sábado, 29 de junho de 2013

Violência Sagrada - A tênue linha entre fervor religioso e loucura no Culto dos Circunceliões


O nome "Circuncelião" parece saído de alguma ficção científica de qualidade duvidosa. Um tipo de raça alienígena ou algo assim. Na verdade a palavra "Circuncelion" da qual o termo decorre, significa em latim "camponeses que andam por aí".

Nada muito glamouroso.

Mas quem diabos foram os Circunceliões e porque estamos falando deles em um blog de horror lovecraftiano?

Os Circunceliões foram um culto cristão que existiu no século quarto até meados do quinto. Suas práticas religiosas consistiam em crenças no mínimo incomuns. Basicamente, o objetivo desses cultistas fanáticos era chegar até Deus o mais rápido possível, pois eles acreditavam que a Terra (e nossa existência aqui!) maculava de alguma maneira a perfeição da obra divina. 

Infelizmente, como a morte é a única maneira de alguém conhecer o criador, os Circunceliões ficavam frustrados em suas pretensões pois, ninguém sabia quando ia morrer. Eles compreendiam muito bem que suicídio era considerado um terrível pecado e que sua prática levaria suas almas para o "lugar errado".

Então o que alguém que quer morrer (mas não pode se suicidar) precisa fazer para atingir seu objetivo?

Bem, um membro poderia matar o outro, mas isso condenaria o assassino ao inferno, então nada feito.

Os Circunceliões precisavam encontrar alguém, de preferência um infiel que os matasse. Com esse objetivo, eles andavam por aí, aos bandos, encontrando viajantes nas perigosas estradas da época, com o propósito de puxar briga e fazer com que estes reagissem e os matassem.

Pode parecer ridículo, mas é a mais pura verdade.
  
Embora haja um mito de que a cristandade tenha se iniciado como uma igreja monolítica, os primeiros séculos foram um período muito estranho com grupos competindo e divergindo quanto a questões doutrinárias e políticas. Disputas religiosas podiam surgir de um momento para o outro, pelas razões que hoje consideramos absolutamente triviais. Um grupo, por exemplo, podia determinar que Cristo se manifestava na natureza, em espinheiros sagrados, como os que existiam na Grã-Bretanha do século V. E quando essa crença era colocada em dúvida, a resposta em geral era violenta. Quando espinheiros foram destruídos em um vilarejo por um outro secto, os seguidores do espinheiro santo massacraram os hereges. 

Outro grupo podia dizer que Cristo não salvaria os que não tivessem se dedicado a guardar o silêncio, jejuar e deixar crescer uma longa barba e unhas. E quando eles encontravam alguém que mantinha um bom asseio e higiene ou gostava de uma boa conversa, se sentiam ultrajados ao ponto de exterminá-los. 

Cultos assim surgiam em todo canto, tentando por conta própria interpretar passagens obscuras de livros sagrados e textos gnósticos afirmando ser uma determinada conduta a mais correta que a outra. E em geral, em meio ao fervor e "certeza" eles não estavam muito dispostos a discutir suas bases doutrinárias. Quem os questionava, era um inimigo de sua fé e portanto devia ser removido. 

Os Circunceliões eram um grupo dessa natureza. Eles apareceram no Norte da África em uma das fronteiras mais distantes e decadentes do Império Romano já em vias de esfacelamento. Seus membros eram radicais que combatiam o modo de vida dos romanos e detestavam tudo o que eles haviam construído. Roma no entender dos Circunceliões era o Império mais corrupto da Terra, pois sob sua égide, Cristo havia sido crucificado.  

Mesmo para os padrões de estranheza da época, eles tinham um comportamento bizarro.

Os Circunceliões não trabalhavam, não plantavam, não colhiam e repudiavam as cidades, acampando do lado de fora dos povoados e rezando dia e noite para que Deus os chamasse. Eles viviam de ofertas e doações e segundo o relato de um historiador, quando uma tempestade se aproximava corriam enlouquecidos tentando ser atingidos por raios.

Historiadores afirmam que os Circunceliões surgiram a partir dos Donatistas, um secto que tinha um sistema de crenças incrivelmente complexo considerando o martírio a máxima virtude do ser humano. Incorporando a crença dos Donatistas, os Circunceliões passaram a perseguir o martírio... a qualquer custo.

De acordo com os evangelhos, Jesus disse a Pedro para baixar a espada no jardim de Gethsemane, pouco antes da sua prisão. Muitos cristãos interpretavam esse ato como uma demonstração de pacifismo e negação à violência. Os Circunceliões, ao invés disso, acreditavam que a passagem significava que um cristão não deveria usar armas de lâmina afiada. Mas os evangelhos nada diziam a respeito de paus, pedras e dos ENORMES PORRETES que eles chamavam de "israelitas".


Usando seus "israelitas", os Circunceliões saiam pelas estradas em busca de algum viajante que eles pudessem atacar e provocar. Eles o importunavam e assustavam, esperando que ele de alguma maneira reagisse à altura. Enquanto isso gritavam "Laudate Deum!" (Glória à Deus!). Em face da sua violência e brutalidade, o bando passou a ser conhecido como "agonistici", que é a raiz da palavra "antagonista".

O alvo predileto dos Circunceliões eram soldados, bandidos e estrangeiros que diante de uma turba enlouquecida, acabavam pegando em armas para se defender.

Uma vez que os Circunceliões estavam destinados a serem mártires, eles não se importavam com coisas transitórias como castidade e pobreza. Eles acreditavam que o martírio lavaria todos os seus pecados e os faria renascer na presença de Deus não importando que pecados tivessem cometido em vida. Frequentemente bêbados, para ganhar coragem diante da morte, os Circunceliões costumavam roubar aqueles que se negavam a enfrentá-los (uma espécie de tributo) e por vezes também se dedicavam a estuprar, destruir plantações e atear fogo a propriedades.

Os rituais do bando envolvia a prática de "contar estórias" e compartilhar as ações de seus membros que atingiram o martírio. Eles também fantasiavam como ocorreria o encontro com Deus - no paraíso, e quais seriam as vantagens na outra vida. 

Os Circunceliões chegaram a contar com alguns milhares de membros em algum momento do século quarto, o auge do movimento. 

As guerras do período eram momentos gloriosos que permitiam aos circunceliões atingir seu objetivo. Guerras faziam aflorar o medo e nada melhor do que o temor para motivar alguém a matar um maluco descontrolado. Inúmeros Circunceliões teriam sido mortos por povos árabes. Há registros de que alguns Circunceliões teriam sido aprisionados, torturados e afogados por governantes do Norte da África que não estavam dispostos a tolerar suas sandices.

Mas a loucura dos Circunceliões por vezes era seu maior problema. Um governador da região da Dalmácia (atual Romênia)  acreditando que o secto era composto de loucos ordenou que nenhum Circuncelião fosse morto em seus domínios, uma vez que as leis proibiam a execução de doentes mentais. Como resultado, centenas de Circunceliões se atiraram em um precipício quando souberam que os dálmatas não os matariam de bom grado. 

O hábito de se atirar de penhascos passou a ser aceito pelos Circunceliões e logo centenas deles mergulhavam em queda livre, sendo considerados verdadeiros mártires pelo seu ato.

Eventualmente o culto acabou sofrendo o mesmo destino que recai sobre cultos suicidas -- ele terminou em face da grande redução de seus membros. Os Circunceliões no final do século V, já eram um movimento religioso quase inexistente. Seus poucos membros, aqueles que "ficaram para trás" aceitaram fazê-lo apenas para preservar a memória dos mártires.


Se você é um cristão, saiba que deve-se aos Circunceliões dois princípios que por muito tempo nortearam a cristandade. A "guerra justa" e a "consciência religiosa" foram formuladas por Santo Agostinho tendo esse obscuro culto como base.

O princípio da "guerra justa" foi escrito por Santo Agostinho (um dos maiores sábios da Cristandade) como resposta a pergunta: "Um cristão pode se defender com violência, caso seja atacado por Circunceliões?", pergunta que Santo Agostinho respondeu positivamente, afirmando que a violência é justificável em defesa própria para preservar a vida. Princípio usado até os dias de hoje.

