No coração das ambientações inspiradas pelo Horror Cósmico está o conceito de Insanidade, um abrigo pessoal no qual os personagens buscam refúgio quando a realidade se torna assustadora demais e insuportável além da conta.
A maioria dos indivíduos diagnosticados com algum tipo de insanidade nasce com uma anormalidade mental com a qual terão de conviver até a morte. Os heróis de Call of Cthulhu, no entanto, são pessoas normais que enlouquecem em decorrência de seu contato com o perigoso mundo dos Mythos.
Eles se tornam insanos como um mecanismo de defesa diante da absoluta falta de humanidade daquilo que é conhecido como Cthulhu Mythos. Investigadores e outros personagens de ambientações lovecraftianas compartilham de uma mesma fraqueza, afinal de contas, todos eles são humanos. Não há super poderes, magia ou capacidade sobrenatural capaz de blindar a mente do investigador que se embrenha nessa rota abominável.
Os Mitos são como uma substância radioativa, uma espécie de plutônio que corrói a mente, contaminando e deteriorando a razão de tal maneira que nem mesmo o mais sensato dos homens, o mais razoável dos indivíduos, escapará incólume de sua depredação. Uma mente tocada pelos Mitos jamais irá se recuperar por inteiro.
Mas antes de mergulhar na questão dos Mitos e como ele afeta a mente humana, devemos estabelecer o que é Sanidade.
A Sanidade é o estado mental de consciência existencial. A Sanidade representa o controle, a estabilidade e a capacidade de racionalização do indivíduo. Nos jogos Lovecraftianos, a sanidade também representa a capacidade do personagem de suportar e se proteger de choques emocionais arrebatadores. Aqueles que iniciam o jogo com um número alto de sanidade possuem uma mente forte. Eles são capazes de racionalizar coisas absurdas, afastar lembranças nocivas e repudiar visões devastadoras. Aqueles com pouca sanidade são mais frágeis, e portanto são mais suscetíveis ao choque e horror que os conduz a loucura.
No jogo, é o choque emocional que causa a insanidade. Mas de onde vem esse choque emocional?
Em primeiro lugar, a grande maioria das Entidades dos Mitos de Cthulhu são absolutamente terríveis. São a matéria de pesadelos manifestadas no mundo real da maneira mais direta e crua possível. As criaturas que compõem os mitos são monstruosidades blasfemas que na concepção humana não deveriam existir ou ao menos não deveriam ocupar um lugar no universo natural em que vivemos. Lovecraft deliberadamente optou por fazer suas criaturas serem alienígenas ao extremo. Em sua obra, podemos sentir que ele tenta desesperadamente encontrar adjetivos capazes de descrever essas entidades, mas a tarefa se mostra impossível pois não existem palavras capazes de fazer jus a tais seres. Eles são por definição impossíveis, indescritíveis, imponderáveis... e quanto mais estranha aos nossos olhos a sua forma, maior o choque produzido.
Saber da existência de tais poderes cósmicos faz com que a percepção familiar de um universo em ordem e compreensivo, desmorone por inteiro. A mera existência dos Mitos, e sua capacidade de perverter as Leis da Natureza se apresentam como um ponto de ruptura para a mente humana. Os Mitos de Cthulhu desafiam os conceitos de razão e dedução, não há como entendê-lo sob um prisma seguro, ele está além de qualquer conceito estabelecido pela humanidade. Humanos não podem começar a compreender essa força, sem de alguma forma baixar suas defesas e abrir a mente para essas noções. Em suma, ao sentir o pulso dos Mitos reverberando em todas as coisas; a razão e a sanidade são sacrificadas para sempre. Abraçar a loucura é a única maneira de continuar vivendo depois de tocar esse coração profano.
Para aqueles que esbarram no conhecimento pérfido dos Mitos, loucura ou a ameaça constante da loucura, se torna uma companhia constante. Nos jogos, conhecimento a respeito do Cthulhu Mythos reduz os pontos de sanidade exponencialmente. Quando um personagem toca os segredos do Mitos ancestrais, o peso emocional e a sobrecarga mental dessas revelações se tornam um fardo pesado para ser carregado. A mente sofre com essas revelações e vai deteriorando cada vez mais: ele falha em testes de sanidade cada vez mais frequentemente, a insanidade permanente passa a ser uma realidade a medida que a espiral de loucura puxa o indivíduo cada vez mais fundo.
Muitos jogadores vêm o aumento da habilidade Cthulhu Mythos como uma espécie de recompensa da aventura. Na realidade, esse conhecimento é como uma doença que se instala na mente, um câncer disposto a crescer sem controle se for alimentado. Embarcar na busca de pontos de Mythos de Cthulhu é uma forma de condenar o personagem a um destino cruel do qual não há volta.
Cabe ao mestre explicar claramente o que representa esse saber e fazer com que os jogadores compreendam no que estão se metendo. Nenhum personagem, exceto os suicidas, os já insanos ou os que tem pré-disposição para se tornarem cultistas se embrenham profundamente nessa busca desejando de corpo e alma desvendar seus mistérios profanos.
Mas como fazer com que os jogadores compreendam o que significa ser exposto aos Mitos? Como fazer com que os jogadores não apenas quantifiquem o custo de sanidade em termos de pontos perdidos?
Na minha opinião, o Mitos deve produzir uma espécie de cicatriz nos personagens. Ele não deve se limitar a perda de uma quantidade determinada de pontos e nada mais. O Mitos deve repercutir na existência e na alma do personagem, dali em diante o saber adquirido causará no personagem efeitos dos quais ele não poderá (e não conseguirá!) se dissociar.
Muitos dos jogadores iniciantes em Chamado de Cthulhu perguntam por que seus personagens estão sujeitos a loucura e ficam impotentes diante dos horrores. Alguns não entendem a causa da insanidade que acomete os personagens.
Eu gosto de explicar da seguinte maneira:
Ser exposto ao conhecimento dos Mitos Ancestrais equivale a ser suplantado por uma onda de horror, pessimismo e impotência diante de uma força inacreditável. Equivale a descobrir de uma hora para outra que o universo não se importa com a humanidade. Que nossa espécie é um mero acidente no percurso cósmico e que de um momento para o outro, nós podemos ser varridos da existência e ninguém sequer saberia disso. Mais do que a constatação da insignificância, os Mitos representam a certeza de que o universo não é organizado e sim caótico, não é perfeito e sim falho, não é benevolente mas absolutamente indiferente.
Não é apenas a feiúra dos monstros ou suas formas absurdamente bizarras, é a constatação de que aquilo simplesmente NÃO DEVERIA EXISTIR que obriga os investigadores a procurar na loucura o único alento restante.
Em seu próximo cenário, pondere como você jogador reagiria ao se deparar com as revelações do Horror Cósmico, e então, tenha pena de seu pobre personagem, pois no mundo deles, esses horrores são muito reais.
Existem cidades que deixaram de existir mundo afora.
Hoje, elas não passam de ruínas abandonadas com construções desertas entregue aos elementos, ao vento e a poeira. Algumas, são tudo o que restou de metrópoles que no passado foram agitados centros urbanos, mercantis ou religiosos. Pensar que um dia esses lugares fervilharam com milhares de pessoas cuidando de suas próprias vidas, e que hoje, não passam de esqueletos vazios, faz com que ponderemos sobre a transitoriedade da vida.
Mais importante, nos faz pensar sobre o que o futuro nos reserva e sobre como sabemos pouco a respeito de nosso passado.
Tomemos como exemplo, as ruínas de Mohenjo Daro, que um dia foi uma próspera cidade na Província de Larkana, atual Paquistão. Esse lugar importante simplesmente deixou de existir em um dado momento, mais de um milênio antes do nascimento de Cristo.
A cidade de nome desconhecido que seria mais tarde chamada de Mohenjo Daro (o Monte dos Mortos) foi construída pelos Drávidas, um povo nativo do Vale do Indo. Considerada o berço da civilização indiana, esta cidade é um sítio arqueológico com mais de 4 mil e quinhentos anos, descoberta em 1910 por arqueólogos britânicos que a escavaram extensivamente. As ruínas, pouco conhecidas no ocidente, rivalizam com os sítios egípcios e mesopotâmicos, demonstrando um excepcional grau de planejamento civil e arquitetônico. As casas e prédios foram erguidos sobre galerias de esgoto construídas com tijolos, permitindo o uso de banheiros e instalações. A água era escoada por um sistema de exaustão que se conectava com cisternas responsáveis por abastecer as moradias com água potável. A população de Mohenjo Daro podia ainda se orgulhar de ter uma majestosa Casa de Banhos na parte mais alta da cidadela, onde eram realizados complexos rituais de purificação.
