas realmente existem. Um dado alarmante é que muitos deles são obtusos, descritos como "cegos e idiotas", incapazes de compreender sua função.

Uma das representações mais conhecidas de Yog-Sothoth, "aquele que espreita no limiar" entre o tempo e o espaço.

Os Deuses Exteriores tem pouco interesse na humanidade, de fato, o mais provável é que eles sequer saibam de sua existência. Nyarlathotep é a exceção a essa afirmação. Por motivos desconhecidos, esse Deus tem um profundo interesse no homem e de tempos em tempos se envolve nos rumos da espécie. Humanos que se envolvem com esses seres normalmente terminam seus dias loucos ou mortos. Outras raças possuem um maior conhecimento a respeito dos Deuses Exteriores e muitos os veneram.


Azathoth talvez seja o mais poderoso dos Outer Gods. Ele habita o Centro do Universo, uma força de Caos Nuclear girando eternamente ao som de flautas mefíticas. Teóricos acreditam que Azathoth foi o responsável pelo Big Bang e que partiu dele a ação que desencadeou o Nascimento do Universo. Da mesma forma, em dado momento ele pode ocasionar o efeito contrário de entropia que dará fim a essa criação. Ao redor de Azathoth, chamado de Daemon Sultan, orbitam milhares de outros deuses igualmente cegos e idiotas.

Munido de uma flauta, Nyarlathotep se une ao coro dos Serviçais à disposição dos Deuses Exteriores. Seria ele apenas um arauto fiel, ou sua função vai muito mais além que suprir as necessidades de mestres cegos e idiotas?

Nyarlathotep é apontado como a alma e a consciência desses deuses e existe para regular os desejos e caprichos dessas Entidades. Ele viaja através dos pontos mais distantes do universo acompanhando os deuses sem nome e agindo como um mensageiro de sua vontade. Há conjecturas que afirmam ser ele a personificação dos poderes telepáticos dos deuses, mas ninguém sabe ao certo. O Caos Rastejante é um mistério inserido num enigma. Venerado em todo o universo através de incontáveis nomes e disfarces, Nyarlathotep é uma das forças mais presentes no cosmos.

Yog-Sothoth personifica o tempo e espaço. Dentre os Deuses Exteriores apenas Azathoth aparece como seu superior. Paradoxalmente, Yog-Sothoth chamado de "a chave para o portão onde as esferas se encontram", não habita o nosso universo e sim sua própria dimensão. Apenas magias e rituais de enorme poder são capazes de invocá-lo para nosso mundo. É possível que a simples presença de Yog-Sothoth em nosso universo cause um efeito danoso no tecido do espaço-tempo. Quem pode imaginar o que sua presença por um tempo prolongado seria capaz de desencadear?


Shub-Niggurath é outro Deus Exterior digno de nota, ele representa a energia da vida e da abundância. O local por ele habitado é desconhecido, mas essa entidade tende a responder ao chamado de seus cultistas onde quer que eles se encontrem, o que inclui a Terra.

Ele (ou para alguns Ela) é o princípio cósmico da fertilidade e da perpetuação da vida que dá origem às infindáveis espécies e criaturas do cosmo. Venerado em um sem número de mundos, Shub-Niggurath é a divindade central para os Mi-Go e várias outras espécies habitando as esferas distantes.

Tudo aquilo que é tocado por Shub-Niggurath experimenta o caos da transformação e do crescimento. Para alguns trata-se de uma entidade benevolente que representa a abundância, mas a verdadeira face da "Cabra Negra com Mil Filhos" é bem mais nefasta. Ela é a progenitora de aberrações e de seres abomináveis, gerados em seu ventre fecundo.

Outros Deuses Exteriores conhecidos são Tulzscha, Daoloth, Ghroth e Abboth apenas para citar alguns entre tantos outros.

Usando os Outer Gods:

Como foi mencionado, os Deuses Exteriores são forças primais do Cosmo. Compreender a extensão de seus poderes está além da mera capacidade humana. Mesmo assim, os Outer Gods atraem a atenção de indivíduos em busca de revelações e poder. O resultado não obstante tende a ser a corrupção, a loucura e a morte.

Ao longo dos séculos, pessoas desesperadas, tolas, irracionais ou ambiciosas além dos limites se dedicaram a venerar os Outer Gods. Porém a grande maioria desses deuses é bem menos acessível que os Grandes Antigos. Comparativamente, existem menos cultos devotados a eles, pois a magnitude de seus poderes e a própria vastidão do que eles representam tende a ser uma barreira intransponível. A exceção, claro é Shub-Niggurath cujo culto prolifera abertamente sobretudo em enclaves rurais onde a dedicação ao solo e ao plantio se une ao desejo pela abundância e pela fecundidade.

Mas em geral os Deuses Exteriores não possuem cultos organizados. Eles tendem a ser adorados por cultistas solitários, maníacos e feiticeiros. Há duas razões para isso acontecer:

Em primeiro lugar, a humanidade não representa nada para esses colossos cósmicos. Eles não dependem de cultos e por isso não os incentivam ou patrocinam. Sacrifícios, adoração ou louvores de criaturas inferiores são ações inócuas para esses seres e em contrapartida, cultistas não podem esperar recompensas vindas deles. A relação que eles tem com humanos é a mesma que nós temos com formigas em nosso jardim. Mesmo Shub-Niggurath que é a exceção clássica não atende aos pedidos de seus cultistas por benevolência, mas simplesmente porque seu surgimento ocasiona transformações naturais. A relação desses deuses com a humanidade tende portanto a ser inexistente.

