Por décadas, muitos pais tailandeses avisavam seus filhos que eles deviam se comportar, do contrário Si Quey viria para comê-los vivos. Pior ainda, se elas teimassem, os pais podiam levá-las diante do monstro como forma de punição. As crianças então se comportavam, pois nada pode ser mais assustador do que a ameaça de um bicho papão de carne e osso.
Conhecido como o Canibal de Bangcoc, os crimes macabros cometidos por Si Quey (também chamado de Si Ouey) se tornaram uma espécie de lenda urbana no país, com muitas pessoas crescendo sob a ameaçadora sombra desse monstro. A história adquiriu contornos tão surreais ao logo dos anos que muitos passaram a considerar que tudo não passava de lendas e histórias inventadas. Contudo, como costuma acontecer muitas vezes, o mundo real fornece os subsídios para o nascimento dos maiores horrores.
Si Quey de fato existiu e sua carreira criminosa foi especialmente assustadora e traumática. Ele é tido como o primeiro assassino em série da história da Tailândia.
Um imigrante chinês que veio ao país após o fim da Segunda Guerra, Si Quey perambulou por boa parte do país antes de se fixar na Capital Bangcoc. Isso leva muitas pessoas a questionar se a contagem final de suas vítimas não seria maior, visto que ele esteve em regiões rurais onde mortes poderiam ser facilmente acobertadas como desaparecimentos. Oficialmente o assassino foi sentenciado a pena capital pela morte de 7 crianças, mas não se sabe quantas mais podem ter tido o azar de cruzar seu caminho.
A verdade é que ninguém sabe ao certo quem foi o taciturno homem que trabalhava como jardineiro nos parques e jardins no centro de Bangcoc. Para todos os efeitos ele era descrito como um sujeito pacífico e muito quieto, que muitos acreditavam não falava o idioma local ou que tinha problemas mentais. Por vezes, ele ruminava algumas palavras em chinês, sorria e se afastava. "Era muito educado", "totalmente inofensivo", "gentil e cortês", foram algumas palavras ditas sobre ele por aqueles que haviam visto o homenzinho de apenas um metro e cinquenta e oito de altura cumprindo suas tarefas. Ele podava árvores, cortava a grama e andava de um lado para o outro enfiado numa roupa suja de terra. Carregava sempre consigo ferramentas de jardinagem: ancinho, pá e tesoura de podar.
Certa noite de agosto de 1958, dois policiais que estavam fazendo uma ronda pelo parque perceberam uma fumaça escura que se levantava. Acharam que pudesse ser um incêndio, afinal, o parque havia fechado há algumas horas. Por desencargo de consciência, decidiram ir até lá e verificar.
Encontraram o pequeno jardineiro queimando algumas folhas e sequer iam quetsioná-lo a respeito, quando ele percebeu a presença dos policiais e saiu correndo em disparada. Percebendo que havia algo errado, o interceptaram e ele começou a gritar que a culpa não era dele e que ele era doente. Os policiais então remexeram nas folhas e encontraram sob o tapete vegetal o cadáver de uma criança de oito anos que estava desaparecida. Ele vestia apenas uma cueca, e apresentava marcas de estrangulamento em volta do pescoço. Não havia sofrido violência sexual, mas o peito estava aberto, como se escavado no lado esquerdo onde despontava um buraco escuro e profundo cercado de sangue coagulado. O coração fora removido de seu lugar - mais tarde ficaram sabendo que ele havia sido cozinhado e devorado. O monstro arrancava os órgãos de suas vítimas com a tesoura de podar, enterrava a ponta aguda no peito e usando toda a força destroçava a carne e as costelas ao abri-la.
Si Quey estava tentando destruir as evidências como já havia feito em pelo menos outras seis vezes.
Capturado e interrogado, ele readquiriu a compostura e reconheceu que aquele não era seu primeiro assassinato. Ele costumava ver as crianças brincando nos parques onde trabalhava. Após escolher a vítima, ele as seguia até a casa das famílias e ficava observando, esperando a melhor oportunidade para capturá-las. Oferecia brinquedos que haviam sido esquecidos no parque como forma de conquistar a confiança das vítimas, mas também recorria a doces e pequenos agrados. Quando sabia que havia conquistado a confiança, atacava e levava os pequenos até sua casa, um barraco de ferramentas num dos parques, onde havia conseguido autorização para viver.
Na cabana acharam os parcos bens do monstro guardados em uma maleta velha. Dormia em um colchão embolorado no chão, ao lado de sacos de fertilizante e terra. Tinha um pequeno fogão de duas bocas e alguns utensílios que usava para cozinhar. Numa panela de arroz costumava ferver os órgãos humanos removidos de suas vítimas. Eles os comia com arroz e batatas, mas revelou que no início os devorava crus, recém extirpados da fonte. O homem era um canibal e segundo suas contas, havia sido tal coisa por boa parte de sua vida.
O relato de Si Quey foi dado sem rodeios com todos os pormenores. Ele não parecia se arrepender em absoluto. De fato, parecia muito à vontade revelando os detalhes para o horror dos investigadores que gravaram sua confissão em fita.