Como deveria ser Mohenjo Dara no seu auge.
Defensivamente, Mohenjo Daro era bem fortificada. Na falta de muralhas ao redor da cidade, ela tinha torres para o oeste do assentamento principal, e quartéis defensivos ao sul. Ela não possuía palácios ostentosos, templos, ou monumentos. Não há nenhum centro óbvio de governo ou evidência de Reis ou Rainhas. Simplicidade, ordem e limpeza eram os traços predominantes da população local, o primeiro povo da história a vestir trajes de algodão. Cerâmica e ferramentas eram padronizadas, bem como as leis e o sistema de pesos e medidas vigente, o que sugere um sistema de comércio rigidamente controlado. No geral, era uma grande Cidade Estado, uma das maiores e mais importantes de sua época.
Diferente de outras ruínas, Mohenjo Daro sinaliza com um mistério que persiste intrigando os arqueólogos e deixando estudiosos estupefatos. O que teria causado a sua destruição e seu subsequente abandono? Uma praga? A invasão de outra civilização? Inundações, terremotos ou alguma tragédia natural? Nenhum desses motivos parece se encaixar nas causas prováveis do ocaso de Mohenjo Daro.
Espalhados pelas ruas da ruína foram encontrados 44 esqueletos com traços de carbonização e profunda calcinação datando entre 1900 e 1500 anos a. C., todos de bruços e muitos segurando as mãos uns dos outros, como se aguardando seu fim inevitável. Não foi possível identificar a causa da morte, mas é como se eles tivessem sido colhidos por algo sobre o qual não tinham controle ou compreensão. Morreram no curso de um dia como qualquer outro, muitos deles claramente desempenhando afazeres do dia a dia.
Tribos de nômades e mercadores que sabiam de sua existência evitavam Mohenjo Daro e desviavam enormemente de sua rota para não passar próximo a ela. A cidadela tinha uma fama ruim e nenhum povo tentou se estabelecer nas suas fundações nos milênios que se seguiram. Quando os britânicos começaram a escavar o local, muitos nativos temiam que perturbar as ruínas pudesse trazer graves consequências.
O próprio meio científico considera que algo incomum ocorreu em Mohenjo Daro.
Uma vista da cidadela de pedra.
Ao analisar cuidadosamente o local, uma boa quantidade de indícios presentes sugere notáveis similaridades entre as ruínas de Mohenjo Daro e lugares atingidos por uma Explosão Nuclear. O problema, obviamente, é tentar entender como uma cidade da antiguidade pode ter tantas semelhanças com cidades como Hiroshima e Nagasaki, pouco depois dessas serem atingidas por bombas atômicas no final da Segunda Guerra Mundial.
É claro, a maioria dos pesquisadores são cuidadosos em atribuir a explosões nucleares a destruição de Mohenjo Daro, mas certos detalhes são intrigantes.
Existem sinais inequívocos de vitrificação mineral por todos arredores da cidade, processo muito comum quando um rocha passa para um estado de magma (através de uma temperatura elevadíssima) e depois novamente para o sólido, quando assume uma aparência de vidro. Por algum tempo acreditou-se que poderia ter ocorrido uma explosão vulcânica na região, o que explicaria o derretimento e vitrificação das rochas, porém não existem evidências de qualquer atividade vulcânica em milhões de anos pelas proximidades. Outra possibilidade seria a queda de um meteoro, contudo as análises de solo não resultaram na descoberta de nenhuma amostra de rocha espacial. Além disso o grau de pureza e transparência do vidro obtido é notável, demonstrando que o calor além de intenso foi puro (sem que houvesse mistura com silício, algo comum em vulcões e choque de meteoros).
O que poderia causar esse calor capaz de derreter rochas?
Amostras de rocha transformada em vidro pelo calor intenso.
Não há um consenso, mas sabe-se que a temperatura necessária para desencadear esse efeito precisa superar os mil graus centígrados. Alguns supõem que as pedras vitrificadas poderiam ter sido trazidas de outros lugares e comercializadas na cidade, mas a quantidade de rochas espalhadas pela paisagem é incrível e não justificaria um comércio de algo comum na região. Além do mais, algumas rochas são simplesmente grandes demais para terem sido transportadas. Até mesmo a fachada de pedra entalhada de uma construção parece ter sido subitamente derretida por uma fonte de calor altíssima. Um efeito semelhante ocorreu em Hiroshima, onde pedras usadas para a construção de um porto localizado perto do local da explosão nuclear, se converteram em blocos de vidro fundido.
Impressionados com essa descoberta, um outro estudo para medir os índices de radiação foi realizado no local e mais um mistério surgiu: a cidade possuía um nível altíssimo de radiação com origem não identificada. Níveis semelhantes só são observados em locais onde houve alguma explosão nuclear direta como na região de Alamogordo, no Novo México (onde aconteceram os primeiros testes nucleares) ou nas ruínas das cidades devastadas pelas bombas no Japão.
Especialistas russos que estiveram nas ruínas realizando escavações em 1966 afirmaram que a concentração de radiação presente no solo da cidade era pelo menos 50% mais alta do que em qualquer outra região do Paquistão o que não se encaixava em nenhum perfil geológico. Ao utilizar os Contadores Geiger nas ruínas, as leituras foram curiosas. Não era uma concentração capaz de causar dano a visitantes, contudo indicava que no passado essa concentração havia sido mais alta e que a dissipação natural ainda não havia eliminado toda carga radioativa. Comparativamente, apenas se Mohenja Daro fosse localizada exatamente sobre uma mina de urânio, leituras semelhantes seriam obtidas, e não é esse o caso. Não há nenhum depósito natural de minério radioativo nos subterrâneos da região.
Escavações Britânicas em 1920
O Departamento de Energia do Paquistão é obrigado a fazer medições regulares na área para averiguar se as ruínas oferecem algum risco de contaminação para os lençóis freáticos. Apesar de nenhum contaminação radioativa ter sido detectada, alguns lagos temporários apresentam uma concentração radioativa de origem anormal cuja origem permanece desconhecida.
Analogamente, esqueletos e objetos removidos das ruínas e examinados independentemente registram traços de radiação condizentes com os restos mortais de pessoas vitimadas pelas bombas atômicas no Japão. Embora a área das ruínas seja cercada de deserto, existe vegetação nos arredores, mas não no local onde os índices de radiação são mais altos, ali nada cresce, nem grama rasteira e nem as resistentes plantas desérticas.
Entre as ossadas mais espantosas, existe um caso peculiar, o de uma família, composta de um homem, uma mulher e uma criança cujos restos foram achados em uma das ruas principais da cidade. A família parece ter sido atingida por uma força esmagadora enquanto passeava calmamente. Examinados os restos dessas pessoas, apurou-se que eles foram expostos a uma temperatura superior a 1500 graus, o suficiente para calcinar seus ossos imediatamente.
Um detalhe mórbido é que todos os restos mortais que foram removidos de Mohenjo Daro ao longo dos anos desapareceram sem deixar vestígios. Simplesmente não se sabe ao certo o que aconteceu com esses esqueletos ancestrais. Muitos artefatos encontrados na cidadela também sumiram misteriosamente, impedindo novas análises e estudos.
Há um terceiro indício de que algo incomum teria ocorrido nas ruínas de Mohenjo Daro. Uma vista aérea da cidadela comprova uma depressão de aproximadamente 50 metros de extensão, semelhante a uma cratera mais ou menos arredondada com afundamento de 30 graus. Nesse local tudo ficou cristalizado, fundido ou derretido como se ali tivesse sido o epicentro de uma explosão de tamanho considerável.
Os esqueletos de Mohenjo Daro
O Instituto de Mineralogia de Roma teve acesso a algumas amostras desse solo, e constatou que ele foi exposto a temperaturas altíssimas por apenas uma fração de segundos. Há por exemplo, vasos fundidos de um lado e praticamente intactos do outro, evidenciando que apenas uma das extremidades foi exposta a onda de calor que atingiu a cidade. Exclui-se totalmente a possibilidade de um incêndio comum ou o uso de fornos já que eles não poderiam criar tamanha capacidade térmica. Além disso, os danos provocados nas casas eram proporcionais a proximidade do suposto epicentro da explosão. Aquelas mais próximas foram calcinadas por completo, sem que restassem sequer as suas paredes. A uma certa distância, os muros ao menos permaneceram de pé.
Sem uma teoria científica ou documentação histórica para explicar o que teria acontecido em Mohenjo Daro, o único lugar onde se pode encontrar algum argumento referente ao incidente é na literatura clássica indiana.