Em segundo lugar, os Deuses Exteriores são quase inacessíveis. Apenas magias e rituais extremamente potentes - e consequentemente complexos - são capazes de invocá-los. E em geral, o surgimento de um Deus Exterior não acarreta em nada a não ser caos e destruição. Cultistas que se juntam para invocar tais seres raramente sobrevivem à experiência. Os resultados tendem a ser catastróficos. Alguns pesquisadores dos Mythos conjecturam que a Grande Explosão de Tunguska, por exemplo, fenômeno que devastou uma extensa área na Sibéria possa ter sido deflagrada por uma invocação - acidental ou não - de Azathoth.

A aparição de um Outer God é um evento indescritível.

Mesmo que por poucos segundos, o lugar tocado por um Deus Exterior estará alterado para sempre. Isso decorre da própria natureza desses seres que impregna o ambiente e o meio com sua essência. Quando Shub-Niggurath é invocado o solo experimenta um pulso de crescimento acelerado: campos florescem, plantas desabrocham em frutos, animais crescem e se multiplicam em velocidade alarmante. Até mesmo mulheres podem engravidar espontâneamente. Mas o crescimento de Shub-Niggurath é tudo menos natural e pode dar lugar a tragédias: enxames de insetos, animas grotescos, frutos de sabor nauseante, nascimentos de gêmeos siameses.

Da mesma forma uma invocação de Yog-Sothoth ocasiona um efeito inesperado no tempo e no espaço em toda uma área. Isso pode explicar os fenômenos de "tempo perdido", quando pessoas acreditam ter transcorrido alguns minutos quando na verdade horas se passaram. Uma área tocada por Yog-Sothoth também pode gerar bolsões de deslocamento que transportam objetos de um lugar para o outro através do espaço e até mesmo através do tempo.

Ao contrário de Shub-Niggurath uma área tocada por Azathoth não deixa nada senão um ambiente estéril e cinzento. Rios e lagos se convertem em piscinas de água alcalina, montanhas são reduzidas a poeira e escombros, florestas são transformadas em gravetos fumegantes. O solo é causticado ao ponto de nada mais crescer ali por anos, décadas, séculos. A presença de Azathoth se traduz em uma cólera digna dos deuses.

Lembre-se de que os Outer Gods não devem jamais ser usados em vão. Eles são e sempre serão forças universais e devem ser tratadas como tal. Esqueça que qualquer um deles possui estatísticas, as capacidades deles não podem ser quantificadas.

Um Outer God é o Poder Encarnado e NADA no Universo pode se comparar a Eles.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Do Além - Filme Cult de Horror ganha edição caprichada de DVD

"From Beyond" é hoje um filme menor, conhecido apenas por ratos de locadora ou pelos fãs mais hardcore de tosqueiras de horror nos anos 80. Eu tenho de admitir que me encontro inserido em ambos os casos: cresci frequentando locadoras em busca de filmes obscuros e adquiri um carinho todo especial pelas produções meio mambembes que abundavam na época.

Assisti "From Beyond" quando era moleque e não fazia idéia de quem era H.P. Lovecraft e sem imaginar que aquele filme esquisito era baseado na obra de um dos maiores escritores de terror do século XX.

O que me atraiu no filme, além do poster bizarro de um cara com o rosto derretendo e de Barbara Crampton em trajes sumários, foi o fato dele ser resultado do trabalho da mesma equipe de outro filme baseado num conto de Lovecraft. Os fãs do gênero é claro, devem conhecer Re-Animator.
Apenas dois anos antes de realizar From Beyond (que aqui foi traduzido corretamente como "Do Além"), o diretor Stuart Gordon e o produtor Brian Yuzna juntaram forças para lançar Re-Animator uma pequena, porém brilhante, jóia do cinema trash. Os seguidores mais radicais de Lovecraft podem até torcer o nariz e apontar o filme como um caça níqueis com a obra de Lovecraft. Um filme que explora apenas o tema central do conto no qual é inspirado e que envereda pelo caminho do terrir com direito a muito sangue e tripas, algo que não condiz com a obra do autor. Contudo, é inegável que o filme tem carisma... vide seu status de cult que só fez crescer após tantos anos.

Amado por uns, odiado por outros, Stuart Gordon filmou além de Re-Animator e From Beyond, o episódio Dreams in the Witch House na série Masters of Horror.
"Do Além" foi uma tentativa de repetir o êxito comercial de Re-Animator. Yuzna buscou reunir a mesma equipe do filme anterior e convenceu Gordon, um fã inveterado de Lovecraft a assumir a direção. À princípio Gordon queria adaptar Dagon, um conto curto a respeito de um monstro marinho. Sabendo das dificuldades e elevados custos de filmar em alto mar, Yuzna se reuniu com o diretor e os dois leram em um final de semana praticamente toda a obra de Lovecraft em busca de inspiração. Finalmente acabaram concordando que From Beyond era uma ótima opção.

Mas adaptar esse conto em especial era um desafio; originalmente ele possui meras seis páginas e toda a narrativa se resume a uma única cena. Para escrever um roteiro seria preciso criar situações e novos personagens para gerar um mínimo liame narrativo.

Gordon e Yuzna recrutaram o roteirista Dennis Paoli (que também escreveu Re-Animator) e começaram a trabalhar na estrutura de "Do Além", inserindo uma série de situações que sem dúvida teriam deixado o puritano Lovecraft de cabelo em pé. No roteiro, o Ressonador, a máquina responsável por revelar o "Além" não apenas permitia abrir portais para outras dimensões, agora ele estimulava comportamentos libidinosos da psique humana. Segundo Gordon, na faixa de comentários do DVD, a glândula pineal sempre teve uma ligação com a libido e por isso esse fator foi explorado.