Já a "consciência religiosa" é o princípio através do qual, pessoas podem atribuir a sua crença religiosa fatores que as impeçam de prestar serviço militar ou participar de guerras. Santo Agostinho usou os Circunceliões como exemplo, afirmando que nenhum homem poderia ser forçado a uma determinada ação, se esta fosse contrária às suas crenças religiosas mais profundas. A maioria dos países, inclusive o Brasil, permite a isenção do serviço militar em face desse princípio.

Ok, mas porque estamos falando desses malucos que desapareceram em algum momento do século V?

Francamente, porque buscar no mundo real parâmetros para a ficção é um exercício bastante interessante. Por mais bizarro em que fosse, esse culto de fato existiu e as provas factuais de sua existência tornam plausíveis coisas absurdas, como cultos fictícios devotados às blasfemas entidades do Mythos. Não a existência das criaturas, mas a crença na existência delas seria tão impensável?

Os Circunceliões são um exemplo inquestionável do que fervor religioso misturado a ideologias e doutrinas pode proporcionar. 

Para existir, uma religião precisa apenas de uma coisa: pessoas que acreditem inquestionavelmente em uma mesma crença por mais estranha, incomum e absurda que ela seja. Se um bando de pessoas, milhares segundo fontes históricas, acreditavam que morrer através do martírio era algo desejável e que provocar as pessoas para chegar a isso era um método válido, seria demais ponderar sobre a viabilidade de cultos apocalípticos venerando deuses inumanos e seres alienígenas?

H.P. Lovecraft certa vez escreveu: "Eu não escrevo apenas sobre ficção, mas a respeito de uma ficção possível que poderia vir a ocorrer se estivessem presentes os elementos adequados".

Um Culto de Cthulhu, por exemplo, é à primeira vista inegavelmente absurdo. Mas podemos dizer que tal culto seria impossível de existir se um grupo de fanáticos estivesse disposto a realmente crer na existência do Grande Cthulhu?

A cegueira da razão pode muito bem, vir a ser a iluminação espiritual de outros...

"Laudate Deum!"

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Elder Sign - Explorando um museu na esperança de salvar Arkham nesse Boardgame


A existência de exóticos objetos e artefatos ligados ao ocultismo em exposição no museu, representa uma nova ameaça para a cidade de Arkham. Esses itens enfraquecem a barreira entre as dimensões, permitindo a abertura de portais e a invasão de terríveis monstros que por sua vez preparam o caminho para a chegada de algo ainda mais terrível, um dos Grandes Antigos que deixará a Terra e a humanidade em escombros. Apenas um grupo de dedicados investigadores possui o conhecimento e a coragem, e talvez os aliados e ferramentas, para utilizar misteriosos Símbolos Ancestrais capazes de selar os portais e evitar a chegada desse mal ancestral.

Esta é a premissa central de Elder Sign (Símbolo Ancestral), jogo de tabuleiro dos mesmos criadores de Arkham Horror e Mansions of Madness (leia as resenhas desses jogos no final do artigo). Trata-se do terceiro jogo de tabuleiro da empresa Fantasy Flight inspirado pelos contos e estórias de horror de H.P. Lovecraft. Elder Sign assim como os anteriores é um jogo cooperativo para dois a oito participantes, com um tempo de jogo médio de duas horas. O elemento cooperativo significa que os demais jogadores não disputam entre si, o oponente é a própria mecânica do jogo. Através de um elegante sistema de regras, os jogadores não apenas terão um tempo limite para vencer o jogo (impedindo a chegada do Antigo), mas irão precisar, a cada etapa, lidar com desafios que irão surgindo para testar suas habilidades. Para enfrentar esses desafios, e também para encontrar itens úteis na sua missão, os investigadores tem de explorar cada ala do museu e enfrentar o que quer que se esconda nos salões da exposição.  


Elder Sign possui cartas de vários tamanhos e formas, peças (counters), um "relógio" para marcar a passagem do tempo e um conjunto de dados personalizados. 

As cartas grandes são divididas entre o Baralho dos Investigadores, Aventuras e Grandes Antigos, enquanto as cartas menores contém Itens Comuns e Únicos, Magias e Aliados - elementos que beneficiam os Investigadores e concedem a eles vantagens e ferramentas para cumprir as tarefas. Em contraste, existem ainda as Mythos Cards que descrevem eventos, efeitos e acontecimentos desagradáveis que ocorrem sempre que o Relógio marca meia-noite e permanecem ativos no jogo até uma volta completa do ponteiro.

O jogo oferece dezesseis personagens para serem usados pelos jogadores como Investigadores do Sobrenatural. Cada um deles possui itens iniciais, um determinado número de pontos de Resistência e Sanidade e habilidades especiais únicas. Para quem está familiarizado com os demais jogos da Fantasy Flight, encontrará alguns personagens recorrentes. O mágico Dexter Morgan por exemplo é um mágico que estudou magia real, sempre que ele receber uma carta de magia no decorrer do jogo, ganhará uma extra. Enquanto isso, Gloria Goldberg, a escritora foi abençoada com uma sensibilidade psíquica que permite receber um dado extra em determinadas circunstâncias.


Durante o jogo, os Investigadores enfrentam um dos oito Grandes Antigos. Eles incluem criaturas saídas dos cenários lovecraftianos: Azathoth, Cthulhu, Hastur, Ithaqua, Nyarlathotep, Shub-Niggurath, Yig, e Yog-Sothoth. Cada um demanda um determinado número de Símbolos Anciões (os Elder Signs) para que a ameaça que eles representam seja vencida. Um Grande Antigo desperta de seu sono quando o Doom Track (uma cartela com um determinado número de espaços) é totalmente preenchida e aí não resta alternativa senão enfrentar o monstro e suar a camisa para derrotá-lo. Cada um dos Grandes Antigos possui seus próprios poderes e fraquezas e vão exigir uma tática específica para serem vencidos.


As cartas de aventura possuem cada uma um título, um valor de recompensa (Trophy Value), um texto evocativo e um grupo de tarefas que precisam ser completadas se o investigador quiser ser bem sucedido na aventura proposta. É claro, tudo isso tem um lado ruim: uma penalidade caso o investigador falhe em sua tentativa de resolver as tarefas naquela carta. A boa notícia é que solucionando uma carta, o jogador ganha uma recompensa e faz progresso no jogo. 


As tarefas envolvem rolar dados e tentar obter as combinações corretas conforme mostrado na carta, algumas são mais fáceis, outras vão ser bem difíceis de serem obtidas.

Falhar na resolução de uma Adventure Card tem um custo de Sanidade, Stamina ou das duas coisas. Uma falha pode ocasionar a aparição de um monstro, o avanço do relógio ou até colocar mais uma peça no Doom Track. Mas sem um pouco de risco, não há benefício. Recompensas na forma de Itens, Magias e aliados, bem como Elder Signs e Clue Tokens devem ser conseguidos dessa forma. Nem todas as recompensas são boas, algumas vão ser mais úteis que outras, mas o fator inesperado é um dos atrativos do jogo.


As cartas pequenas representam os Itens (comuns e únicos), as Magias e os Aliados. Essas cartas são úteis no momento de resolver as tarefas pois adicionam dados ao seu rolamento, permitem rolar novamente resultados ruins; permitem recuperar pontos perdidos, ou no caso de algumas magias permitem que rolamentos bons sejam mantidos para usar em futuras tarefas. Os Aliados concedem algumas habilidades especiais, como por exemplo Richard Upton Pickman que pode alterar resultados rolados. 


As Cartas do Mythos (Mythos Cards) estão lá para criar caos e confusão, elas tem dois efeitos básicos: o primeiro entra em ação imediatamente, mas seus efeitos cessam. O segundo tem uma duração mais longa, mantendo-se ativo até que uma nova carta elimine sua ação. O propósito desses efeitos são criar distrações e atrapalhar as ações dos jogadores, tornando a missão deles ainda mais complicada.  