O Mahabharata, o mais importante documento sobre a história mitológica da região do Indo (India e Paquistão), descreve uma espécie de explosão catastrófica que abalou o continente e uma batalha travada nos céus. Evidências contidas no texto sagrado indicam semelhanças com a posição geográfica de Mohenjo Daro. Observe o trecho:
“Um único projétil, carregado com toda a força do Universo se precipitou dos céus… Uma coluna incandescente de fumaça e uma chama tão clara quanto 10.000 sóis, apareceu em todo seu esplendor… era uma arma desconhecida, um trovão de ferro, um mensageiro gigantesco da morte, o qual reduziu às cinzas uma raça inteira. Os corpos estavam tão queimados que ficaram irreconhecíveis. Suas mãos e unhas caíram, os vasos estavam quebrados sem qualquer causa aparente, os pássaros se tornaram brancos. Após algumas horas, os alimentos ficaram infectados. Para escapar deste fogo, os soldados se jogaram no rio".
Segundo historiadores, diversos textos sagrados indianos descrevem uma batalha antiga, entre Deuses e raças superioras, disputada nos céus por intermédio de veículos voadores e carruagens de metal capazes de cruzar a abóboda celeste, os lendários Vimanas.
Vimanas, Deuses e Raças Voadoras sobre os céus da India
O Drona Parva, um dos textos mais fantásticos, fala sobre um combate onde a explosão de armamentos de exterminação dizimam exércitos inteiros, causando uma multidão de guerreiros com seus cavalos, elefantes e armamentos a serem carregados para longe, como se fossem folhas secas. Ao invés de explosões na forma de cogumelos nucleares, o escritor descreve uma explosão perpendicular com nuvens de fumaça abrindo como um guarda-sol gigantesco. Há comentários sobre a contaminação dos alimentos e do cabelo das pessoas caindo - elementos que hoje sabemos estão relacionados a exposição radioativa.
Apesar dos indícios de um inexplicável acontecimento que reduziu Mohenjo Daro a escombros, os arqueólogos e especialistas preferem se manter céticos. São poucos os que sustentam a teoria de uma fulminante Explosão Atômica.
As escavações atualmente estão proibidas pelo governo do Paquistão. Inúmeras Universidades e Instituições Internacionais solicitam permissão para conduzir escavações no sítio, mas nas últimas duas décadas todos eles tem sido negados alegando desde "exigências de conservação" até "questões de segurança". A área tem atividade de grupos terroristas e células extremistas atuam livremente nessas áreas.
O que poderia explicar os estranhos indícios de uma explosão nuclear encontrados nesse sítio arqueológico? Podemos atribuir esses sinais a meros fatores aleatórios da natureza? Há uma explicação razoável para tudo isso?
Se não houver, a única opção é crer que nossos antepassados de fato conheciam os princípios básicos da divisão do átomo ou que ao menos os seus "Deuses" dominavam essas noções e as empregavam livremente. Se esse for o caso, por que Mohenjo Daro foi punida e por que seu povo teve que sofrer a obliteração com Fogo Sagrado?
São mistérios que provavelmente jamais iremos decifrar...
Originalmente publicado no blog The Monarch Review
Uma das grandes confusões entre os fãs de Lovecraft envolve a noção que Nyarlathotep, uma de suas criações, possui apenas mil formas. A ideia vem da novela "Dream quest Of Unknown Kadath", na qual, Nyarlathotep aparece como um Faraó, dado ao protagonista da estória uma advertência: "reze em nome de tudo o que você desconhece para jamais me encontrar em uma das minhas outras mil formas". O que os leitores tendem a negligenciar é a palavra chave "outras", ou seja, que além da forma sinuosa do Faraó existem mil outros... o que totaliza mil e uma. Eu iniciei uma jornada onírica por conta própria, buscando pela esquiva forma mil e um, aquela com a qual os fãs de Lovecraft provavelmente estão mais familiarizados, mas cuja origem sempre foi desconhecida.
A primeira parada em minha busca foi uma carta do Estudioso dos Mitos, S.T. Joshi, uma das mais conceituadas figuras no estudo de Lovecraft. Eu descrevi a ele a versão mais popular de Nyarlathotep na internet, um gigantesco monstro de três pernas e com uma língua vermelha (ou tentáculo) no lugar da cabeça. Essa coisa, é a primeira imagem que se obtém ao realizar uma busca no Google Search e eu sempre quis saber de onde esse avatar em particular veio. Para minha surpresa, S.T. jamais haia ouvido falar dele, "Temo que não me recorde de ter visto Nyarlathotep ser descrito dessa maneira", ele escreveu. "Que interpretação bizarra! certamente ela não pertence a Lovecraft". Joshi estava certo. Nenhuma descrição feita por Lovecraft a respeito de Nyarlathotep se encaixa na criação de três pernas, por isso resolvi contatar outro especialista em Lovecraft: Robert M. Price, um teólogo, escritor e ex-ministro Batista apontado como um dos responsáveis por revitalizar o trabalho de Lovecraft.
Eu perguntei a Price sobre aquilo que Richard Svensson chama de Avatar Uivador (The Howler Avatar). Richard é um produtor de cinema e animações na Suécia, que deu o nome de Uivador ao monstro no especial por trás das cenas de seu documentário "The Making Of The Other Gods". O nome é importante, por que ele aparece no título do conto de Richard L. Tierney, editado por Price e publicado em seu fanzine "Crypt Of Cthulhu". Price respondeu a minha pergunta com uma mensagem que era curta e gentil: "Eu procurei ao longo do conto e não achei qualquer descrição de Nyarlathotep nele, embora ele seja mencionado de relance, uma vez. Boa caçada!”
Eu preferi não acreditar na palavra de Robert, então procurei uma cópia do conto de Tierney para ter certeza do que ele havia dito, e realmente, em The Howler In The Dark, Nyarlathotep não passa de uma cabeça humana decepada, mantida viva por antiquários desajustados nas cavernas subterrâneas de um velho castelo. Frustrado, decidi ir direto à fonte e escrever uma carta ao Sr. Howard Philips Lovecraft.
Lovecraft é o nome escolhido pelo ator e dramaturgo, Leeman Kessler. Desde 2012 ele vem interpretando seu famoso xará, H.P. Lovecraft, em uma série na internet com o nome Ask Lovecraft. A semelhança de Kessler, bem como, sua capacidade de estimular as pessoas sempre foi surpreendente e sua resposta em vídeo para minha questão foi ao mesmo tempo poética e instrutiva. Ele me indicou para o pessoal da Chaosium, responsáveis pelo roleplaying game Call of Cthulhu, afirmando que o monstro de três pernas e cabeça de língua era provavelmente uma criação dos ilustradores que trabalhavam para esse jogo. Eu não tinha nenhum material de CoC, mas encontrei um interessante artigo escrito por Doug Bolden, tentando conectar o Nyrlathotep de Call Of Cthulhu a August Derleth, autor do conto "The Dewller In Darkness".
O artigo de Bolden faz uma detalhada análise do Nyarlathotep de acordo com a estória de Derleth, mas não valida a conexão com o RPG Call of Cthulhu como fonte para a descrição, ou sua ilustração mais popular. Eu encontrei uma cópia de "The Dweller In Darkness" (publicado pela Weird Tales) e pensei que Derleth tivesse descrito Nyarlathotep como um gigante, mas ela não se encaixa exatamente como o monstro de três pernas no artigo de Doug. O mais próximo que Derleth chega do Uivador presente nas páginas da internet é uma representação de um artista, “que desenhou um tipo de criatura, que ninguém é capaz de dizer ao certo o que é, ele não é certamente um homem, por outro lado, também não parece ser um animal selvagem. Além disso, o artista responsável pela arte esqueceu de incluir uma face a sua criatura". mais tarde, os personagens do conto de Derleth encontram uma pedra entalhada, com uma representação de Nyarlthotep como um ser, “vasto e amorfo,” com uma, "curiosa cabeça em forma de cone que mesmo na pedra parecia ter uma fluidez enervante". Derleth nunca mencionou as icônicas três pernas, mas, depois de me corresponder com Doug, ele me indicou o Field Guide To Cthulhu Monsters, de Sandy Petersen publicado pela Chaosium e ilustrado por Tom Sullivan.