Apuraram o passado dele. Si Quey foi um soldado durante a Segunda Guerra Mundial, tendo lutado ao lado das forças de defesa da China contra os invasores japoneses. Ele contou que em certa ocasião sua unidade foi enviada para defender um vilarejo na Ilha de Hainan. O lugar era muito miserável e não tinha comida. Revelou que no auge da fome, depois de comerem cães e ratos, ele e alguns companheiros decidiram capturar uma criança e usá-la como alimento. Si Quey no entanto, reconheceu que aquela não havia sido a primeira vez que quebrara o tabu de se alimentar de carne humana. Sua família o fazia desde que ele era criança, então a medida parecia perfeitamente natural, um simples retorno aos antigos hábitos.
Quando a ilha foi atacada pelos japoneses, a unidade manteve o hábito alimentar. Eles costumavam extirpar o fígado dos soldados inimigos e fritá-los com cebolas. O próprio oficial responsável pela defesa da ilha incentivava esse comportamento afirmando que se alimentar do fígado era uma forma de obter força, já que na medicina oriental o órgão é creditado como tendo propriedades regenerativas. Entusiasmado com essas informações, Si Quey se fartava ainda de corações, pulmões e em algumas ocasiões dos intestinos.
Quando a Guerra terminou, ele partiu para o sul da China, mas com a Guerra Civil, decidiu imigrar para a Tailândia onde se tornou um vagabundo. Ele viveu em meio a pobreza extrema, fazendo uma série de trabalhos menores até ser contratado como jardineiro dos parques. Supostamente ele foi contratado pois já realizava por conta própria uma série de trabalhos menores nos parques. Todos se referiam a ele como um trabalhador responsável: quieto e pacífico no exercício de suas funções.
No momento que a verdade veio à tona, seus colegas não conseguiam acreditar.
Si Quey mostrou onde havia queimado os restos de suas outras vítimas. O motivo para cometer aqueles crimes bárbaros, em suas próprias palavras, envolvia o fato dele "sentir vontade de comer carne humana". Quando pedido para elaborar um pouco mais seus motivos, ele respondeu que "carne humana, em especial de crianças pequenas até 10 anos, era uma delícia. Nem tão salgada e nem tão dura, como a carne de porco, mais tenra e macia". Um dos investigadores ao ouvir isso, não se conteve e saiu da sala, sobretudo porque o sujeito parecia estar salivando ao contar esses detalhes. O coração e o fígado, segundo ele faziam parte de uma dieta medicinal que visava mantê-lo saudável.
O caso, medonho em todas suas implicações, indicava que Si Quey era um demente homicida e provavelmente desequilibrado mental, mas ainda assim, ele foi julgado como capaz de entender a natureza atroz de seus feitos. Com efeito, foi condenado a morte por um júri que levou apenas 10 minutos para dar a decisão. Tribunais estrangeiros alegaram que ele era mentalmente incapaz de compreender suas ações, mas de nada adiantaram os pedidos para revisão do caso. A justiça tailandesa ordenou que o homem de 32 anos fosse executado o mais rápido possível. Uma bala na cabeça pôs fim a sua existência.
Mas esse não foi o fim da saga de Si Quey, ao menos não para seus restos mortais.
Pouco depois da execução, o Hospital Siriraj apresentou um documento assinado pelo próprio Si Quey no qual ele aceitava doar seu corpo para a ciência. O objetivo era compreender melhor a sua mente pervertida e entender o que impulsionava suas ideias homicidas. Vários criminosos ao longo do século XIX e XX haviam aceito algo similar. Concordavam que médicos os dissecassem para procurar o "germe" responsável pela sua sanha assassina.
Vários médicos se ofereceram para ajudar na autópsia ou ao menos estar presente quando a mente do assassino fosse removida de seu crânio e dividida em fatias para observação no microscópio. Ao fim do procedimento, os especialistas não encontraram nada que fosse revelador, mas mesmo assim, decidiram que os restos deveriam ficar à disposição da Instituição para futuras referências. Desse modo, o corpo foi fechado, embalsamado com cera de parafina e colocado em uma caixa.
Posteriormente, um dos diretores do Hospital achou que seria uma boa ideia deixá-lo a vista dos curiosos e então decidiram colocá-lo num caixão de vidro que ficaria em exposição na entrada do Museu do hospital. Aos pés do cadáver ressecado e escurecido, foi disposta uma placa de bronze onde se lia:
Si Quey - Canibal
Embora o propósito da exposição supostamente envolvesse interesse científico, é inegável que os restos do assassino passaram a ser a atração mais importante do Museu que apresentava ainda uma vasta coleção de anomalias congênitas, bebês deformados e provas de crimes famosos. Pessoas vinham de longe para ver o canibal de Bangcoc e algumas chegavam a cuspir no vidro para manifestar seu desprezo pelo monstro. Para alguns, a mensagem que estava sendo passada era simples e direta: esse é o fim de criminosos na Tailândia.
Para muitos o tratamento constituía uma indignidade e um absurdo, mas para a maioria dos Tailandeses, a exposição do criminoso era merecida como uma punição eterna. Na tradição religiosa predominante na Tailândia, o Budismo, a observância do tratamento de restos mortais é muito importante. O fato de Si Quey não ter recebido os devidos ritos fúnebres fazia com que seu espírito não encontrasse o devido descanso.
Os curiosos, num misto de emoções, se colocavam diante do caixão de vidro contendo o corpo do monstro. O horrível cadáver do bicho papão da Tailândia ficou à vista de todos por 60 anos, levantando questionamentos a respeito de punição, do simbolismo sobre exposição pública e é clarom sobre a Condição Humana.