O filme se inicia no laboratório de um brilhante cientista, o Dr. Edward Pretorius (Ted Sorel). Seu assistente Dr. Crawford Tillinghast (Jeffrey Combs) aciona uma estranha máquina, um Ressonador que abre um portal entre o nosso mundo e uma realidade adjacente, o tal mundo "do além". Através do estímulo da glândula pineal, o Ressonador desperta uma espécie de sexto-sentido nas pessoas, permitindo a elas experimentar essa outra realidade habitada por estranhas criaturas.

Acima: O horror surge da dimensão do Além e faz sua primeira vítima assimilando o Dr. Pretorius.
Como não poderia deixar de ser o experimento resulta em catástrofe. O Dr. Pretorius acaba morto de maneira dantesca (acredite isso dificilmente é um spoiler!) e Tillinghast é culpado por sua morte. Ele acaba confinado em uma instituição para doentes mentais, onde conhece a Dra. Katherine Michaels (Barbara Crampton) que fica fascinada pelo caso. Crawford faz um acordo com a estudiosa, ele aceita levá-la até o laboratório e reparar a máquina a fim de recriar o experimento provando que não está louco. A dupla retorna ao local acompanhada do policial Leroy "Bubba" Brown (Ken Foree), designado pela corte de justiça para manter os olhos em Crawford. Só um parenteses aqui: que tipo de nome é Leroy "Bubba" Brown? Haverá nome mais cliché para um personagem negro na história do cinema?

Anyway...

O experimento é realizado e o portal para a outra realidade se abre permitindo que as medonhas criaturas venham para nossa realidade, inclusive um horrendo monstro que devorou/assimilou o corpo do Dr. Pretorius. Por pouco o grupo escapa da experiência, contudo a exposição ao ressonador começa a causar uma súbita mudança na personalidade de cada um dos presentes. A partir desse momento o filme vai se tornando cada vez mais estranho e é melhor não revelar muito a fim de não estragar a diversão alheia.

No que diz respeito aos efeitos especiais e maquiagem, Gordon atinge um novo patamar entre o surreal e o visceral. O monstro que assimila Pretorius altera sua forma continuamente, se tornando cada vez menos humano e mais uma aberração hedionda. Cada vez que ele surge sua aparência é diferente e mais terrível. Em suas próprias palavras ele testa os limites do corpo humano a medida que se converte em uma massa disforme.

O aspecto visceral também proporciona um verdadeiro banquete de sangue e visceras. Em uma das cenas mais bizarras (cortada da versão no cinema, mas presente no DVD) uma médica é atacada e tem o cérebro sugado através da cavidade ocular!!! Em outra cena um enxame de insetos dimensionais literalmente devora a carne dos ossos de um pobre diabo. Isso sem falar de outras cenas bizonhas.

Acima: Olho no lance... e lá se foi um globo ocular!
O elenco de From Beyond foi muito bem escolhido e não por acaso boa parte dele trabalhou junto em Re-Animator. O objetivo provavelmente era esse, manter o time que rendeu tão bem em conjunto.

Jeffrey Combs, como sempre rouba a cena. O ator parece ter nascido para interpretar os estranhos protagonistas idealizados por Lovecraft, tipos trágicos sempre a um passo da obsessão e da loucura. É difícil, no entanto não simpatizar com seu dilema: ele teme realizar novamente a experiência, mas aceita fazê-lo para se livrar do confinamento em um manicômio. Mas aos poucos, Crawford vai se transformando de uma vítima do ressonador, em um monstro assassino com pouco controle sobre suas próprias ações. A redençãod ele parece cada vez mais distante, o que se manifesta na deterioração mental e física do personagem.

Barbara Crampton deixa de lado seu papel anterior em Re-Animator, quando era uma inocente mocinha que só podia gritar quando cercada por mortos vivos. Ela assume aqui uma postura bem mais obstinada como a Dra. Michaels que está disposta a mergulhar de cabeça no experimento não importando os resultados. De muitas formas ela assume o papel que foi de Combs em Re-Animator, quando este fez o anti-ético e moralmente questionável Herbert West. Mais importante que isso, Barbara é linda e se permite algumas cenas bem generosas de nudez.

Barbara Crampton vestindo trajes de couro. Sob efeito do ressonador a Dra. Michaels começa a ceder a seus desejos secretos.
From Beyond/Do Além é um filme pouco conhecido que merece ser descoberto. Ele combina uma direção forte com um elenco afiado liderado pelo inimitável Jeffrey Combs, e nauseantes efeitos especiais. Para quem tem estômago forte é um baita de um programa sobretudo para reunir os amigos e assistir sem compromisso entre uma cerveja e outra.

Recentemente, From Beyond foi lançado em DVD em uma edição especial, repleta de extras e com a montagem do diretor. Assistir o filme com uma imagem perfeita e som remasterizado é um prazer depois de ser obrigado a ver as toscas versões editadas e censuradas que passavam na TV Bandeirantes na sessão cine trash.


A capa da edição especial de From Beyond. Faixas de comentário, cenas deletadas, documentários e entrevistas estão entre os extras.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Desconforto em jogos de RPG

Por Márcio de Pinho Botelho

Na maior parte dos RPG os jogadores procuram diversão de maneira descompromissada, o que é justo e altamente recomendado. O que pretendo apresentar neste breve texto é um tipo diferente de partida, que busque deixar os personagens, e de certa forma os jogadores, em uma situação de desconforto.