Obtive uma cópia do Petersen’s Guide, publicado em 1988, que lista ao menos cinco avatares de Nyarlathotep, incluindo uma breve descrição do Uivador na Escuridão (Howler In Darkness): “a monstruosidade de três pernas ilustrada a direita, é vista frequentemente uivando para a lua por razões desconhecidas". Eu consegui um comentário de Tom a respeito de sua magnífica ilustração: Eu gostaria de poder ajudar. Eu me recordo das pernas, dos olhos nas palmas e da face em forma de tentáculo. Minha informação de como ele o desenho deveria ser feito veio diretamente da Chaosium. deve ter sido uma descrição enviada por Sandy Petersen".
Eu tive dificuldades tentando contatar Sandy Petersen, então procurei por outros ilustradores. Earl Geir compartilhou, "Pelo que me recordo de trabalhar com a Chaosium, eu recebia uma citação retirada do conto para criar a ilustração e algumas instruções, especialmente se a citação fosse muito vaga". Richard Luong, ilustrador que trabalha no novo jogo de Sandy (Cthulhu wars) lembrou do seguinte quando perguntado a respeito do misterioso avatar de três pernas: Sandy veio até mim com uma descrição curta das características que ele julgava essenciais: três pernas, sem face, mãos bem pouco humanas".
Visto que aparentemente sandy sabia de algo que mais ninguém sabia, eu decidi que precisava falar com ele, mas todos os contatos que eu possuía sobre ele estavam desatualizados. A minha melhor opção foi continuar procurando, enquanto simultaneamente buscava outros materiais da Chaosium publicados antes de 1988. A grande notícia finalmente veio quando comecei a me corresponder com Tristan Oberon, da Espanha, alguém que por oito anos catalogou livros, jogos, filmes e qualquer assunto relacionado aos Cthulhu Mythos (para seu blog Susurros Desde La Oscuridad).
Tristan e eu trocamos informações, considerando cada fonte de recurso da Chaosium que pudessemos encontrar. A editora lançou múltiplas versões de Call of Cthulhu, bem como um enorme número de cenários e suplementos, mas graças a outro blogger, Michael Bokowski, eu decidi me concentrar na campanha Masks of Nyarlathotep que Tristan possuía uma cópia. A capa da primeira edição publicada em 1984, trazia a primeira ilustração daquilo que se tornaria conhecido como The Blood Tongue. Era um gigante sem face, com uma língua vermelha ou tentáculo no lugar da cabeça, mas a parte de baixo de seu corpo estava oculto nas nuvens de modo que não havia qualquer menção a ele possuir três pernas. O jogo continha outro avatar de Nyarlathotep, cohecido na India como o Pequeno Rastejador (The Small Crawler), que possuía três pernas, mas a primeira pessoa a juntar todos os elementos em um único monstro, acabou sendo uma mulher chamada Lisa A. Free.
Eu comecei a procurar os desenhos feitos por Lisa de quando ela começou a trabalhar para a Chaosium. Seu trabalho está presente no Petersen’s Guide e dezenas de outros livros da Chaosium, mas seu trabalho é fácil de ser esquecido, já que ela quase sempre desenha a silhueta dos monstros para os gráficos comparativos de tamanho das criaturas (size comparison charts). Uma de suas silhuetas mais conhecidas, o gigante com cabeça tentacular e três pernas correspondendo a Nyarlathotep, foi publicado no suplemento Fragments Of Fear, o segundo companion de Call Of Cthulhu originalmente publicado em 1985.
Eu precisava falar com Lisa, mas ao contrário dos outros artistas contratados pela Chaosium, ela parou de trabalhar e levou mais de uma semana até eu localizá-la. Deixei algumas mensagens, mas nunca consegui uma resposta. Eu continuei tentando e quando finalmente alguém atendeu ao telefone, não foi com um amigável "Olá". Eles atenderam e me saudaram com um estranho silêncio. Eu não tenho certeza sobre o que pensar a respeito, então eu aguardei, até que o silêncio se tornou insuportável... até que ficou óbvio que alguém estava segurando o telefone, ouvindo como um caçador, esperando um galho estalar. Aterrorizado eu disse: "Alô?" Aqui é repórter de Seattle. estou tentando contatar Lisa?” O medonho silêncio persistiu até que uma onda de energia psíquica malina alterou o som do silêncio e a pessoa do outro lado desligou.
Será um dia gelado na barriga de Cthugha antes de eu ligar para Lisa novamente. Uma pesquisa indicou que após deixar a Chaosium, ela se tornou uma devota cristã e em 2010 um frequentador de um Fórum de RPG escreveu que ela havia denunciado publicamente os jogos de interpretação como "uma coisa do Diabo" (“the work of the Devil.”). Mesmo sem poder falar com ela, ao menos consegui desenvolver uma teoria com base em seu trabalho.
A capa de 1984 da campanha Masks foi produzida por Tom Sullivan. Nessa época ele já havia ilustrado o Bloody Tongue conforme descrito nas páginas da campanha. Logo ficou claro que o Bloody Tongue havia se tornado a versão mais popular entre os avatares de Nyarlathotep em meio aos fãs da Chaosium. Quando a editora quis criar um gráfico com a comparação de tamanho das criaturas para o suplemento Fragments of Fear, a criatura que representava Nyarlathotep havia sido desenhada apenas da cintura para cima, então Lisa teve que preencher a lacuna. Mesmo em uma silhueta, seu Nyarlathotep é bastante parecido com o Bloody Tongue de Tom Sullivan. Ela apenas inventou as três pernas porque achou que o resultado ficaria estiloso ou extrapolou o conceito do Small Crawler que estava presente como um avatar em Masks of Nyarlathotep.
Eventualmente, Sandy e eu conseguimos nos falar pessoalmente. Eu contei a ele minhas teorias , mas acredito que ele estivesse ocupado, pois sua resposta a tudo que eu disse foi simplesmente: "Minha descrição do Uivador veio diretamente do sonho de Lovecraft, que foi publicado no conto "The Thing In The Moonlight.” Eu li The Thing In The Moonlight e embora ele mencione uma criatura uivante, com um corpo semelhante ao Bloody Tongue, Lovecraft jamais o descreve como um monstro com face de tentáculo e três pernas. Na verdade, ele é bem parecido com um homem até que sua aparência inumana é traída pela face medonha em forma de um tentáculo. Tudo leva a crer que a silhueta de 1985 tenha sido a primeira imagem de Nyarlathotep nessa forma incomum… O Uivador de Liza é a primeira imagem a incorporar elementos presentes no sonho de Lovecraft, o monstro de Derleth, o Bloody Tongue de Tom e as ideias da Chaosium. Sem nenhum interesse pelos costumes pagões dos jogadores de RPG, Lisa não pode ser entrevistada e se tornou uma face misteriosa, talvez tão misteriosa quanto a criatura profana que ela ajudou a criar. Com um ênfase na palavra "ajudou".
Quando eu comecei a me perguntar a respeito da origem do Uivador eu imaginei que o conceito para sua imagem teria sido definido por um único indivíduo, mas no fim, o Uivador é o resultado de várias pessoas trabalhando em grupo, com muito mais de mil e uma faces. Lisa ajudou a finalizar o Uivador sendo a primeira a combinar os melhores esforços: Derleth, Free, Sandy e Sullivan todos contribuíram com peças de um grande quebra-cabeça, todos fizeram seu melhor para conservar, criar e dar prosseguimento nos conceitos de horror de Lovecraft. Agora, esse horror assumiu vida própria e graças a uma nova geração de fãs, jogadores, artistas, etc, o horror irá durar além dos nossos sonhos mais loucos e além dos abismos mais escuros.
O interesse pela obra do escritor norte-americano H.P. Lovecraft cresceu muito nos últimos anos.
Não é de hoje que "o Criador do Horror Cósmico", deixou o anonimato que marcou sua vida, e passou a ser respeitado pelas suas fantásticas criações. Levou tempo, mas enfim, Lovecraft alcançou uma popularidade que ele mesmo, em vida, provavelmente jamais julgasse possível. Um autor, na melhor das hipóteses, subestimado em sua época, Lovecraft morreu na pobreza, quase desconhecido e praticamente esquecido. Publicado exclusivamente em revistas pulp, foi redescoberto décadas após a sua morte precoce aos 49 anos. Hoje ele é considerado um dos mais influentes autores do gênero Horror Fantástico.
Lovecraft e suas criaturas bizarras estão em todo canto: em filmes e séries, em video games, jogos de RPG, cartas e de tabuleiro, citado de forma recorrente no universo dos quadrinhos, na músicas e nas mais variadas mídias. Ele deixou de ser um autor de nicho e gradualmente fez a transição para o mundo das celebridades cult. Como negar a influência de Nyarlathotep, Shub-Niggurath, Yog-Sothoth e principalmente o Grande Cthulhu - monstros de nomes impronunciáveis, que galgaram as escadas rumo ao reconhecimento como personagens ilustres, parte de uma mitologia própria que a cada dia ganha mais fãs e se renova.