O jogo inclui peças que representam a Sanidade, Stamina, os Personagens, Clue Tokens (pistas, que permitem ao jogador re-rolar o dado), marcadores do Símbolo Ancião e do Doom Token. As peças são feitas em papelão resistente e fornecem um atrativo visual bem evocativo. Os que conhecem a qualidade dos jogos da Fantasy Flight sabem do cuidado que a empresa tem com o lado visual e não vão ficar desapontados com o alto padrão do material que compõe a caixa. Os desenhos e ilustrações são ótimos abordando o universo de H.P. Lovecraft em detalhes. Todos os componentes evocam uma perfeita sintonia da mecânica com o tema da ambientação. 

Também temos peças que representam os monstros invocados durante o jogo e que também funcionam como um elemento aleatório de risco para completar as missões.

O componente final do jogo é o Relógio de Ponteiros (feito de papelão) que serve para marcar a passagem do tempo e determinar quando novas cartas do Mythos serão viradas. 


Os dados são o coração do jogo, eles são usados ao longo da partida para que os jogadores tentem completar as tarefas listadas nas Cartas de Aventura. Os dados vem em três cores. Os seis dados verdes são os mais comuns e são rolados quando qualquer tarefa é tentada. O dado amarelo possui resultados melhores do que os verdes, enquanto o vermelho é ainda melhor. Em geral, é preciso empregar uma carta de item, magia ou aliado para ter acesso a dados de outras cores além dos verdes. Saber o momento certo de usar uma dessas cartas e obter a vantagem faz parte das manhas que aos poucos se aprende com o jogo.


Os preparativos para jogar Elder Sign não tomam muito tempo. Cada jogador escolhe (ou sorteia) um personagem e recebe seus itens iniciais. Um Grande Antigo é selecionado e colocado na mesa ao lado do relógio, marcando meia-noite. No início do jogo, são reveladas seis Cartas de Aventura para onde os investigadores podem convergir. Na primeira rodada também se abre uma Carta do Mythos para apimentar as coisas.

Em sua rodada, o jogador envia seu personagem para uma das salas representadas pelas Adventure Cards. Ele apanha os dados verdes, faz os ajustes e emprega seus itens para melhorar suas chances de sucesso na tarefa. Como fito, o jogador precisa rolar os dados e igualar os símbolos no dado com aqueles que estão na Adventure Card. Cada vez que ele consegue uma sequência correta, os dados são colocados sobre ela. A cada falha ele precisa descartar um dado reduzindo as suas chances de sucesso. Se ele conseguir completar as tarefas propostas recebe as recompensas listadas na carta. Se falhar, o investigador sofre as consequências conforme descrito. 

Alternativamente, o jogador pode enviar seu personagem até a Entrada do Museu para vasculhar itens, curar seus ferimentos ou restaurar pontos de Sanidade perdidos.


Tão logo a rodada dos investigadores se encerra, o relógio avança um quarto de dia. Cada vez que ele atinge a meia noite uma nova Carta do Mythos entra na partida. Como os efeitos variam enormemente é correto afirmar que uma partida sempre será diferente da seguinte em matéria de dificuldade e desafio. A cada meia noite, o Grande Antigo também chega mais perto através da Doom Track.  

Os invetsigadores também podem optar por enfrentar um monstro. A mecânica é semelhante a das tarefas nas Cartas de Aventura, com o investigador tendo de rolar dados e obter combinações de símbolos iguais às descritas na carta do monstro. Se ele conseguir a combinação, o monstro é derrotado, se não... bom, as criaturas do Mythos podem ser bastante malvadas.

Se a sanidade ou a Stamina de um Investigador for reduzida a zero, ele é destruído física ou mentalmente pelo horror. Em termos de jogo, é devorado! O jogador então terá de escolher um novo personagem, com novos itens e estratégias. Ele perde tudo aquilo que conquistou com seu personagem anterior.

Vencer uma partida de Elder Sign não é nada fácil, a missão é dificultada a medida que Cartas do Mythos que permanecem ativas limitam as opções dos investigadores e amarram o seu progresso. Monstros também começam a infestar o tabuleiro o que cria complicações, sobretudo porque alguns monstros possuem o poder de "prender dados" dificultando ainda mais a resolução das tarefas. 


Uma estratégia bem pensada e distribuída entre os jogadores é um dos segredos para o sucesso. É claro, os jogadores de primeira viagem irão sofrer um pouco até se habituar a mecânica, mas o jogo não é tão pesado quanto pode parecer e logo todos começam a pegar as manhas, descobrindo que trabalho de equipe, organização e um pouco de sorte serão essenciais para vencer.

O livro de regras talvez seja um pouco sucinto com suas breves 12 páginas, mas ele possui exemplos de jogo e uma série de dicas para resolução de questões relativas a mecânica. É claro, importante que os jogadores (ou pelo menos um deles) esteja bem familiarizado com as regras para que possa ensinar aos outros. O ideal, no entanto, é que todos leiam as regras e estejam minimamente cientes da mecânica para não haver atrasos que podem amarrar a agilidade do jogo.

Em comparação com outros jogos da Fantasy Flight com a temática centrada nos contos de H.P. Lovecraft, Elder Sign é consideravelmente mais simples, mais direto e rápido. Os preparativos e a explicação para começar o jogo são mais rápidas o que o torna ideal para grupos de iniciantes tanto no universo dos boardgames quanto do Mythos de Cthulhu. Sem dúvida, um jogador que conheça a mitologia lovecraftiana irá aproveitar bem mais a temática e reconhecer alguns elementos abordados. 

Alguns críticos dizem que a mecânica de Elder Sign privilegia demasiadamente o lado de sorte do jogo, resolvendo boa parte dos acontecimentos com base em rolamentos de dados, contudo o jogo permite uma boa parte de tática, deixando nas mãos dos jogadores as decisões sobre quando usar uma vantagem ou quando guardá-la para outro momento do jogo. Pessoalmente eu achei o jogo muito bom e se ele não é tão complexo quanto Arkham Horror, ou tão direcionado para uma estrutura de investigação quanto Mansions of Madness, ele é extremamente divertido (e mais rápido!) 

Com oito inimigos principais (bosses) a serem enfrentados e quarenta e oito opções de Cartas de Aventura, dezesseis personagens para serem interpretados na caixa básica, Elder Sign possui grandes chances de ser jogado muitas vezes antes de repetir um mesmo cenário. Mas não se preocupe, o tema oferece várias opções para expansões e a Fantasy Flight costuma lançar várias delas para aumentar as opções das partidas. 

Elder Sign consegue capturar muito da tensão e atmosfera dos contos de Lovecraft, onde pessoas comuns em franca desvantagem diante do Mythos, se envolvem em um verdadeiro pesadelo no qual para vencer terão de se sacrificar. Em se tratando de um jogo inteligente, Elder Sign oferece uma boa opção para o jogador casual, conseguindo garantir a atenção também de jogadores mais experientes e exigentes.

Aqui tem um vídeo bem legal em que o pessoal do "Jogando Offline" apresenta o Elder Sign e um pouco de suas regras:


E aqui o excelente Trailer (em inglês) do jogo, feito pela Fantasy Flight:


Elder Sign infelizmente não tem uma edição em português, mas através de páginas especializadas em jogos de tabuleiro é possível encontrar traduções muito boas.

O jogo pode ser comprado em lojas especializadas, o preço de caixa é US$ 34,99 (mas pode ser encontrado no Amazon por US$ 27,99). Lembrando que ainda tem o frete e que jogos de tabuleiro correm o risco de serem taxados na alfândega ao chegar no Brasil o que joga o preço para cima.

Achou interessante? Leia também a resenha de outros jogos de tabuleiro:



domingo, 23 de junho de 2013

Histeria em Massa - "Quando todos vêem aquilo que querem ver"


Histeria em Massa - também conhecida como histeria coletiva, histeria de grupo, ou transtorno comportamental coletivo, é um termo reconhecido pela psicologia e pela sociologia que se refere a alucinações que atingem uma determinada parcela da sociedade e se espalham com grande rapidez afetando um número cada vez maior de pessoas. Os principais catalizadores da histeria em massa são os rumores e o medo.