Antes de refletir um pouco sobre as maneiras de gerar desconforto é necessário responder algumas questões: por que eu, como mestre, gostaria de gerar esta sensação? E por que, como jogador, consideraria esta experiência interessante? Para isso precisamos observar outros tipos de narrativas além dos RPGs, percebendo como o desconforto pode ser uma ferramenta útil nas mãos de um narrador.


Quando nos deparamos com uma história como A Metamorfose, de Franz Kafka é difícil não se sentir desconfortável. Aquele relato leva o leitor a refletir sobre o mundo em que o autor escreveu (e sobre o mundo em que ele próprio, leitor, vive) e pensar a respeito de si mesmo (as relações familiares, de trabalho, acerca da natureza humana, etc). Este efeito gerado, entre outros fatores, pela estranheza da narrativa, faz com que aquele que lê continue pensando sobre a obra por um tempo muito maior do que o da primeira leitura. Este efeito não é exclusivo da literatura, e pode ser visto em filmes como Blade Runner, O Labirinto do Fauno e Tropa de Elite.

Este desconforto leva aquele que usufrui da narrativa a questionar algumas de suas certezas, colocando-o em uma posição que não é prazerosa, mas que o torna um agente ativo da história sendo contada, pois ela só poderá se realizar de maneira plena com a participação daquele que observa. Neste ponto o desconforto aparece no RPG, pois estes jogos dependem da interação entre narrador e jogadores, aonde a história proposta pelo primeiro vai se realizar plenamente quando encontra as expectativas e ideias dos segundos.

O narrador não precisa se sentir na obrigação de bolar uma aventura que rivalize com as grandes obras da literatura universal, afinal de contas a maioria de nos não nasceu para ser Shakespeare, porém certo grau de desconforto está ao alcance de qualquer grupo disposto a um tipo diferente de experiência narrativa.

Acredito que sejam dois os principais elementos para se produzir uma boa aventura que busque “perturbar” um pouco o seu grupo de jogo. O primeiro ponto é fugir dos lugares-comuns.

Eu sei que as casas assombradas, as intrigas entre seres sobrenaturais e os conflitos físicos grandiosos são o feijão com arroz para qualquer narrador, entretanto pense no seguinte: quantas aventuras com temas “genéricos” você já jogou/mestrou? E de quantas você se lembra de maneira clara?

Por isso a dica é simples: inove. Tente criar tramas que não passem pelo óbvio, pois se os jogadores estiverem em uma situação “padrão” eles agirão de maneira a ignorar a maior parte dos elementos particulares, se focando naquilo que é comum a maioria das narrativas que se encaixam no gênero narrado (o exemplo típico é o grupo de jogadores que se depara com um local habitado por espíritos e, ao invés de se surpreender com os fatos presenciados, vai atrás de pistas para poder acabar com o “fantasma”). Inovar não é uma tarefa difícil, entretanto exige um pouco mais de paciência por parte do narrador, que vai ter de prestar atenção em coisas um pouco “pitorescas” (noticias incomuns, acontecimentos históricos estranhos, personagens exóticos, etc), que podem servir como fonte de inspiração.

A segunda dica é: conheça os seus jogadores. Conviver com os jogadores faz com que você conheça quais coisas chamam a atenção deles (tesouros!), e quais coisas são ignoradas (NPCs desarmados) pelo seu grupo. Este conhecimento se reflete na hora de montar uma aventura através da seguinte pergunta: qual tipo de coisa incomoda os meus jogadores?

Esta pergunta pode tornar a experiência narrativa em algo um pouco pessoal, a ponto de trazer um tipo de desconforto que não é desejado. Uma coisa é apresentar uma situação onde o personagem encontra aranhas para um jogador que tem medo destes bichos, e outra completamente diferente é apresentar a mesma situação para alguém com aracnofobia. Na primeira vai existir algum desconforto, já na segunda o jogador pode deixar o grupo pela brincadeira de mau gosto. Vale, como em tudo na vida, o bom senso. O mestre deve saber até onde os jogadores estão dispostos a ir com a brincadeira, e respeitar este limite.


Este papo todo está um pouco abstrato. Vou apresentar uma história que narrei há alguns meses atrás, e espero que esta proposta fique mais clara.A ideia que eu tive para a aventura (que tem um nome horrível e super batido: Trevas no coração, uma brincadeira óbvia com o livro Coração das Trevas, de Joseph Conrad), surgiu de um interesse particular sobre história e literatura angolana/moçambicana, e da leitura de uns trechos do livro Dogs of War, suplemento para Mundo das Trevas que apresenta a guerra dentro da proposta de horror deste cenário. Pensei que seria legal colocar os jogadores em um território desconhecido (não só pelos RPGistas, mas pela maior parte das pessoas), a África, e em um momento bastante difícil da história do continente, as guerras civis que aconteceram após as lutas de independência. O sobrenatural apareceu em uma nota em um livro de história moçambicana. Em um parágrafo deste livro o autor citava a existência de “homens de corpo fechado”, que eram temidos pelos combatentes devido a sua suposta invulnerabilidade.

Pensei que seria interessante envolver os jogadores com um desses indivíduos, como eles ficariam fascinados pela possibilidade de se tornarem “invencíveis”, e o quão dispostos estariam a se sacrificar por essa condição. Sabia que alguns jogadores da mesa adoravam a ideia de serem “poderosos” então resolvi “testar” a ética dos personagens, e descobrir até onde eles iriam pelo poder.