Contudo é curioso: Ainda que a fama de Lovecraft continue a crescer, não são muitos os que tiveram acesso a obra completa do autor. Conhecem, é claro, algumas de suas estórias mais famosas, aquelas que despontam como verdadeiros clássicos do gênero, mas desconhecem a extensão de sua bibliografia.
Lovecraft é um expoente do gênero. Não é exagero considerar que ele está no mesmo patamar de Edgar Alan Poe, Sheridan Le Fanu, Lorde Dunsany, Arthur Machen que o inspiraram e de autores modernos como Stephen King, Neil Gaiman, R.R. Martin e Clive Barker que reconhecem sua importância e que se dizem inspirados por ele. Lovecraft é essencial para todo fã e qualquer fã de horror.
Vou mais longe:: Uma coleção de livros de horror que se preze, jamais estará completa sem ao menos um título de H.P. Lovecraft. Mas muito melhor, é ter na prateleira uma antologia inteira dedicada a este célebre autor.
Lá fora, existem diferentes opções de antologias (verdadeiros tomos com mais de 1000 páginas) reunindo os principais contos, novelas e poesias de Lovecraft. São livros com edições incrivelmente caprichadas, à altura da importância do autor e de sua obra. Eu posso citar a excelente antologia "Necronomicon" da Golancz, a edição "The Complete Fiction" da Barnes & Noble e o "The New Annotated H.P. Lovecraft" lançada no ano passado pela Liveright. Todas elas são muito boas e altamente recomendadas, contudo o leitor brasileiro esbarra em uma série de obstáculos para colocar suas mãos nesses volumes, desde o preço (em dólar), passando pela própria compra que deve ser realizada em uma loja estrangeira (frete, local de entrega, cartão internacional, etc.).
O principal problema, contudo, diz respeito a barreira do idioma. Nem todos os leitores tem a facilidade de saber inglês, e mesmo os que sabem, enfrentam alguns percalços, já que o estilo da prosa de Lovecraft por vezes se mostra complexa, cheia de adjetivos e termos rebuscados. Quando li Lovecraft pela primeira vez, muitos anos atrás, precisei de um bom dicionário e mesmo assim, tive dificuldade em compreender tudo.
Lovecraft, é claro, já foi publicado no Brasil, em edições com altos e baixos, mas nunca tivemos algo parecido com as imponentes Antologias que incluem seus trabalhos considerados fundamentais. É por essa razão que o lançamento de "Grandes Contos", pela Editora Martin Claret deve ser festejado por todos os fãs e entusiastas da obra do digníssimo "Cavalheiro de Providence".
E imponência é o que não falta! O livro é um tremendo volume com capa dura e quase 1200 páginas reunindo as principais obras de Lovecraft ao longo de sua carreira.
Nessa antologia, o leitor encontrará os obrigatórios contos "The Call of Cthulhu", "Whisperer in the Darkness", "The Dunwich Horror", "The Shadow out of Time", "Dagon", além de estórias mais longas, no formato de novela, como "The Dream Quest of Unknown Kadath", "Mountains of Madness" e "The Case of Charles Dexter Ward". Também poderá conferir alguns contos menos conhecidos de Lovecraft, muitos dos quais escritos no início de sua carreira, como "The Tree", "Old Bugs" e "The Book", inéditos no Brasil.
Além dos contos, o leitor também terá acesso a "History of the Necronomicon" (um ensaio a respeito do mítico tomo profano criado por Lovecraft) e o notável "Supernatural Horror on the Literature" uma genial análise sobre o gênero Horror Fantástico.
A seleção inclui nada menos do que 46 trabalhos que cobrem várias fases do autor: a fase voltada ao horror gótico, a que se concentra na construção do Horror Cósmico, o Ciclo dos Sonhos e a fase que nos brinda com um misto de Horror e Ficção Científica. Mais do que apresentar o autor a novos leitores, a antologia permite conhecer as muitas facetas de H.P. Lovecraft e seu inquestionável talento como contador de estórias.
A introdução de Daniel I. Dutra se encarrega de esclarecer aos leitores quem foi H.P. Lovecraft, chamado por ele de "o homem que reinventou o horror". A apresentação cumpre seu propósito, sendo perfeitamente informativa, sem ser didática, o que a tornaria chata.
A tradução do material ficou à cargo de uma equipe experiente formada por Alda Porto, Lenita Rimoli Esteves, Vilma Maria da Silva e Paulo Cezar Castanheira. Na minha opinião, o trabalho deles foi muito feliz. Como eu disse, traduzir Lovecraft não é das tarefas mais fáceis, mas o grupo cumpriu seu trabalho à contento e os poucos deslizes (compreensíveis em uma obra desse tamanho!) não comprometem em momento algum o curso da leitura. Pelo contrário, gostei da forma como várias estórias foram traduzidas em especial "O Horror de Dunwich" e "A Sombra sobre Innsmouth" que sempre são um desafio, dada a grande quantidade de gíria presente. De um modo geral, a leitura flui tranquila, e não me recordo de ter encontrado nada na tradução que tenha me chamado a atenção negativamente. E isso, em se tratando de tradução é um ótimo sinal!
Falando do livro em si, é preciso render elogios à parte gráfica e diagramação.
Algumas antologias são editadas com papel muito fino, o que me incomoda um bocado na hora de virar as páginas - acidentes por vezes acabam acontecendo, o que dói no meu coração bibliófilo. Felizmente, o mesmo não acontece na edição brasileira. Apesar de ser uma edição robusta, as páginas tem uma boa gramatura. Outra coisa que me chamou a atenção foi a escolha de um papel com um tom amarelado meio envelhecido, com um toque esverdeado nas bordas. Imagino que essa escolha tenha sido proposital, uma espécie de tributo aos "tomos ancestrais" transbordando com "conhecimento febril e doentio" manifestado respectivamente no tom amarelado e esverdeado.
O livro não possui ilustrações ao contrário de algumas antologias estrangeiras, mas isso não constitui um demérito. Ilustrações seriam bem vindas, mas compreendo que a adição delas aumentaria ainda mais a extensão do livro. Em compensação, a primeira página de cada estória possui sobre o título uma silhueta tentacular que sem dúvida se refere ao Grande Cthulhu.
Grandes Contos tem uma encadernação imponente com capa dura que fica simplesmente linda na estante. A escolha da capa é de bom gosto, recorrendo uma vez mais aos tentáculos e um desenho agradável. Eu só achei o texto do verso pouco informativo, voltado mais para quem já conhece o autor, uma vez que não se preocupa em enaltecer sua importância além de uns poucos elogios. Uma foto de Lovecraft no verso (ao invés de um desenho) também seria mais interessante, contudo, não é nada que comprometa a imagem geral.
A Martin Claret fez um gol de placa com o lançamento dessa fantástica antologia, trazendo para o Brasil um volume único que reúne o melhor de H.P. Lovecraft.
Altamente recomendado para fãs de longa data e para aqueles que desejam descobrir o horror dos Mitos Ancestrais.
Ah sim, antes que perguntem, aqui está a lista completa dos contos presentes na antologia. Os contos mais conhecidos de Lovecraft estão presentes, com a lamentável ausência de "Herbert West - Reanimator" e de "Pickman`s Model", duas estórias importantes que podiam figurar na lista a seguir.
A fera na caverna
O alquimista
A tumba
Dagon
Além da smuralhas do sono
Old Bugs
A transiçãod e Juan Romero
A Nau Branca
A Rua
A maldição que atingiu Sarnath
A árvore
Os gatos de Ulthar
Do além
Nyarlathotep
O pântano da Lua
Os outros deuses
A música de Erich Zann
Hipnos
O que vem com a Lua
Azathoth
Entre as paredes de Eryx
O cão de caça
O medo à espreita
O festival
Debaixo das Pirâmides
O horror em Red Hook
O chamado de Cthulhu
A chave de prata
A estranha casa alta na névoa
A busca onírica da desconhecida Kadath
O caso de charles Dexter Ward
A cor que veio do espaço
O descendente
A história do Necronomicon
O povo antigo
O horror em Dunwich
Nas montanhas da loucura
A sombra sobre Innsmouth
Através dos portais da chave de prata
O perverso clérigo
O livro
A sombra vinda do tempo
O Assobrador das trevas
O navio misterioso
O horror sobrenatural na literatura
O livro está saindo por 129 reais (ou um pouco menos mediante uma busca) e pode ser adquirido através da loja online da Editora:
Woolpit é um pequeno e sonolento vilarejo inglês situado entre as cidades de St. Edmunds e Stowmarket no condado de Suffolk. Trata-se de um lugar pequeno que embora seja muito antigo e possua uma longa história, não chama a atenção por nada em especial, ou quase nada.