Na medicina, o termo é utilizado para descrever a manifestação espontânea de um mesmo comportamento definido como  histérico por um grande grupo de indivíduos. Nos casos mais graves, uma única pessoa ou um grupo relativamente pequeno é capaz de convencer um grande número de indivíduos que uma situação de perigo ou de ameaça está prestes a se instalar no meio. Ou ainda, que esse perigo já atingiu o grupo e que está se alastrando entre os membros de forma rápida. Nesses casos, as pessoas tendem inclusive a manifestar sintomas físicos como se realmente estivesse sendo afetada pela condição inexistente.

Antes do século XX, a maioria dos casos de alucinação em massa ou epidemias de histeria envolviam pessoas sujeitas a uma disciplina rigorosa por um longo período de tempo. Entre o século XV e XIX a crença popular em bruxas e demônios, junto com o estilo de vida gregário de conventos e monastérios resultaria em alguns estranhos casos de histeria coletiva nessas austeras instituições religiosas. 

Mas embora esses lugares fossem um ambiente perfeito, favorável a disseminação de alucinações compartilhadas e paranoia coletiva, incidentes semelhantes surgiam nos mais variados ambientes e onde menos se esperava.

E quando começamos a ver como esse fenômeno se manifesta, é difícil não associá-lo a um bom cenário de horror em que as pessoas reagem de uma maneira impensável diante de uma condição imaginárias.

Vejamos alguns curiosos exemplos de Histeria em Massa retirados da história.

AS FREIRAS QUE MIAVAM


Durante a Idade Média, dezenas de epidemias de histeria ocorreram em monastérios, conventos e instituições religiosas cristãs na Europa. Na época era aceito que certos animais, como por exemplo lobos e corvos, pudessem possuir e escravizar a mente de pessoas e que de alguma forma fossem capazes de causar loucura e reações anormais em suas vítimas. Na França, por muitos séculos felinos eram considerados como animais próximos do diabólico.

De fato no século XIII em Paris, houve um grande movimento religioso que tentou eliminar todos os gatos de rua, pois os pobres felinos eram considerados como espiões e serviçais de bruxas. Em Nantes, a crença de que gatos, em especial, gatos pretos, eram familiares das feiticeiras levou um número de mulheres para a fogueira apenas porque alimentavam ou tinham tais animais em suas casas.

É possível que a crença de que gatos fossem emissários de Satanás tenha criado uma histeria em massa que afetou um grande convento na França no século XIV. O caso começou discretamente, com uma noviça que certa manhã acordou imitando o som do miado de um gato. Nada demais, contudo, a jovem explicou que aquilo havia começado depois dela encontrar um gato preto no pátio do convento e de tê-lo alimentado com um pouco de leite. O gato preto a teria mordido e desaparecido em uma sombra como por magia. Depois disso ela começara a miar todo dia de manhã impossibilitando que ela observasse suas orações diárias.

A coisa começou a ficar séria quando uma segunda freira também começou a miar. Depois, outra, mais outra e assim por diante. Eventualmente, todas as freiras do convento estavam sofrendo com aquela estranha condição e não conseguiam parar de miar.

Há registros de que uma cidade vizinha ficou perplexa com o que estava acontecendo e que o portão do convento foram bloqueados para que o mal não se espalhasse. Finalmente soldados foram contratados e armados com chicotes e porretes, seguiram para arrancar os espíritos malignos que supostamente estavam dominando as freiras.    

A EPIDEMIA DAS MORDIDAS 

Em 1500, um outro convento, dessa vez na Alemanha foi afligido por uma estranha e inexplicável moléstia. Tudo começou quando uma freira sem mais nem menos mordeu uma de suas colegas. Não foi uma simples mordida, mas uma mordida que deixou uma marca distinta na pele com uma coloração roxa e incomum. Ao ser solta do claustro onde foi segregada, a freira voltou a morder as outras até ser amordaçada. Em um momento de lucidez ela explicou que não conseguia se controlar e se fosse libertada voltaria a fazê-lo.

Logo se alastrou o boato que aquele absurdo era obra diabólica. Não demorou então para que outra irmã manifestasse os mesmos sintomas e tentasse morder suas companheiras de ordem. A partir de então a coisa se alastrou e menos de uma semana depois do primeiro caso, todas as irmãs estavam sofrendo do mal.

Emissários do Bispo da Saxônia foram enviados para observar e ficaram horrorizados com o que viram. Nesse caso, a epidemia não ficou restrita aos muros do convento. Os boatos sobre a "peste das mordidas" foi disseminado por Brandemburgo e demais regiões da Saxônia. Ela atravessou as fronteiras e se instalou na Holanda, chegando a ser assunto de preocupação até mesmo em Roma.

As irmãs acometidas pela estranha compulsão receberam a misericórdia da Igreja quando as coisas se acalmaram, mas mulheres em povoados que manifestaram os mesmos sintomas foram aprisionadas e acusadas como  bruxas. Algumas foram obrigadas a usar mordaças por meses, enquanto algumas tiveram dentes arrancados.

A PRAGA DA DANÇA INCONTROLÁVEL

No mundo da histeria em massa, os efeitos podem variar enormemente. Por vezes a compulsão do grupo se manifesta de forma inesperada, como o fenômeno no mínimo bizarro que arrebatou dezenas de pessoas em uma região rural da França em 1518.

Naquele ano, em meio a miséria e superstição, uma nova praga dominou as pessoas. Uma praga de dança incontrolável.

Improvável, mas real. A "praga" teve início com uma mulher, Frau Troffea, que saiu de casa num dia qualquer e pôs-se a dançar freneticamente, sem demonstrar nenhum sinal de alegria. Segundo registros "com a face tomada de desespero e angústia, a velha senhora continuava a saltar e pular sem controle de seu corpo, como se estivesse possessa por uma energia sobrenatural".

De vez em quando, desmoronava, exausta, os olhos tomados de lágrimas, apenas para retomar seu movimento sinistro algumas horas depois. Após alguns dias, a mulher foi levada à força a um templo, com os sapatos encharcados de sangue. Esperava-se que ela pudesse ser curada e que algum tipo de demônio fosse extirpado de seu corpo convulsivo. Por horas, o pároco rezou sobre ela, mas a mulher, mesmo amarrada tentava de qualquer maneira se libertar das cordas. Suas convulsões foram tão violentas que ossos se partiram e músculos se tensionaram a tal ponto que ela não suportou e morreu.

Mas o problema então só cresceu: em pouco tempo, mais de 30 pessoas haviam tomado as ruas perpetuando o transe dançarino. Em pouco mais de um mês, já eram 400 indivíduos. Apesar de não haver um registro exato, estima-se que pouco mais de uma centena de pessoas morreram consumidos pela exaustão física e mental. Aterrorizadas, as pessoas se trancavam em casa ou nas igrejas rezando para que a Praga da Dança não as atacasse, pois não existia cura conhecida.

Pouco devastadora, se comparada a outras epidemias da Idade Média (a peste negra tirou a vida de cerca de 12 milhões de pessoas, quase um terço da população europeia da época), a praga da dança, contudo possui um lugar de destaque entre as manifestações mais bizarras.

A PRAGA DOS OBJETOS MALDITOS

Essa histeria ocorreu em Milão, Itália no ano de 1630. Anos antes, uma horrível epidemia de peste havia dizimado parte da população da cidade e alguns acreditavam que a pestilência havia se originado nos poços públicos de água da cidade. Para evitar que a doença retornasse, alguns poços foram fechados e pintados com marcas de caveira para que ninguém bebesse suas águas. Todos os objetos relacionados ao poço, copos, baldes e mesmo cordas passaram a ser considerados impuros e destruídos. Mas isso foi apenas o começo. 

