Alguém já se perguntou qual a origem do Golem?
Aquele mesmo! A estátua de pedra animada que muita gente conhece através dos jogos de Fantasia Heróica medieval. Nos jogos, os Golem são descritos como criaturas animadas magicamente, construídas por poderosos feiticeiros ou alquimistas e imbuídos com uma fagulha de vida, usados para proteger e defender santuários e templos contra invasores.
Muitos podem não saber, mas o golem é parte do folclore judaico. De todas as lendas a respeito dessas míticas criaturas, nenhuma é mais famosa do que aquela a respeito do Golem de Praga e de seu criador o Rabino Loew. Sobre eles, já se escreveram livros, peças de teatro, contos e até mesmo filmes foram feitos a respeito.
No final da Idade Média, a cidade de Praga era um dos centros urbanos mais importantes do Sacro Império Romano Germânico, era também a casa de uma grande comunidade judaica que reunia estudiosos e místicos. Dentre estes, o honorável Rabino Judah Loew ben Bezalel foi provavelmente o mais conhecido e estimado. Ele desfrutou de uma longa vida, entre 1513 e 1609, e se destacou como um valoroso defensor da comunidade judaica, perseguida por vários inimigos. Seus seguidores o admiravam de tal maneira que ele era chamado no dia a dia de "Venerável".
A palavra "golem" aparece na Bíblia (no Salmo 139:16), e significa "massa sem forma". Em hebraico, a tradução é "substância inacabada". De acordo com a Lei do Talmud, Adão (o primeiro homem) foi um golem nas primeiras doze horas de sua existência, indicando que antes de receber a centelha de vida soprada por Yeovah ele não possuía alma. Em outra lenda, o Profeta Jeremias teria construído um golem. Já uma passagem talmúdica (Sanhedrin 65b) conta que um estudioso da Babilônia chamado Rava construiu um homem de barro e o enviou ao Rabino Zera que tentou conversar com ele. Quando percebeu que este não era capaz de falar ou de se expressar, ele o mandou embora dizendo: "Você não passa de poeira, volte para ela" ao que, o golem se desmanchou.
A maioria dos estudiosos sérios, acredita que essas lendas a respeito da criação de vida são meramente simbólicas, e podem se referir ao despertar espiritual, não a criação de um constructo animado.
Alguns entretanto interpretam as estórias sobre o golem de modo literal, e acreditam que é possível criar tais criaturas do nada. No antigo documento judaico intitulado Sefer Yetzirah (O Livro da Criação/Formação), constam instruções a respeito da construção, criação e animação de golems. Volumes muito antigos do mesmo tratado contém comentários de rabinos que explicam como eles realizaram o ritual que permite dar vida a um objeto inanimado.
Na maioria das versões, o golem é construído com barro, argila, pedras e cordas para lhe dar sustentação. Em seguida ele é moldado com as próprias mãos em um formato que lembra vagamente o corpo de um ser humano. Não há necessidade de que ele seja perfeito, o objetivo não é que o golem se passe por uma pessoa, assim as feições acabam por ser brutas e imperfeitas.
Há muitas maneiras de se trazer um golem à vida. Em uma versão, por exemplo, é possível animar uma estátua se o seu criador andar ou dançar em círculos ao seu redor recitando uma combinação de palavras no alfabeto hebraico. A dança se encerra quando o criador se aproxima do ouvido direito da estátua e sussurra o nome secreto de Deus. Outra maneira de dar vida a criatura é escrever uma combinação de letras contendo os símbolos aleph, mem e tav (estas palavras combinadas formam emet, que significa verdade) na testa do golem. Em seguida um sopro na boca da estátua faz com que ela respire profundamente e passe a viver. A terceira maneira, e talvez a mais conhecida, é deixar um espaço oco onde ficaria a boca da criatura e depositar nela um pergaminho com o nome de Deus escrito.