Existe uma lenda muito estranha contada há gerações em Woolpit. A estória teria surgido em algum momento do século XII e desde aquela época sofreu alterações, mantendo contudo a sua base e a estrutura central.
A lenda relata o misterioso aparecimento de duas crianças; uma menina e um menino, que tinham a pele marcada por uma incomum tonalidade esverdeada. Elas falavam um idioma estranho, mas eventualmente uma pessoa do vilarejo conseguir compreender o que elas diziam e traduziu suas confusas palavras. As crianças afirmavam ter vindo de um lugar mágico chamada Terra de St. Martin onde os habitantes tinham a tez naturalmente esmeralda. Segundo as crianças St. Martin se localizava no céu, sendo uma ilha flutuante onde sempre era dia e no qual o sol sempre brilhava. Na ilha existia uma única cidade, mas seus habitantes viviam em habitações subterrâneas alimentando-se exclusivamente de sementes verdes e da luz do sol.
Embora a lenda seja normalmente relevada ao reino do mito e folclore, é possível haver algo mais nessa inocente estória?
De acordo com o mito, as duas crianças permaneceram em Woolpit e foram batizadas pelos habitantes locais, que as adotaram. As crianças se tornaram uma espécie de atração e todos queriam conhecê-las e hospedá-las. Elas ficaram em Woolpit por várias semanas, sob os cuidados de um renomado dono de terras Sir Richard Calne, até que o menino adoeceu e morreu de uma moléstia desconhecida. A menina, no entanto, sobreviveu e passou a ser chamada de Agnes. Com o tempo, a cor esverdeada foi desaparecendo até sumir por completo, quando ela chegou a adolescência. Agnes teria continuado a viver no vilarejo, casou com um rapaz local que mais tarde se tornou embaixador de Henrique II. Ela teve quatro filhos, todas crianças nasceram com a coloração incomum, mas esta desapareceu poucos dias depois.
A estória foi encarada como uma simples fábula de contos de fada, com crianças vindas de uma terra mágica e flutuante. O típico background de um reino mítico e de faz de conta. Existem, no entanto, aqueles que acreditam em algo mais estranho e afirmam que as crianças verdes seriam ou alienígenas ou híbridos resultantes da mistura entre humanos e uma raça de seres extraterrestres. Na Idade Média, as pessoas não teriam capacidade de compreender a verdadeira origem das crianças e seria mais fácil criar uma alegoria para explicar de onde elas teriam vindo, daí o surgimento de St. Martin, uma terra que flutuava no espaço onde era sempre dia - talvez a descrição de uma estação orbital alinhada com a face do sol.
Os defensores dessa contestada teoria sugerem que as crianças teriam sido deixadas acidentalmente no planeta ou enviadas para colher informações sobre a vida dos habitantes. Alguns documentos encontrados por estudiosos citam que as crianças não apenas desconheciam o idioma, mas eram absolutamente ignorantes dos costumes e tradições mais simples. Não conheciam sequer o nome de comidas ou o gosto de frutas. Desconheciam também muitos objetos de uso diário e não faziam nenhuma ideia dos costumes religiosos amplamente praticados em toda região. Há um documento datado do século XIV redigido pelo monge William of Newburgh, um conhecido historiador medieval que viveu em Yorkshire. Ele que menciona a lenda das crianças verdes e fala dos jovens tendo descido dos céus em uma espécie de "barril metálico" que veio do céu. O tal barril (uma espaço-nave?) teria sido guardado na sacristia da Igreja de Woolpit, mas um dia o objeto simplesmente desapareceu.
Outra fonte para a lenda é reputada a Ralph of Coggeshall (que morreu em 1228), e que foi o abade chefe do Monastério de Essex entre 1207 e 1218. Em seus documentos, Coggeshall cita a lenda como um acontecimento real investigado por enviqados reais que se impressionaram não apenas com as declarações do bom povo de Woolpit - que juramentaram a narrativa dos fatos, mas por terem conhecido pessoalmente as crianças e atestado que elas eram incrivelmente inteligentes e prendadas. Segundo Coggeshall, a menina, posteriormente batizada de Berta (e não Agnes) aprendeu a falar o idioma inglês apenas ouvindo as pessoas ao seu redor. Berta tinha tamanha faciliadde para idiomas que aprendeu latim e francês em poucas semanas.
O mais curioso a respeito desse registro feito pelo abade é que ele foi incluído na Chronicon Anglicanum (A Crônica Britânica) um volume escrito sob ordens do Rei Stephen para conter toda a história das Ilhas Britânicas. Na época o Rei advertiu os autores de que superstição e crendices deveriam ficar de fora desse trabalho, já que ele deveria se concentrar exclusivamente em fatos e aconteciemtnos ligados a história britânica. Apesar da ordem real, o livro continha muitos trechos curiosos incluíndo o relato de avistamento de dragões, visitas ao reino dos elfos e sequestros orquestrados pelo temido povo fada.
A explicação mais razoável para o mistério pode ser também a mais simples.
Médicos contemporâneos sugerem que as crianças podiam sofrer de uma rara condição chamada Hypochromic Anemia, causada por uma dieta muito pobre em certos nutrientes e o consumo determinante de certas substâncias. Essa síndrome atinge as células vermelhas do sangue fazendo com que a pele assuma uma coloração esverdeada clara. A doença era conhecida até o século XVIII por um nome característico: Chlorosis. O termo formulado no início de 1600 pelo Professor de Medicina, Jean Varandal se referia diretamente a coloração verde-amarelada da pele das pessoas sofrendo do mal - a palavra Chloris significa esverdeado em grego. [E é o nome do elemento Cloro, que na natureza é verde amarelado]
Seria perfeitamente compreensível que as crianças de Woolpit fossem órfãos ou simplesmente tivessem sido abandonadas pelos seus pais e forçadas a sobreviver nas florestas dessa região selvagem. Na Idade Média o abandono de crianças em florestas era uma prática muito comum, sobretudo em épocas de grande privação, gerando seca ou fome. As crianças teriam vivido em condições bastante insalubres, sendo obrigadas a habitar cavernas no subsolo e sair apenas quando o sol estava alto, criando assim a crença em uma terra onde sempre era dia.
Há rumores que o idioma usado pelas crianças fosse algo semelhante ao flamenco, idioma usado pelos povos que viviam na atual Bélgica. Na época em que as crianças apareceram, inúmeros mercenários vindos das Terras de Flandres lutaram nas guerras britânicas. Muitos desses mercenários traziam consigo suas próprias famílias, mulheres e crianças que os seguiam onde fosse necessário. É possível que as crianças verdes fossem órfãos de uma dessas famílias que acabaram se perdendo em uma das majestosas florestas do interior da Grã-Bretanha. Para aumentar ainda mais as suspeitas dessa possibilidade, muitos desses mercenários que vieram combater, eram naturais de St. Martell, um nome incrivelmente próximo de St. Martin, a suposta terra mágica de onde as crianças verdes alegavam ter vindo.
Antropólogos que se dedicaram a estudar a lenda defendem que as crianças verdes poderiam ser um fenômeno de "crianças selvagens", tendo crescido nos recônditos florestais sem a supervisão ou proximidade de um adulto, desenvolvendo suas próprias regras e noções de sobrevivência. Encontradas próximas a cidades, essas crianças muitas vezes são incapazes de compreender as noções básicas da vida em sociedade e tendem a encontrar dificuldades para se adaptar. O aparecimento de crianças selvagens em várias partes do mundo - inclusive na Grã-Bretanha, é um acontecimento conhecido e analisado por especialistas em comportamento social.
Há ainda uma outra possibilidade, a de que, embora a estória esteja presente em duas fontes, não passasse de uma invenção dos cronistas da época. Sabe-se que embora os historiadores britânicos do período fossem surpreendentemente corretos ao descrever acontecimentos políticos e religiosos, também escreviam sobre eventos claramente absurdos.
Para aumentar ainda mais a estranheza da estória, eis aqui um detalhe final que torna a fábula ainda mais sensacional. No século XVI, um estudioso britânico que vivia em Suffolk e atendia pelo nome de Mark de Cloister, um alegado discípulo do Dr. John Dee, escreveu um tratado a respeito de acontecimentos trágicos e previsões obtidas por intermédio da astrologia e da comunicação com anjos - ou seja, ciência legítima para a época!