Depois de algumas cenas de ação e do encontro com o NPC de “corpo fechado”, a maior parte do grupo estava babando por aquele conjunto de poderes. Após algumas peripécias eles adquirem uma lista de objetos a serem recolhidos para que consigam o “poder de corpo fechado”.

Quando os jogadores se encontram na primeira cena onde teriam de adquirir um objeto, o imponderável acontece. Eles decidem, sem interferência minha, sacrificar uma de suas habilidades pelo objeto (se me lembro bem o jogador que tinha melhor capacidade visual perdeu um olho). Adorei a ideia! A cada novo objeto adquirido mais coisas eram sacrificadas. Um jogador que gosta de personagens extremamente belos viu seu galã de Hollywood se tornar um monstro, após ter seus dentes arrancados a marretadas por um homem que gostou de seu sorriso, outro que havia criado um médico militar, agora era incapaz de curar as pessoas, além dos vários pontos de Moralidade que foram perdidos no caminho, algo em torno de quinze em um grupo de cinco jogadores.


Na última cena da sessão os jogadores estavam prestes a realizar o último sacrifício. Porém este não seria um autossacrifício como os anteriores, eles deveriam sacrificar um inocente, uma criança. Apenas um dos jogadores decidiu abandonar a busca pela “invulnerabilidade”, ele se levantou e começou a expor seus motivos para o restante do grupo, que não estava levando-o a sério. O jogador não queria ouvir a narrativa da imolação do inocente, achava aquilo um absurdo. Mas o voto dele foi vencido. Muito animados os jogadores estavam esperando sua recompensa.

Expliquei a eles que personagens com Moralidade zero não eram jogáveis e peguei as fichas de volta. Todos ficaram estupefatos. Acho que até hoje nunca vi uma mesa de jogo tão silenciosa e por tanto tempo.

Na volta pra casa o comentário geral era: por que nós fizemos aquilo?

Era o sinal de que tinha acertado o alvo em cheio.

Muitas vezes vejo mestres reclamando de que seus jogadores fazem “coisas erradas”, ou seja, atitudes que os desagradam por serem inconsequentes, em especial no cenário do Mundo das Trevas, onde a moralidade é um dos temas principais do jogo. Este tipo de reclamação não leva a lugar nenhum se os jogadores não sentirem o peso dos atos de seus personagens, se eles nunca se sentirem incomodados com os monstros que criaram como vão mudar de atitude?

Como disse no começo isto é uma proposta diferente para os jogos de interpretação. Muitos jogadores acham que a função de uma boa narrativa é apenas a diversão. Se você acredita nisso ignore o que foi dito acima. Se você procura algo além da diversão direta, tente um pouco de desconforto, isso pode tornar o seu hobby em algo mais reflexivo.

Texto publicado originalmente no site Ambrosia, em 9 de novembro de 2009.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Keeper Screen de Cthulhu - Feito em Casa

Eu já professei minha devoção aos Screens e sempre quis um que atendesse à todas as minhas espectativas.

Um em que eu pudesse encontrar todas as informações que acho realmente importante e que pudesse acessar facilmente se necessário. Tudo isso embalado por painéis personalizados com arte de primeira que atendesse ao meu gosto pessoal.

Bem, com essa idéia em mente fui procurar um colega Mestre de RPG que trabalha em um Bureau de Copiadoras, literalmente a Meca do Photo-Shop.

O resultado está abaixo nas fotos. Agradeço ao meu caro xará Luciano "Tolkien" que produziu essa obra de arte.

PAINÉIS:

O screen dobrado. Escolhi a imagem do Livro Básico da 6a Edição. Trata-se de uma imagem icônica que remete imediatamente ao Call of Cthulhu RPG e que pode ser facilmente reconhecida mesmo à distãncia.

Uma foto comparativa do tamanho do Screen em relação ao Livro Básico da 5a Edição. Essa é a gravura do verso.

Como eu queria aloprar geral, o Screen tem nada menos do CINCO painéis!

Numa boa, é o maior Screen que eu já vi. O troço ocupa uma mesa inteira quando aberto.

Seguindo o padrão dos novos Screens ele foi feito com papel rígido semelhante a capa dura de livros. É resistente pra caramba, eu brinquei que queria algo capaz de parar uma bala de pequeno calibre. Para evitar acidentes desagradáveis ele possui um acabamento plastificado que resiste à água e outras intempéries.

As imagens que escolhi para ilustrar os painéis foram tiradas do livro "The Art of H.P. Lovecraft Cthulhu Mythos" editado pela Fantasy Flight. Temos uma resenha completa a respeito desse livro aqui no Blog e uma foto-resenha.

A capa do livro ocupa dois dos painéis centrais do Screen. Trata-se de uma das melhores representações de Cthulhu recém despertado de seu sono em R'Lyeh.

Deu um trabalho cão copiar essa capa, eliminar a lombada e corrigir as imperfeições, mas o resultado final ficou sensacional.

Eu adoro essa imagem do grupo de investigadores, para mim ela funciona perfeitamente para ilustrar os personagens de uma aventura de Cthulhu. Colocá-la no painel central foi uma jogada para sugerir aos jogadores o tipo de personagem que eu adoraria ter em minha mesa.

INTERIOR:

Mas um screen não é apenas um monte de imagens. É preciso fazer com que o interior dele seja algo organizado e útil, cumprindo assim o propósito do negócio - servir de apoio para o mestre.

Vou te contar, cinco painéis é espaço suficiente para colocar muitas informações.