Quando a peste eventualmente retornou, os habitantes de Milão começaram a acreditar que a doença podia se manifestar em objetos especialmente encantados para servir como vetor da doença. Bastava tocar em alguma coisa "contaminada" para ser infectado.

Um velho feirante foi visto passando um pano suspeito em algumas frutas, e acusado de estar usando o pedaço de tecido para transmitir a doença fatal. Ele foi capturado por uma multidão e arrastado pelos cabelos até um juiz, que o obrigou a comer o pano e assim provar que ele não estava contaminado pela doença. Assustado o homem se engasgou e morreu antes de terminar: estava provada a teoria de que o pano fora de alguma forma amaldiçoado. 

O pânico se espalhou rapidamente pela cidade e objetos contaminados eram vistos em todo canto. Um barbeiro foi acusado de usar uma tesoura que carregavam a praga quando um de seus clientes contraiu a doença depois de cortar os cabelos com ele. A dona de uma pensão foi acusada de ter passado a praga para um grupo de viajantes que comeram um ensopado que ela preparou em um caldeirão na sua cozinha. Um comerciante foi acusado de passar a praga para um soldado depois deste beber em uma caneca que ele havia oferecido.

Os acusados, submetidos a tortura confessavam o conluio demoníaco para escapar do tormento. Confessavam ter invocado Satã para que este urinasse sobre centenas de objetos de uso diário, tornando-os mortais. Vários objetos foram reunidos e exorcizados para que passassem mais a doença para inocentes. Todos os envolvidos na conspiração demoníaca dos objetos malditos, foram considerados culpados e executados. Segundo os documentos da época mais de 200 pessoas foram acusadas de ter encantado objetos.    

OS DIABRETES NO INTERNATO


Em 1639, em uma Escola de Meninas em Lille, França, as alunas começaram a afirmar poder ver pequenos diabretes de pele escura como carvão, dotados de asas de morcego que voavam e mordiam. As meninas eram as únicas capaz de ver esses diabinhos e quando uma via, todas elas gritavam juntas e apontavam na direção, embora mais ninguém fosse capaz de perceber as tais criaturas. A diretora da escola, uma mulher chamada Antoinette Bourignon explicou que apenas crianças inocentes eram capazes de ver as criaturas malignas. Algumas meninas chegavam a mostrar pequenas mordidas na pele causadas pelas criaturas que sugavam sangue e sussurravam palavras demoníacas em seus ouvidos.

Os rumores se espalharam e um religioso foi mandado para tratar da questão. O homem interrogou as meninas e elas começaram a confessar voluntariamente ter invocado os diabretes através de rituais diabólicos de magia negra. Contavam ainda que voavam em vassouras, mantinham relações sexuais com demônios e que eram servidas por familiares. Uma das meninas contou ainda que uma colega que havia se negado a participar do sabá, foi jogada em um caldeirão, cozida e devorada por todas as outras.

As alunas chegaram perto de ser queimadas na fogueira, mas foram salvas na última hora quando começaram a acusar Madame Bourignon de ser a verdadeira bruxa por trás de tudo. A mulher foi então julgada e sentenciada a morte.

A histeria só se encerrou quando a diretora foi morta e a escola fechada. Esse caso, marcou o auge da caça às bruxas na Europa continental, entre 1400 e 1650, pelo menos 200,000 pessoas foram executadas após alegações de bruxaria.

AS BRUXAS DE SALEM

Provavelmente o caso mais famoso de histeria em massa na história, ocorreu no vilarejo de Salem (atualmente, Danvers, Massachusetts) entre 1690 e 1692.

O vilarejo de puritanos foi varrido por uma profunda paranoia que levou a julgamentos, tortura, aprisionamento e pelo menos vinte execuções. A histeria chegou a tal ponto que até animais chegaram a ser acusados, dois cães foram executados, acusados de servir ao demônio. Todas as sentenças foram decretadas com base em provas circunstanciais e evidências ambíguas.

A caça às bruxas se iniciou em dezembro de 1691, quando oito meninas que viviam nos arredores de Salem começaram a se comportar de maneira atípica. Algumas não conseguiam falar e se limitavam a grunhir e repetir o que os outros diziam. Apresentavam ainda convulsões incontroláveis, corriam em círculos, babavam e viravam os olhos. A conduta das adolescentes fez com que pastores fossem enviados para averiguar e depois de interrogar as meninas elas começaram a contar que o demônio estava livre em Salem agindo através de serviçais devotados a sua causa nefasta. Para desviar o foco, as meninas começaram a apontar pessoas inocentes e contar as mais improváveis estórias a respeito do que elas teriam feito - crimes que incluíam beber sangue, invocar o demônio e realizar pactos tenebrosos.

Logo centenas de cidadãos de Salem foram presos sob acusação de bruxaria. A loucura só se encerrou em 1693 quando o governador de Massachusetts ordenou que os suspeitos fossem libertados, mas a essa altura muitos já haviam morrido na forca.

Atualmente, existem teorias de que a histeria coletiva tenha sido causada por envenenamento de fungo no depósito de grãos da cidade. Esses fungos teriam induzido as crianças a um estado de euforia que combinado ao fervor religioso e medo de perseguição, resultou em alucinações.  

OS HOMENS MORCEGO

Durante um final de semana em agosto de 1835, um longo artigo foi publicado em um jornal de Nova York. A manchete era a seguinte: "Grande descoberta astronômica feita por Sir John Herschel, no Cabo da Boa Esperança".

Uma série de reportagens escritas pelo jornalista Richard Locke causaram então sensação mundial. Segundo Locke o astrônomo havia aperfeiçoado um telescópio extremamente potente em seu observatório na África do Sul que lhe permitia ver perfeitamente a superfície da Lua. Nela Herschel teria avistado formas de vida alienígenas, responsáveis pela construção de cidades com grandes torres. Essas criaturas foram chamadas de vespertilio-homo, literalmente homem-morcego.

As criaturas, habitantes da lua, foram descritos como seres do tamanho de homens, dotados de asas negras que lhes permitiam voar livremente. Vários jornais começaram a comprar as matérias de Locke a respeito da raça de homens-morcego e um panfleto a respeito do assunto vendeu mais de 60,000 cópias em um mês.

À medida que a notícia se espalhava, pessoas começaram a informar o avistamento das estranhas criaturas lunares. Em Bufalo, interior de Nova York pessoas disseram ter sido visitadas pelos homens-morcego, em Valdalle no interior do estado os homens-morcego haviam sido vistos atacando uma fazenda o que causou pânico. Informes sobre a atividade dos seres alienígenas se espalharam com tanta rapidez que fazendeiros passaram a proteger suas plantações com espingardas para afugentar os visitantes lunares. A notícia viajou para o Oeste onde supostamente as criaturas sequestraram inocentes e levaram para o interior de cavernas. Os casos eram tantos que os jornais noticiavam encontros quase diários dos monstros.

Quando finalmente a estória chegou até Sir John Herschel ele informou que sua descoberta astronômica era uma lua em outro planeta e não uma raça alienígena. A comoção a essa altura era tamanha que apesar de professores e cientistas negarem o fato, avistamentos dos estranhos homens-morcego continuaram acontecendo até o início do século XX.

O ASSASSINO DE HALIFAX

Este caso clássico de histeria coletiva ocorreu na cidade de Halifax, na Inglaterra em 1938. Ele começou com a denuncia de uma mulher que afirmava ter sido perseguida por um homem misterioso armado com um martelo. A mulher chamada Mary Gladhill descreveu o homem como um estrangeiro mau encarado, vestindo sobretudo, chapéu que usava estranhos sapatos com fivelas brilhantes. O sujeito a teria seguido pelas ruas da cidade gargalhando e brandindo o martelo, enquanto ameaçava arrebentar sua cabeça com a ferramenta. Mary teria escapado por pouco! A polícia foi comunicada, mas ninguém achou o criminoso.