Cloister escreveu em seu tratado intitulado "Previsões para uma Era Tumultuada" que a Britânia e de fato, todo o mundo estaria próximo de entrar em um tempo de grande agitação política, culminando em guerras, genocídio e tragédias. O estudioso disse que o prenúncio dessa Era de Agitação ("A Time of Troubles") seria o surgimento de duas crianças gêmeas que seriam encontradas em uma floresta britânica. Essas crianças poderiam ser reconhecidas por ter a pele esverdeada "como as crianças surgidas no vilarejo de Woolpit durante a regência do Rei Stephen".
Ia além em suas previsões fantásticas, dizia que a aparição dessas notáveis crianças verdes predataria uma Invasão da Britânia por povos vindos das Terras do Norte, que teriam os cabelos claros e uma predisposição belicista. Estes conquistadores estariam dispostos a cruzar o Canal Inglês e marchar sobre as cidades britânicas incendiando todas aquelas que resistissem a sua investida. Por fim, a Inglaterra inteira arderia em ruínas.
Agora o mais fantástico: sabendo da lenda e de suas implicações como Propaganda de Guerra, os Nazistas usaram a estória das Crianças Verdes de Cloister para justificar uma vitória esmagadora sobre a Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra. Supostamente existiriam arquivos nos quais o Alto Comando Alemão conduziu investigações sobre o surgimento de crianças com a pele esverdeada na Inglaterra no início dos anos 1940, pouco antes da Guerra ser declarada. O Projeto era chamado Operação Grün Kinder. Sabendo do interesse dos Nazistas em lendas e crenças medievais, o rumor não é totalmente absurdo.
Seja como for, nenhuma "criança verde" foi encontrada em território britânico desde o século XII.
E desde então, para todos os efeitos, as Ilhas não foram invadidas por nenhum inimigo.
Demorou mas enfim consegui assistir o tão falado filme "A Bruxa" (The Witch/2016).
A produção chegou aos cinemas no início do mês de março, cercada de muitos comentários e rumores. Alguns alardeavam que ele seria o melhor filme de horror dos últimos cinco anos, talvez o melhor da última década. Um filme bem cuidado, bem interpretado, bem dirigido e com um roteiro simplesmente arrepiante. Sem dúvida, ele causou frisson e chocou as plateias nos festivais independentes onde foi exibido. Mais do que qualquer coisa, o filme ficou conhecido por ter recebido a chancela de Stephen King, que escreveu um comentário afirmando ser "A Bruxa" um dos filmes mais assustadores de todos os tempos.
Mas nem todos concordam. Junto com as críticas positivas e comentários elogiosos, pipocaram resenhas negativas. Pessoas que criticavam o ritmo lento, quase moroso da trama, que consideraram o filme monótono, um exemplo clássico de marketing que eleva uma produção mediana a um status que ela não merece. Propaganda sem conteúdo? Será?
Ouvi os dois lados e fui assistir tentando salvaguardar minha opinião, sem qualquer preconceito. Quando as letras dos créditos finais subiram, cheguei a duas conclusões:
1 - Pode não ser o melhor e nem o mais assustador filme de Horror que eu já vi;
2 - Mas mesmo assim, é um excelente filme de Horror.
A Bruxa é um daqueles filmes difíceis de se escrever uma resenha, mas decidi que ia comprar a briga de tentar falar a respeito. A gente fica em dúvida sobre o que pode escrever para não ir longe demais e entregar alguns elementos centrais. Eu precisei revisar esse texto duas ou três vezes para que não cometesse nenhuma gafe capaz de atrapalhar a diversão alheia, portanto, não há SPOILERS (pelo menos até o ponto com uma ENORME placa e um disclaimer. Leia até lá, sem medo!)
Primeiro é preciso dizer que o filme é visualmente impecável. A produção é incrivelmente bem cuidada e transmite um senso de realidade histórica que ajuda muito a construir a atmosfera em que o filme se passa. Cenografia, figurino, cenários, tudo é muito bem feito com atenção aos mínimos detalhes. Dizem que historiadores foram chamados para conferir a produção minuciosamente, chegando a apontar qual seria o tecido mais adequado para confeccionar as roupas e a maneira como determinados itens eram usados pelos colonos do século XVII, época em que se passa a estória. O resultado é impressionante. Você sente que a reconstituição funciona quando percebe a maneira pouco natural como os atores infantis se comportam em cena.
Mais do que o visual, o filme soa antigo. Os atores receberam aulas de gramática e dicção, na qual tiveram de aprender a forma como as pessoas na Nova Inglaterra falavam. O forte sotaque britânico e a maneira austera como os puritanos tratavam uns aos outros. Tentar entender esse filme sem o auxílio de legenda é uma tarefa no mínimo complicada dada a forma como os personagens falam. Dizem que a barreira do idioma constituiu um desafio para o público norte-americano, alguns tiveram dificuldade em compreender alguns trechos.
Filmado em uma fazenda abandonada no Canadá, cercada de densas florestas - muito parecidas com as matas originais da Nova Inglaterra, o ambiente reforça a aura opressiva da trama. A beleza primitiva da paisagem constantemente envolta por um nevoeiro cinzento e a forma como a floresta erma parece engolir a propriedade, chega a dar nos nervos.
Centrado na região de Salem em 1630, algumas décadas antes dos infames julgamentos de Caça às Bruxas, que colocaram essa região rural nos livros de história, "A Bruxa" acompanha os passos de uma família através da histeria religiosa e loucura que imperavam na época. O diretor Robert Eggers faz uma estreia impressionante, arriscando ao misturar elementos de ceticismo com indícios inquietantes de sobrenatural. Ele não permite ao espectador definir se o que está acontecendo é real ou se não passa da imaginação dos personagens. O resultado leva a dúvidas e questionamentos que nos acompanham até a última e devastadora cena.
Com uma direção estilizada e claustrofóbica, o filme, embora seja uma produção de orçamento modesto, consegue provocar arrepios recorrendo somente ao clima e a aura de estranheza. Não há truques de cena, praticamente nenhum efeito especial mirabolante. A Bruxa é um filme que propositalmente demora a engrenar. A estória vai amadurecendo lentamente, por vezes nada acontece, mas mesmo assim, permanece uma sensação inquietante no ar.
O isolado local escolhido pelo casal William e Katherine para viver não parece ser o mais adequado, mas é o único para onde eles poderiam ir. Banidos de um rústico assentamento colonial em Massachusetts após discordar de um ponto de vista religioso, os dois são forçados a empreender uma viagem rumo ao interior em busca de um lugar onde possam construir sua fazenda e criar seus cinco filhos. A família se estabelece na borda de uma floresta e lá tenta domar a natureza e superar as adversidades que se multiplicam. E haja dificuldades! Lá pelas tantas, a gente se pega pensando como a vida dessa gente devia ser desgraçada e triste. Tudo se resumia a trabalhar duro, rezar, comer, dormir e começar tudo de novo no dia seguinte. Não havia alegria, não existia satisfação ou felicidade, tudo é cinza.
Cada personagem é apresentado e tem um papel bem definido nos acontecimentos e no drama que se segue. O pesadelo da família começa quando o filho mais jovem, o bebê Samuel desaparece misteriosamente enquanto estava sob os cuidados de sua irmã Thomasin. Quase imediatamente nós temos um vislumbre perturbador do destino da criança, na forma de um sangrento ritual de bruxaria, embora não fique claro se a imagem comprova que há algo diabólico acontecendo ou se ela não passa dos temores vívidos dos pais. Uma vez que o bebê não havia sido batizado, eles temem que a alma de Samuel esteja fadada a arder no Inferno.
Thomasin, a primogênita acaba sendo culpada pelo desaparecimento de Samuel, atraindo olhares de reprovação e censura, sobretudo da mãe. A menina, logo se torna o bode expiatório de todos, um símbolo conveniente do fracasso e dos erros do clã. Enquanto Katherine se refugia no quarto, lamentando e rezando pela alma de seu filho, ela amargamente culpa Thomasin pela negligência, a despeito dos protestos da menina que afirma não ter feito nada de errado. William, embora não culpe a filha e atribua a tragédia ao ataque de lobos, também sofre com o peso de sua teimosia. Foi por causa dele que a família teve que deixar a segurança da vila e se lançar no desconhecido. Para piorar as coisas, a colheita da fazenda, essencial para os meses vindouros, acaba não vingando. Sem o apoio de vizinhos e amigos, sua situação no inverno será complicada.