Eu reuni as tabelas mais importantes do jogo: a Resistence Table, Regras de Combate, Regras para Armas de Fogo, Criação de Personagens, Renda e Recursos, Rolamento de Características etc...

São tabelas práticas que estão nos outros screens e que sempre foram úteis.

Eu coloquei uma Tabela com as principais armas disponíveis em Call of Cthulhu. Embora as aventuras não sejam orientadas para o combate, é claro que essas são regras importantes que devem estar à mão em caso de necessidade para consulta.

Chega de ficar procurando no livro básico o alcance das armas e ter de converter para metros a distância fornecida em jardas. Resolvi converter todas as informações nas escalas que usamos no Brasil. Nada de pés, libras, jardas... tudo está em metros, quilos e centímetros.

Um dos painéis eu usei para reunir as regras de Insanidade que costumo usar. É uma combinação de regras do Taint of Madness com algumas House Rules que adaptei.

Eu me orgulho dessa idéia e posso dizer que funcionou muito bem, embora à princípio eu tivesse algumas dúvidas.

O último painel é um desenho voltado para o lado do mestre. Ele é coberto por uma película plástica transparente que eu posso abrir e colocar as informações que desejar.

Assim, um dos painéis do Screen deixa de ser algo estático e pode ser usado para fixar quaisquer informações que eu julgar importante para a aventura.

As anotações ficam ali em uma posição de destaque. Terminada a utilidade simplesmente coloco outra informação. Nada pior que ficar procurando papéis e handouts. Assim fica tudo bem mais organizado e prático. Modéstia à parte acho que foi uma ótima idéia.

Gostei tanto do Screen que estou pensando seriamente em criar um para cada campanha que for mestrar. Assim personalizo com as regras e informações para cada campanha e com ilustrações temáticas. Já estou pensando em um screen para Beyond the Mountains of Madness.

Atrás do Muro - Screens de Call of Cthulhu

Eu sempre adorei Screens.

Essas divisórias de papelão que separam o espaço do Mestre de RPG do espaço dos Jogadores não apenas são úteis mas ficam ótimos em cima da mesa de jogo.

Eles criam uma espécie de fronteira segura atrás da qual o mestre pode manter todas as suas anotações, apontamentos e surpresas longe dos olhares curiosos dos jogadores. Ali atrás, "à sombra do screen", os planos mais maquiavélicos ficam protegidos.

Um bom screen também reúne todas as informações importantes para o funcionamento de uma sessão de jogo. Nada mais chato do que o mestre parar uma descrição ou interromper um combate para ter de buscar uma regra contida no rodapé do Livro. E acredite, sempre haverá uma regra obscura que algum dos jogadores vai querer empregar no pior momento possível. Pior ainda é procurar e não encontrar de jeito nenhum.

É atrás do Screen também que os temidos dados do mestre rolam e onde o destino dos personagens é resolvido. Qual o mestre que não deixa escapar um sorriso sádico ao verificar que aquele rolamento de Sneak (andar silenciosamente) feito atrás do screen acaba de resultar em um 00% (uma falha crítica)?

Rolar atrás do screen é uma prerrogativa do mestre, uma maneira de inserir mistério na narrativa e fazer com que os jogadores suem frio por alguns instantes sem saber o resultado de suas ações.

Por gostar tanto de Screens e defender sua utilidade, eu sempre procurei comprar aqueles das ambientações em que eu acabo mestrando. Isso gerou um bom número de screens nos sistemas mais variados, devo ter uns 20.

Mas como Call of Cthulhu é meu sistema favorito, falemos a respeito dos Keeper's Screens desse sistema.

CALL OF CTHULHU KEEPER'S SCREEN - 1992

Esse é o clássico dos clássicos. O famoso Screen Azul de Cthulhu.

Dividido em quatro painéis mais baixos, cada painel é mais largo que os screens normais criando uma área maior para esconder as anotações.

Eu costumo usar esse screen em convenções e para apresentar o jogo a iniciantes. Muitas vezes basta colocá-lo sobre a mesa e aparecem interessados em jogar, aliás essa é outra utilidade dos Screens: atrair jogadores para sua mesa em convenções de RPG.



Os dois painéis centrais, aqueles que ficam de frente para os jogadores, são ocupados por um desenho do Elder Sign.

Outros desenhos místicos ligados aos Mythos de Cthulhu criam uma aura de mistério quase como encantamentos de proteção inscritos para defender as informações contidas ali atrás.



Quem tem esse Screen deve ter notado que o meu é um pouco diferente dos demais.

Eu odiava o desenho original nas extremidades dos painéis que mostrava uma caveira de olhos fechados de um lado e com os olhos abertos do outro. Sempre achei esse desenho desnecessário e sinceramente... feio à beça!

Um dos meus jogadores adorava brincar com esse desenho virando de um lado para o outro dizendo: "olhos abertos, olhos fechados...". Para acabar com o brinquedo, resolvi imprimir duas imagens clássicas do Grande Cthulhu e colar sobre as infames caveirinhas.

Tudo bem, talvez hoje eu não chegasse a isso para conservar o original, mas na época pareceu uma boa idéia. Eu gostei do resultado, ficou algo mais condizente com o clima que eu quero passar ao narrar uma aventura.



O interior do Screen clássico contém um bom número de tabelas, muitas das quais são bem úteis.

Outras, no entanto, estão ali apenas para ocupar espaço. Para que o mestre precisa de uma tabela randômica com o nome dos principais Livros dos Mythos? Alguém vai realmente rolar na sorte qual o livro a ser dado para os investigadores? Para que uma relação das magias que estão no Grimoire maior e no menor?