Na noite seguinte Gertrude Watts, disse que o mesmo homem a perseguiu pelas ruas e por pouco não a agrediu com o temido martelo. Cinco dias depois foi a vez de Mary Suthcliffe, que disse ter sido ferida pelo maníaco, dessa vez armado com uma navalha. Ela teria sido ferida nos braços e recebeu um corte na face direita. Os jornais locais, chamaram o homem de "Matador de Halifax" (embora ele não tenha matado ninguém!) e o nome pegou.

Nos dias seguintes uma série de mulheres começou a comunicar terem sido ameaçadas pelo homem com estranhas fivelas nos sapatos. Armado com facas, porretes, navalhas e martelos, o Matador de Halifax tomou as páginas de jornais e se tornou o assunto principal na cidade. A situação ficou tão séria que a Scotland Yard foi chamada e comitês de vigilância se formaram para capturar o sujeito. A febre do assassino misterioso havia chegado a cidade e comparações com Jack, o  estripador eram frequentes.

Ao longo da semana, o maníaco teria sido visto por pelo menos mais dez mulheres. Em alguns casos duas vezes no mesmo horário em partes diferentes da cidade. Os investigadores a princípio não entendiam o que estava acontecendo, mas logo ficou claro que os casos eram no mínimo duvidosos. Algumas vítimas do criminoso não conseguiam explicar o que haviam visto ou como era o sujeito. Alto, baixo, estrangeiro, loiro, com bigodes e barba, com sotaque russo, com o nariz quebrado... a aparência variava a ponto de chegarem a pensar que se tratava de um bando de delinquentes. Uma das "vítimas" apresentando horríveis cortes na face, afirmou ter sido atacada à garrafadas depois de sair de um pub, mas na noite em questão o estabelecimento estava fechado.

Suspeitos foram detidos e interrogados, mas o maníaco parecia iludir a polícia. Logo, boatos sobre sua ação em outras cidades começaram a circular, toda e qualquer agressão a mulheres parecia estar ligada ao Assassino de Halifax.

O caso foi marcado pelo envolvimento de um psiquiatra que entrevistou as vítimas e no fim concluiu que as notícias do jornal sobre o temível criminoso haviam gerado uma histeria tamanha que algumas mulheres realmente acreditavam terem sido perseguidas por um maníaco. Pelo menos três delas haviam produzido ferimentos auto-infligidos com cacos de vidro e facas para provar terem sido atacadas. O caso gerou muita polêmica, a polícia foi acusada de ter recorrido a um charlatão, mas no fim das contas, quando os jornais publicaram a estória completa colocando em dúvida os ataques, o maníaco desapareceu de uma vez por todas.

Casos semelhantes ocorreram em Taiwan em 1956 e em Taipei em 1965, em ambos, dezenas de mulheres se diziam atacadas por um maníaco, chegando a provocar ferimentos em si mesmas para corroborar o ataque fantasioso.

APARIÇÕES DA VIRGEM MARIA

Nas últimas décadas um fenômeno recorrente que pode ser categorizado como histeria de massa, envolve as aparições da Virgem Maria em diferentes lugares do mundo.

Visões de santos e personagens religiosos importantes ocorrem desde os primeiro dias da cristandade. Há registros de mártires encontrando santos em estradas, cavernas, grutas e prédios abandonados. Em alguns casos, eles transmitem informações, profecias ou augúrios de acontecimentos futuros, como ocorre no famoso caso do Milagre de Fátima, ocorrido em Portugal no início do século XX.

Ao longo do século fiéis continuaram relatando o aparecimento de figuras religiosas, sendo que testemunhos da parição da Virgem Maria se tornaram as mais frequentes e marcantes.

Em 1953, cerca de 150,000 pessoas convergiram para um poço próximo da cidade de Sábana Grande, Porto Rico, para aguardar a aparição da Virgem Maria conforme haviam previsto sete crianças locais. Durante o acontecimento, pesquisadores se misturaram aos fiéis e colheram testemunhos de pessoas que diziam poder ver círculos coloridos ao redor do sol e nuvens com a silhueta da santa. Alguns alegaram ainda ter recebido curas milagrosas e experimentado uma sensação geral de bem estar. Multidões de peregrinos continuam viajando para o lugar anualmente e um número crescente de fiéis afirma ver e sentir uma presença divina. 

Da mesma forma, entre 1968 e 1971, mais de 100,000 pessoas afirmaram ter observado a Virgem Maria sobre a Igreja Coptica Ortodoxa em Zeitoun, Egito. A descrição das testemunhas variam em forma: luzes brancas levitando, apelidadas de "pombas" e silhuetas humanas brilhantes que surgem por alguns instantes na fachada da Igreja. Especialistas realizaram testes e observações, mas divergem a respeito da natureza acreditando que luzes refletidas podem causar o fenômeno. Fiéis entretanto afirmam positivamente que essas imagens são miraculosas. Pessoas banhadas pela "luz santa", teriam experimentado efeitos de cura de aflições consideradas incuráveis. Crianças e jovens parecem ser os mais afetados pela visão e alegam conseguir ver perfeitamente a imagem e até se comunicar com ela.

Nos anos 1980-90 fenômenos estátuas cristãs chorando, por vezes lágrimas de sangue receberam grande destaque na mídia. Em alguns casos, a substância quando tocada manifestava cura em quem sofria de alguma aflição. Silhuetas da virgem desde então surgiram nos mais variados lugares: desde vitrais em igrejas, postes de luz e outdoors. Para alguns eles são um alerta de que "a humanidade enfrentará tempos de provações".

sábado, 22 de junho de 2013

Torneio Tentacular 2013 - Vagas abertas para o Torneio no EIRPG em julho


O TORNEIO TENTACULAR evento inspirado no Cthulhu Masters Tournament  que ocorre na GenCon está de volta ao Encontro Internacional de RPG.

Esta será a quarta edição do TORNEIO que nos anos anteriores (2007, 2009  e 2010) foi um enorme sucesso. Pela primeira vez, faremos o Torneio utilizando as regras do sistema Gunshoe de Rastro de Cthulhu. A Editora Retropunk será nossa parceira na brincadeira e gentilmente cedeu a premiação para aquele que se sagrar o vencedor do Torneio.

Eu sei que muitos devem estar se perguntando: "Mas do que diabos estão falando?" ou "Mas desde quando RPG pode ter uma disputa"?

Perguntas muito justas que merecem uma resposta à altura. Então pensando nisso elaborei um pequeno FAQ para tirar as dúvidas quanto ao Torneio.

1 - O QUE É O TORNEIO TENTACULAR?

O Torneio Tentacular surgiu em 2007 em uma edição do Encontro Internacional de RPG. A ideia era congregar vários jogadores e fãs de ambientações lovecraftianas em uma mesma aventura que todos disputassem simultaneamente passando pelas mesmas situações. São 5 mesas com cinco jogadores/personagens que investigam um típico mistério lovecraftiano. De cada grupo sairá um jogador para constituir uma Mesa Final, e estes jogadores disputarão o prêmio, sendo o vencedor aquele que mais se destacar.

2 - QUAL O CRITÉRIO PARA DEFINIR O MELHOR JOGADOR DE CADA MESA?

Os representantes de cada mesa são obtidos através de votos depositados em uma urna por jogadores e narrador. Cada jogador vota naquele que na sua opinião mais se destacou naquela etapa de jogo (são três votações na fase classificatória). Por se destacar entenda-se: ideias, interpretação, desempenho em grupo e potencial para diversão de todos na mesa. É claro, não é permitido votar em si mesmo, por isso cada votante assina seu nome também. O voto do narrador tem peso superior como critério de desempate.

3 - O CENÁRIO E OS PERSONAGENS SÃO OS MESMOS?

Sim. O cenário é apenas um e todos participam das mesmas situações. Em 2007 a aventura levou o grupo até a Escócia e uma exploração nas profundezas do Mar do Norte, em 2008 os investigadores se envolveram na escavação arqueológica de uma cidade perdida nas areias do Iraque em 1920 e em 2010 os investigadores foram criminosos, membros de uma quadrilha de gangsters em Arkham. Os jogadores são sorteados para compor as mesas, e em seguida cada um recebe um personagem aleatório. Cada mesa é formada pelos mesmos personagens cada qual com suas vantagens, desvantagens e oportunidades de interpretação. Na Mesa Final, ocorre novo sorteio e os jogadores continuarão de onde a aventura parou com um novo personagem.