Lutando para ajudar da melhor maneira possível, Caleb, o segundo filho faz tudo ao seu alcance aventurando-se com o pai na floresta em busca de comida e de peles. Mas tudo parece fadado a dar errado para a família, William acaba se ferindo numa expedição de caça, seu cão é morto e ele passa a ter certeza que eles estão sofrendo algum tipo de maldição. Caleb acredita na inocência da irmã, mas o pobre rapaz sofre com o isolamento, seus olhares cada vez mais indiscretos para Thomasin fazem com que ele fique remoendo a culpa.
O círculo familiar é completado pelos gêmeos Mercy e Jonas, duas crianças endiabradas que estão convencidas que Thomasin não apenas abandonou Samuel na floresta, mas que de alguma forma é culpada de coisas muito piores. Elas acreditam que a irmã se associou com uma misteriosa bruxa e que firmou um pacto usando como interlocutor o bode da família, um bicho medonho chamado Black Phillip.
O bode negro é quase um membro da família e está sempre observando os acontecimentos atentamente. É claro, o animal é um símbolo frequentemente associado ao diabo e a forma como ele transita pelo pano de fundo deixa os espectadores em alerta. Cada vez que os gêmeos mencionam que viram Thomasin conversando com Black Phillip a respeito de bruxaria, ficamos com a pulga atrás da orelha imaginando se os pestinhas estão falando a verdade ou inventando tudo.
A medida que o filme progride as coisas pioram e indícios de uma presença maligna vão se tornando cada vez mais claros, quase como se os cascos do diabo deixasse um rastro na lama da fazenda. Repleto de situações corriqueiras transformadas em episódios inexplicáveis, a Bruxa não recorre a nada além da imaginação do espectador, incentivando que ele desenvolva sua própria paranoia e ofereça suas explicações.
Os personagens experimentam uma progressiva degeneração emocional e psicológica, bombardeados por incidentes inexplicáveis, eles começam a temer não apenas pelas suas vidas, mas pelas suas almas imortais. Willian ainda repete que tudo não passa de um teste: "Deposite sua fé nas mãos de Deus", ele repete exaustivamente, mas mesmo o patriarca já não parece acreditar na salvação. Para todos os efeitos o sentimento de isolamento é completo. No coração de um vazio selvagem, ninguém será capaz de ouvir seus gritos ou atender seus pedidos de clemência. Abandonados por tudo e por todos, até pela própria esperança, nada mais resta a eles senão esperar pelo pior (e se desesperar).
Com um elenco composto por dois atores de Game of Thrones (os pais, Ralph Ineson e Kate Dicki) e por crianças talentosas dirigidas com uma mão firme, os protagonistas são responsáveis por assegurar a credibilidade do roteiro. Um elenco diferente talvez não conseguisse traduzir para a tela as aflições das personagens. O respeito com que o roteiro trata os personagens também faz a diferença... ele escapa da armadilha fácil de retratar os membros da família como idiotas supersticiosos, e os apresenta como pessoas normais do período. Anya Taylor-Joy que interpreta Thomasin também tem uma atuação beirando a perfeição, oscilando entre a insegurança de uma criança tratada como adulta e a injustiça a que é sujeita por todos aqueles que deveriam protegê-la.
A Bruxa é um pouco provável misto de "As Bruxas de Salen" e "O Iluminado" (que o diretor cita como uma inspiração imediata e um de seus filmes favoritos). É fácil encontrar um ponto comum no gritante isolamento e na majestosa paisagem que torna a presença humana insignificante. Assim como o Hotel Overlook funcionava quase como uma entidade, a natureza em "A Bruxa" também parece observar cada instante do núcleo familiar. Há também algo de "O Exorcista" na densidade dramática e na sensação de que um mal invisível está espreitando, se acumulando como uma imensa tempestade prestes a desabar sobre a cabeça de todos.
A Bruxa também poderia ser um drama, nos moldes de "A Fita Branca", sobre as relações de uma família levada aos extremos e a deterioração dos laços de sangue quando confrontados com uma situação limítrofe. Abordados pelo medo primitivo, os vínculos familiares vão se tornando cada vez mais finos e sobram acusações e suspeitas. O resultado óbvio é a desintegração de qualquer elo, descambando para violência, crueldade e um sentimento de cada um por si. Apesar do título, a bruxa, se é que ela existe, atua apenas nos bastidores deixando a família afundar lentamente na insanidade que ela mesma promove.
Mas a questão que não quer calar é: existe algo de realmente aterrorizante em A Bruxa que justifique o burburinho a respeito do filme?
A resposta não é tão simples.
Por um lado, a Bruxa pode parecer um filme monótono, no qual muito pouca coisa sinaliza com horror legítimo, mas para quem se deixar levar pela história e cede ao apelo da trama, haverá arrepios de sobra. A maneira como a mera sugestão do mal consegue se insinuar e devastar com a dinâmica familiar é chocante o suficiente para causar desconforto nos mais calejados fãs do horror.
Não espere por sustos fáceis, imagens grotescas de tortura (esse "torture porn" que tomou conta do gênero!) ou monstros bizarros, o horror aqui é sugerido nas entrelinhas, mas nem por isso é menos perturbador. Assista e tire suas próprias conclusões.
E agora, chegando ao final da resenha, vou pedir perdão aos leitores e incorrer em SPOILER por que ao meu ver uma resenha desse filme não poderia estar completa sem um adendo a respeito de seus minutos finais.
Pare então nesse ponto pois as linhas a seguir contém revelações do filme. Sinta-se a vontade para retornar aqui depois de assistir, ou siga em frente se achar que isso não vai influir no seu entretenimento...
Seja como for, esteja avisado.
A razão pela qual eu separei esse trecho final da resenha é por que eu estava doido para falar a respeito do final acachapante desse filme que me deixou realmente arrepiado.
Como disse, A Bruxa não é o filme mais apavorante que eu já assisti, mas o final é daqueles que equivalem a um soco na boca do estômago, do tipo que deixa a gente sem ar por algum tempo.
Nos minutos finais, a conversa entre Thomasin, a única sobrevivente da família com Black Phillip é um trecho absurdamente sinistro não apenas pela estranheza que permeia toda cena, mas pela escolha de uma voz vazia e destituída de qualquer emoção humana para representar o colóquio entre a menina e o demônio. Mais tenso do que a voz suspensa no ar, são as palavras escolhidas pelo "coisa ruim" que soam pegajosas. A cena me remeteu a raposa falante ("Chaos Reigns") do filme Anticristo e ao Satanás disfarçado de criança em "A Última Tentação de Cristo", ambas representações discretas e chocantes do mal em estado físico.
Eu reproduzo abaixo o diálogo na minha opinião um dos mais perturbadores que já vi:
Thomasin:Black Phillip, eu vos invoco para falar comigo. Falai como fazia com Jonas e Mercy. Vós entendeis a língua inglesa? Respondei.
Black Phillip:O que vós quereis, filha?
Thomasin: O que podeis me dar?
Black Phillip:Queres sentir o sabor de manteiga e ter um vestido bonito? Queres viver deliciosamente?
Thomasin:Sim.
Black Phillip:Queres ver o mundo?
Thomasin:O que vai ser de mim?
Black Phillip:Vês esse livro? Abre suas páginas...
Thomasin: Eu não posso escrever meu nome.
Black Phillip:Eu guiarei vossa mão, criança.
O trecho final que menciona o tal livro se refere a uma das crenças mais disseminadas entre os puritanos, a de que Satã oferecia um mundo de prazeres em troca de assinar o próprio nome (em geral com sangue) nas páginas de um grande livro. Uma vez assinado o nome, a alma da pessoa passava a pertencer ao Inferno, simbolizando que para sempre ela havia rompido com a fé cristã.
A forma como o demônio, falando por intermédio de Black Phillip oferece tão pouco para a menina (O Gosto de manteiga? um vestido bonito?) e ela aceita de bom grado, é perturbadora.
Deixando o celeiro onde firmou o pacto, a menina caminha para o lado de fora e encontra um cabal de bruxas dançando nuas ao redor de uma fogueira, comungando com as trevas e flutuando no ar (teriam usado a gordura extraída do bebê Samuel para esse feitiço como se acreditava na época?).
Thomasin caminha vacilante para assumir seu lugar entre as Bruxas. Suas irmãs. Sua nova família.
Tenho alguns amigos que comentaram que o filme seria perfeito se tivesse terminado antes desse trecho apoteótico, mas na minha opinião o final faz todo sentido e completa a trama com chave de ouro. Ainda subsiste a suspeita de que tudo poderia ser uma enorme alucinação, mas no fundo, sabemos que é a verdade e que o mal sempre esteve espreitando, aguardando para perverter a inocência de Thomasin.
Um final perfeito para um filme de horror bem acima da média.