As tabelas mais úteis são a Resistence Table e o Resumo do Combate. Costumo usar bastante essas tabelas e ter ao alcance das mãos ajuda muito. Contudo, sempre senti falta de uma tabela completa de armas.

KEEPER'S SCREEN - 2000

Essa segunda versão do Screen era um pouco menor, três painéis ao invés de quatro.

Eu gosto desse desenho, ela consegue evocar o clima de horror cósmico, mostrando uma típica abominação gigantesca trazida dos recônditos do espaço-tempo por um bando de cultistas.



Embora esse screen tenha um painel à menos, na minha opinião ele consegue aproveitar o espaço e tem um acabamento e diagramação melhores. A tabela com Glossário de Termos Psiquiátricos é bem interessante, assim como um índice para o Livro Básico da Sexta Edição.

Mas nem tudo é perfeito... pelo contrário!

Na época a Chaosium cometeu uma falha imperdoável. Os Screens foram impressos com informações erradas, a Tabela de Resistência não está certa. Para compensar a editora colocou um cartão com a errata que pode ser fixada no Screen, mas sinceramente um erro desse tipo é difícil de engolir.

BEYOND THE MOUNTAINS OF MADNESS KEEPER'S SCREEN - 1999



Beyond the Mountains of Madness é uma Mega-Campanha. A série de aventuras inseridas em um livro que mais parece um catálogo telefônico foram desenhadas para formar a maior e mais completa campaha de Call of Cthulhu.

Nada mais justo que a campanha ter um Keeper's Screen exclusivo só para ela.

O Keeper's Kit trazia não apenas o Screen, mas uma coleção de excelentes Handouts, mapas, cartão postal, páginas de um conto de Poe (importante na aventura), os passes de bordo e até um distintivo da expedição feito de tecido.



O interior do Screen vem recheado de regras e informações para conduzir uma aventura na Antártida.

Várias dessas tabelas e regras estão no Livro de Campanha, mas é muito mais fácil procurar por uma regra específica no Screen.

Infelizmente, ele possui apenas dois painéis, contudo ali foram reunidas todas as regras relevantes em cenários se passando no frio antártico: manutenção de aviões, regras para hipotermia, congelamento, vento e uma relação de fenômenos típicos do continente gelado.

Notas:

UPDATE: Após esse artigo, a Chaosium lançou um novo Keepers Screen, veja o artigo no link abaixo:

http://mundotentacular.blogspot.com.br/2011/05/novo-keepers-screen-de-call-of-cthulhu.html

UPDATE 2: E esse é outro artigo sobre um Screen personalizado feito em uma gráfica:

http://mundotentacular.blogspot.com.br/2010/10/keeper-screen-de-cthulhu-feito-em-casa.html

sábado, 2 de outubro de 2010

From Beyond - Ondas de Ressonância, Glândulas Pineais e Coisas Além da Realidade.


"From Beyond" escrita em 1920 e publicada apenas em 1934 na revista The Fantasy Fan, é considerada uma obra menor de H.P. Lovecraft.

Uma estória curta que para muitos estudiosos do autor, inclusive seu maior biógrafo S.T. Joshi, está longe de ser o ponto alto de sua carreira em virtude do "roteiro escorregadio, trivialidade e abuso de recursos melodramáticos".

Na minha opinião Joshi foi um tanto cruel na sua análise de "From Beyond".

Em alguns pontos concordo com ele. Não é o melhor trabalho de Lovecraft, contudo "From Beyond" tem qualidades de sobra. Para mim, essa pequena estória tem uma razão a mais para ser uma de minhas prediletas: foi o primeiro conto que li na versão original, quando ainda brigava para entender palavras confusas como "eldritch" ou "abhorent", recorria ao dicionário para saber exatamente o que estava acontecendo.

"From Beyond" talvez seja uma das estórias mais acessíveis da bibliografia de Lovecraft. É fácil entender a motivação dos personagens, o que eles buscam e o que acaba por causar a ruína de todos os envolvidos.

Como muitos dos contos de Lovecraft, a narrativa é feita em primeira pessoa, por um personagem que em momento algum se identifica. Trata-se de um amigo do personagem principal, um cientista chamado Crawford Tillinghast, alguém que segundo o narrador é um pesquisador "tanto do mundo físico quanto do metafísico". Como muitos personagens criados por Lovecraft, Crawford é um homem de Ciência, mas aceita trilhar caminhos pouco ortodoxos para provar suas estrahas teorias. Assim como acontece com muitos personagens imersos nessa busca pelo conhecimento (Herbert West para citar apenas um), as revelações decorrentes terão enorme repercussão em sua existência.

No início do conto, Crawford convida o narrador para visitar seu laboratório e conhecer uma de suas últimas descobertas. Logo que encontra seu amigo, o narrador, expressa preocupação com sua saúde. O cientista parece ter passado por uma dramática degradação física e mental. "Não é agradável ver um homem robusto repentinamente emagrecer, e é ainda pior quando sua pele saudável torna-se amarelada ou cinzenta, seus olhos fundos, pesados, e estranhamente brilhantes, a testa pronunciada com veias saltadas, e as mãos trêmulas", descreve ele.

O contato com revelações terríveis cobra um pesado preço mudando o semblante de Crawford, fazendo dele um homem assombrado como o morador da Casa de Usher no conto de Poe. A moradia deserta, fria e escura combina com o aspecto de seu único habitante, não há familiares ou mesmo criados para lhe fazer companhia.