4 - QUE TIPO DE CENÁRIO SERÁ?

Aí é que está a graça! Ninguém sabe sobre o que será a aventura até o início dela. A aventura pode levar os jogadores a diferentes lugares e épocas e eles terão de se adaptar a seja lá o que aparecer diante deles. A única pista que posso dar é que esse cenário será interessante para quem deseja ver personagens brasileiros participando de um importante momento histórico.

5 - É OBRIGATÓRIO CONHECER A AMBIENTAÇÃO OU AS REGRAS?

Não é necessário conhecer o universo do Mythos para participar. As aventuras envolvem personagens que desconhecem a existência dos horrores de Cthulhu e suas entidades. As regras utilizadas nessa edição do Torneio serão as do sistema GUNSHOE de Rastro de Cthulhu. NÃO é necessário conhecer as regras, os mestres irão dar instruções básicas para os jogadores participarem. Interpretação e Roleplaying serão muito mais importantes do que os números em sua ficha.

6 - INSERIR UM ELEMENTO DE COMPETIÇÃO EM RPG É VÁLIDO?


Francamente, até hoje, ninguém encarou o Torneio Tentacular como "uma competição de todos contra todos em busca de um prêmio". Isso ocorre, sobretudo em virtude do caráter colaborativo de uma aventura de RPG. Se um dos jogadores sabotar as chances de outro, ele estará prejudicando as chances de seu próprio personagem e do resto do grupo. Por isso, o jogo tende a transcorrer sem incidentes como uma sessão normal. A única coisa que muda é que eles terão de reconhecer quem foi o melhor em determinados momentos. A diversão é o objetivo final, como em todos os jogos.   

7 - QUAIS SÃO OS PRÊMIOS?


A Editora Retropunk, nossa parceira oferecerá um kit de Rastro de Cthulhu para o Grande vencedor do Torneio. Este receberá um Livro Básico de Rastro de Cthulhu, um cenário "A Agonia de St. Margaret" e um suplemento "Magia Bruta". Todos os participantes também ganharão um cupom de desconto para compras na Retrostore.

8 - COMO PARTICIPAR? ONDE ME INSCREVO? QUAL O CUSTO?

Para participar, os interessados devem fazer a inscrição através do e-mail: torneio.tentacular@gmail.com

A inscrição depende apenas de enviar o nome, data de nascimento e telefone para contato.

Aqueles que se inscrevem recebem a confirmação e em breve receberão as regras do Torneio por e-mail.

Não há taxa de inscrição. O Torneio é gratuito, mas como ele faz parte do evento maior o "Anime Friends" (que hospeda o Encontro Internacional de RPG) é preciso pagar a entrada para esse evento.

9 - QUANTAS VAGAS ESTÃO DISPONÍVEIS?

A princípio nessa edição teremos cinco narradores para mesas compostas de cinco jogadores. 

Ou seja 25 vagas oferecidas. Sim, é bem limitado, mas sempre fazemos uma lista de suplentes que serão chamados a participar caso algum dos inscritos não apareça ou se atrase no dia. Os interessados devem portanto garantir o quanto antes as suas vagas.

10 - A AVENTURA SERÁ MUITO LONGA?

Estamos estudando ainda qual será o horário do início do Torneio. Nossa ideia é iniciar logo depois do evento abrir as suas portas. Sabemos que o evento se encerra por volta das 21 horas, mas esperamos já ter concluído a aventura bem antes. Planejamos uma aventura de 5-6 horas de duração. Com uma pausa entre a primeira e segunda fase do jogo.  

10 +1 - QUEM SÃO OS NARRADORES?


Os narradores serão cinco veteranos com anos conduzindo aventuras de RPG e farta experiência em assustar, aterrorizar e atormentar pobres e inocentes jogadores. Todos já participaram de edições anteriores do Torneio Tentacular na qualidade de narradores ou jogadores. Cada um estará familiarizado com o cenário e terão os Handouts e props para narrar a aventura de forma interessante e divertida.

Bom é isso...

Fiquem à vontade para fazer qualquer outra pergunta.

Nos vemos no EIRPG! Mais do que uma chance de jogar e se divertir é uma oportunidade de reunir amigos e conhecer o pessoal que normalmente só conhecemos através do computador. 

Veja aqui as fotos e artigos sobre os Torneios anteriores:

Torneio 2007

Torneio 2009

Torneio 2010

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Arte do Impronunciável - Os Artistas Favoritos de H.P. Lovecraft

"É preciso uma arte e uma percepção profundas da Natureza para criar coisas como as de Pickman. Qualquer fazedor de capa de revista pode espalhar tinta a esmo e chamar aquilo de pesadelo, Sabá das Bruxas ou retrato do Diabo, mas só um grande pintor pode fazer uma coisa assustar ou parecer verdadeira. Isso porque, só o verdadeiro artista conhece a verdadeira anatomia do terrível ou a fisionomia do medo - o tipo exato de linhas e proporções que se associam mentalmente a instintos latentes e memórias hereditárias de pavor, e os contrastes de cor e efeitos de iluminação certos para estimular o senso de estranheza adormecido. Não preciso lhes dizer, porque um Fuzeli realmente provoca um arrepio enquanto uma figura de capa de uma história de fantasmas barata só nos faz rir. Existe algo que esses artistas captam - além da vida - que conseguem nos fazer captar por um instante. Doré tinha isso. Angarola, de Chicago, tinha isso. E Pickman o tinha, como creio eu, ninguém jamais tivera ou - espero, com fé em Deus -, jamais terá".   

por H.P. Lovecraft
O Modelo de Pickman - "Pickman’s Model", 1926

Com base no artigo de John Coulthard

Apesar da reputação de escrever descrições um tanto evasivas das suas criações, uma espécie de imaginação visual permeia algumas das estórias mais populares escritas por H.P. Lovecraft. O próprio autor fazia pequenos desenhos das criaturas, como se eles pudessem ajuda-lo a encontrar palavras para descrever seus monstros tentaculares. Seu mais famoso desenho foi sem dúvida a ilustração da estatueta do Grande Cthulhu que ele afirmava ter ajudado a caracterizar a criatura. Lovecraft desabafou certa vez com um colega que um dos seus grandes desafios era "tentar descrever em palavras aquilo que por definição é indescritível, inumano, inacreditável". Como colocar em meras palavras aquilo que desafia noções, conceitos e prerrogativas?

Isso deveria ser um tormento para alguém que é um reconhecido esteta.

Em seus contos, Lovecraft gostava de colocar em evidência escritores e acadêmicos como os personagens centrais, mas ao menos duas figuras notáveis em seus contos eram artistas: o pintor Richard Upton Pickman em "Pickman's Model" e Henry Anthony Wilcox, o "precoce jovem de conhecida genialidade e enorme excentricidade" cujos curiosos baixo-relevos levaram o Professor Angell às terríveis revelações no conto "The Call of Cthulhu"

O monólogo de Pickman's Model apresenta um debate sobre o poder de imagens sugestivas e da arte como um todo na consciência humana. Nesse conto, Lovecraft apresenta um artista soberbo, cuja habilidade e técnica apurada, só são comparado a sua estética incomum e perturbadora. Os quadros de Pickman são bizarros e o resultado de um mero vislumbre em suas telas pode levar um homem são, a loucura. Como se as imagens ali retratadas pudessem afetar a razão.

Todos sabem que Lovecraft era um esteta, alguém dotado de uma profunda sensibilidade artística. Ele passava muito tempo em museus e pinacotecas procurando referências visuais para alimentar sua mente criativa. A lista a seguir reúne alguns dos artistas prediletos de Lovecraft, aqueles que ele destacou como sendo os que ajudaram a dar asas a sua imaginação.     

Henry Fuseli (1741–1825): Um pintor britânico famoso por ter concebido uma inesquecível imagem sobre horrores noturnos em sua tela intitulada "O Pesadelo". O trabalho foi extremamente popular na época em que foi realizado (por isso ele tem duas versões) e através dele Fuselli ganhou fama e prestígio. Lovecraft disse em mais de uma ocasião que esse era seu quadro favorito e se possível ele gostaria de um dia ter uma cópia dele pendurada na parede de seu escritório. Se isso aconteceu ou não, não se sabe, mas o interesse do autor pelo artista não diminuiu ao longo dos anos e ele continuou rendendo a ele elogios até o fim da vida.


Nos dias atuais Fuseli é conhecido quase que exclusivamente por esse trabalho, mas o restante de sua produção também é marcada por representações grotescas e macabras, mesmo para o período romântico, com uma profusão de imagens repletas de bruxas, fantasmas e monstros.

Francisco Goya (1746–1828): O grande artista espanhol Goya é mencionado em Pickman’s Model pela sua habilidade em retratar figuras sinistras de bruxas e monstros, bem como Fuseli. Boa parte de suas obras mais estranhas estão contidos na série conhecida como Caprichos, uma sequência de aquarelas concebidas em tom satírico, mas que mostram seu dom para o incomum. Para representar o estilo de Pickman, HPL buscou na série Pinturas Negras, de Goya um referencial.

Goya realmente possui alguns quadros que são chocantes e absolutamente perturbadores (ainda que fascinantes):  



Uma das obras mais famosas de Goya é "O Sabá das Bruxas" de 1798, no qual ele retrata o demônio na forma de um Bode Negro cercado de bruxas jovens e velhas horrivelmente deformadas.

Essas duas telas foram condenadas por religiosos e cidadãos espanhóis supersticiosos no século XVIII, que acreditavam ser os quadros de alguma forma inspirados pelo próprio demônio. 

John Martin (1789–1854): O “louco” John Martin por muito tempo foi considerado um excêntrico imitador de JMW Turner e um artista de menor expressão. Contudo, as suas cenas do Apocalipse Bíblico atraíram a atenção daqueles que apreciam imagens visionárias e sublimes, incluindo Lovecraft. Suas imensas telas foram levadas para mostras e exposições de arte em toda a Europa e foram usadas por evangelistas na época de Lovecraft como uma espécie de exemplo dos castigos que seriam impostos aos ímpios pelos seus pecados. Lovecraft disse certa vez que a obra de Martin o ajudou a definir o tom de grandeza de algumas de suas divindades colossais, como Azathoth e Yog-Sothoth.


Martin também ilustrou Paradise Lost uma das obras quintessenciais do poeta John Milton, e que estava na vasta biblioteca de Whipple Phillips, o avô de Lovecraft. Quando criança, o autor adorava explorar a biblioteca e em uma dessas ocasiões descobriu o assustador livro de Milton. As gravuras religiosas perturbadoras de Martin unidos aos versos do poeta tiveram um grande impacto para a formação do materialista Lovecraft.


Gustave Doré (1832–1883): Um dos mais populares e bem sucedidos ilustradores de sua época, Doré é conhecido e admirado até os dias atuais. Ele foi um dos mais conhecidos artistas e Lovecraft chegou a dizer que se tivesse a chance de confiar seus contos a algum artista, de qualquer época, escolheria sem sombra de dúvida Gustave Doré. 


Talvez essa imagem tenha influenciado Lovecraft quando ele concebeu a noção de que Azathoth habita o centro do universo cercado de uma infinidade de seres que evoluem ao seu redor atendendo seus menores caprichos. 

Assim como John Martin, Doré também ilustrou Paraíso Perdido, mas onde o primeiro se concentrou na grandeza profana da arquitetura infernal, o segundo focou na figura de Satã e na sua hoste demoníaca, formada por anjos caídos. Lovecraft acreditava que as asas de morcego desses anjos negros, foram a causa dos pesadelos que o levaram a conceber os Night-Gaunts. Também digno de nota são as ilustrações de Doré para a Divina Comédia de Dante, a Canção do Velho Marinheiro e as fantásticas cenas de Orlando Furioso, obra de Ariosto


As asas de morcego dos anjos negros são muito semelhantes às do Nightgaunts que atormentavam Lovecraft quando criança.

Sidney Sime (1867–1941): Sime foi um artista de menor expressão, contemporâneo de Lovecraft com quem chegou a trocar correspondência por um breve período. Sime ganhou a atenção de HPL por ter sido o artista escolhido para ilustrar várias estórias escritas por Lord Dunsany (um dos autores clássicos de horror que Lovecraft reverenciava). Não há muito desse artista na internet, mas os títulos de Dunsany em geral vem acompanhados de ilustrações feitas por ele.


Cidades exóticas, perigos ocultos e terrores à espreita eram uma marca registrada da obra de Sime.

Virgil Finlay (1914–1971): Chamar Virgil Finlay apenas de ilustrador do gênero pulp é diminuir a importância de sua obra. De fato, Finlay foi um artista com uma carreira brilhante com exposições e mostras muito respeitadas. Acontece que ele também tinha enorme interesse na literatura de ficção o que o levava a trabalhar nesse mercado visto por alguns, como algo marginal. Finlay é o único dessa lista que realmente trabalhou com Lovecraft, arrancando dele elogios. Um de seus trabalhos para o conto "The Faceless God" de Robert Bloch, inspirou Lovecraft a compor um soneto; o artista retornou o cumprimento fazendo um retrato de Lovecraft.


O famoso quadro de Finlay dedicado a Lovecraft vestido em trajes do Século XVIII como uma espécie de Poe.

Nicholas Roerich (1874–1947): Nas primeiras páginas de At the Mountains of Madness, Lovecraft menciona “as estranhas e perturbadoras pinturas asiáticas de Nicholas Roerich,” e o arrepio causado pela desolação gelada que ele sentiu ao visitar o Museu Roerich, em Nova York, sem dúvida influenciou a concepção da cidade alienígena na Antártida


Lovecraft dizia que Roerich tinha um talento único para criar ambientes com uma aura estranha e alienígena, ainda que suas obras se inspirassem em cenas que ele viu em suas viagens pela Ásia Central. O russo, Roerich explorou essa região e produziu telas curiosas, embora parte delas tenham se perdido quando ele teve de se exilar nos Estados Unidos fugindo da Revolução Bolchevique.


Teriam imagens como essa inspirado a concepção das Montanhas da Loucura? Parece bastante provável.

Anthony Angarola (1893–1929): Muitos artistas se perguntam quem foi Angarola e porque HPL teria mencionado esse artista de forma tão efusiva em Pickman’s Model. Mais do que citá-lo, Lovecraft parece advertir seus leitores que esse artista era capaz de invocar algo tão incrivelmente perturbador que deveria ser evitado. Talvez Lovecraft nesse trecho se refira especificamente às ilustrações para o livro The Kingdom of Evil (1924), de Ben Hecht.


Lovecraft também pode ter sido influenciado pelo Fantazius Mallare: A Mysterious Oath (1922) um livro com ilustrações de Wallace Smith um artista que também trabalhou com Angarola. A preferência de Smith por temas controversos e um conteúdo sexual que beira a obscenidade podem ter deixado o puritano Lovecraft chocado (ainda que fascinado). 

Há boatos que Lovecrfat chegou a enviar uma cópia de seu conto The Outsider para que Angarola criasse uma arte, mas até onde se sabe ele jamais respondeu ao pedido de Lovecraft. Uma vez que ele faleceu em 1929, Lovecraft sempre acreditou que a razão para ele jamais ter respondido se deu pela sua delicada saúde.

Em tempo - Não sei se Lovecraft ficaria satisfeito com a imagem digitalmente manipulada que encabeça esse artigo, mas espero que o senso de estética dele - onde quer que ele esteja - não seja perturbado por essa "homenagem" de Lythron. Para um amante do macabro, ser retratado dessa maneira soa como uma honra. Então, preferi acreditar que ele ficaria feliz.

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