Crawford deseja compartilhar com o amigo a existência de uma máquina, um dispositivo eletrônico no qual ele vem trabalhando ininterruptamente. A máquina guardada no laboratório, explica o cientista, cria uma onda de ressonânica que age sobre a Glândula Pineal daqueles em seu alcance. O estímulo da glândula pineal faz com que o indivíduo seja capaz de ampliar seus sentidos permitindo perceber outras realidades.

Basicamente, a Máquina de Tillinghast permite que um novo sentido normalmente adormecido seja despertado de uma hora para outra. Nossa "cegueira", esconde um mundo com o qual não podemos interagir pois está além de nossas faculdades percebê-lo.

Lovecraft escolheu a glândula pineal pois na época ela ainda era um enigma mergulhado em mitos debatidos à exaustão por cientistas e ocultistas.

A glândula pineal é uma estrutura de função endócrina que divide os dois hemisférios do cérebro humano. Para os filósofos sua localização evidenciava uma grande importância para o funcionamento do cérebro. René Descartes dedicou muito tempo ao estudo da glândula pineal chamada por ele de "lugar da alma". Descartes acreditava ser ela o ponto de interseção entre o intelecto e a alma, o local onde nascia a razão e onde eram concebidas as idéias. A misteriosa localização da glândula gerou várias teorias sobre sua função. Para estudiosos do ocultismo, a glândula pineal equivalia ao terceiro olho que permitia perceber o mundo invisível, tudo aquilo que é tratado como sobrenatural.

Foi justamente essa noção que Lovecraft explorou em "From Beyond". A idéia de que todo homem nascia com a possibilidade de usufruir desse sexto sentido, mas que ele permanecia por alguma razão dormente. Ao menos até a glândula ser estimulada de alguma forma.

No conto, a máquina de Crawford Tillinghast criava ondas que agiam diretamente sobre a glândula pineal erguendo o véu para uma experiência sensorial única. Uma que permitia contemplar o mundo como ele é.

Mas que mundo é esse?

Crawford não deixa claro mas possivelmente trata-se de um diferente plano de existência que co-existe com o nosso, sem no entanto, se misturar a ele. Mais incrível é que este plano é habitado por estranhas criaturas que sempre estão entre nós, mas que normalmente não somos capazes de perceber.

O pesquisador chega a postular que alguns animais cujos sentidos são mais apurados, são capazes de perceber a existência dessas criaturas. Por isso cães latem à noite mesmo quando tudo está quieto e gatos se eriçam de uma hora para outra como se fossem capazes de perceber uma presença invisível. Mesmo nós humanos somos capazes de perceber a existência dessas criaturas através de presentimentos de não estar sozinho e arrepios inexplicáveis.

É obvio que estas noções são contestadas pelo narrador que acaba aceitando o desafio de se submeter à máquina.

Conforme as ondas emitidas pelo aparelho estimulam sua glândula pineal, a reaidade começa a se desfazer no que o narrador descreve como um caleidoscópio de cores e formas absurdas. Ao abrir os olhos o narrador descreve um mundo translúcido, habitado por hordas de criaturas etéreas que flutuam no ar alheias a sua presença.

Crawford adverte o narrador para que ele se mantenha totalmente imóvel. A máquina permite não apenas perceber a existência dessas criaturas, mas ser percebido. É então que o pesquisador dá mostra clara de que seus estudos atravessaram a barreira ética e moral, pois seus criados foram atacados e horrivelmente assassinados por estas mesmas criaturas.

É possível sentir a agonia do narrador que permanece paralisado mesmo quando é cercado por um desfile de aberrações que desafiam descrição. Crawford explica que o menor movimento atrairia a atenção das bizarras criaturas do além. O plano é habitado por seres primitivos e ferozes que vivem em constante competição, devorando e sendo devorados por outras monstruosidades sempre famintas.

A tensão continua até chegar a um ponto em que o narrador é confrontado por horrores impossíveis de serem ignorados. Formas gigantescas, terríveis, inumanas... Ele saca uma arma de fogo e dispara contra a máquina na esperança de assim interromper a experiência. Crawford tenta impedi-lo e ignora seu próprio aviso: "não se mover pois aqueles que você vê, também poderão vê-lo".

Uma horda de criaturas cerca o cientista e a última coisa que o narrador vê antes de correr rapidamente para a porta é seu amigo tombar no chão atacado por uma horda de predadores transdimensionais.

Deixando a casa e o horror para trás, o narrador se vê livre dos efeitos da máquina, mas será que as ondas de ressonância às quais ele foi submetido foram suficientes para estimular sua glândula pineal e erguer o véu para outra realidade?

Lovecraft não revela qual o destino do narrador, mas conclui o conto dizendo que o corpo de Crawford Tillinghast foi encontrado no dia seguinte. Sua morte ocasionada por apoplexia - um grave acidente vascular cerebral. Tillinghast é também postumamente acusado de ter assassinado os criados e desaparecido com seus corpos.

Em 1986, o conto foi adaptado para o cinema por Stewart Gordon e a mesma equipe do sucesso Re-Animator. O resultado fugiu bastante da proposta original e enveredou através do gênero sangue e tripas e Barbara Compton (a estrela de Re-Animator) com pouca roupa. Dificilmente Lovecraft teria aprovado, embora o resultado seja divertido.

"From Beyond" é uma pequena jóia, um conto que contém elementos recorrentes na obra de Lovecraft. A busca pelo conhecimento proibido, o alto preço a se pagar por esse conhecimento e as consequências de flertar com verdades que a humanidade não está pronta para desvendar.