Seja qual for a maneira de animar o golem, as estórias são bem claras: uma vez criado por um rabino, a criatura passa a ser um ser vivo, ainda que construído com matéria bruta. Ele obedece às ordens de seu criador, é imune a qualquer ferimento e só pode ser desfeito pela vontade de quem o construiu. Segundo as lendas, a força vital que anima o Golem e a resistência de seu corpo fazem dele uma máquina indestrutível. Sua força equivale a de dezenas de homens, seus punhos podem pulverizar uma parede ou destruir uma casa inteira. O golem se move lentamente, uma vez que seu corpo é pesado e pouco articulado, mas enquanto anda ele não produz qualquer som. Seus passos são furtivos e mesmo na calada da noite ele consegue se esgueirar por ruas e lugares apertados sem ser percebido. Sua capacidade de entrar e sair de qualquer lugar, mesmo aqueles vigiados, é famosa. É possível que o golem seja imbuído de alguma capacidade sobrenatural que ele veste como um manto para transitar por onde bem entender quando está levando à cargo uma missão.
Mas qual o propósito de se criar um golem, ou melhor ainda, porque os rabinos simplesmente não criam vários deles para defender seu povo?
Para responder essas questões, melhor retornar a história do Rabino Loew.
Em primeiro lugar, é preciso entender que mesmo para um homem com inúmeras virtudes, e com uma capacidade mística notável, criar vida é proibido. Deus é o único quem pode gerar vida do barro. Tal ação só pode ser justificada quando muitas vidas estão em risco e a criação do golem se mostra como a única possibilidade de salvação. Segundo a lenda o Rabino Loew recebeu uma permissão divina para construir seu golem utilizando fórmulas cabalísticas comunicadas a ele por intermédio de sonhos. Os sonhos eram uma espécie de aviso para que Loew protegesse os judeus de Praga contra os pogrons religiosos que se aproximavam.
Na época, o Império era governado por Rudolf II e embora este fosse um monarca esclarecido, os judeus de Praga sofriam frequentes ataques e eram vítimas de perseguição. O Rabino teria sonhado com a invasão e a destruição da sinagoga de Praga no feriado de Páscoa de 1580. Nesse dia, um padre chamado Taddeush iria incitar a população da cidade e comandar uma multidão com o objetivo de incendiar o templo. Para evitar essa tragédia ele começou a construir o golem meses antes. Mas mesmo com a aprovação de Deus e com seu conhecimento, a tarefa não era simples e nem fácil. As fórmulas cabalísticas haviam sido entregues, mas o rabino precisava decifrar cuidadosamente cada trecho. Ele teria também de empregar uma série de palavras poderosas que podiam ser recitadas ritualisticamente apenas a cada geração e que poderiam ser a sua perdição. O poder que elas desencadeariam poderia se virar contra o próprio rabino e custar a vida não só dele, mas de todos que ele amava.
Para criar o golem, o Rabino contou com a ajuda de dois assistentes. Seu cunhado, um Kohen (um judeu descendente de uma antiga ordem sacerdotal) e um pupilo, um levita (um judeu que descende de servos que trabalhavam no templo). Ele explicou aos ajudantes que precisaria de quatro elementos - fogo, água, ar e terra, e rituais específicos (Zirufim) dedicados a cada um destes. Os dois ajudantes representariam o fogo e a água, o Rabino seria o ar e o golem a terra. Cada um dos elementos foi totalmente purificado, uma vez que qualquer falha poderia destruí-los. O ritual se iniciou com a leitura de vários capítulos do livro sagrado (A Torah) e do Sefer Yezira que o rabino havia escrito graças aos seus sonhos. Em seguida o grupo seguiu para o Rio Moldau nos arredores de Praga. Lá, sob a luz de tochas eles começaram a moldar o corpo do gigante feito com o barro extraído das margens lamacentas. Quando terminaram, o golem estava diante deles, como a face observando o firmamento. Eles se colocaram aos seus pés, olhando para seu rosto sem expressão.
O Kohen andou sete vezes ao redor do corpo, da esquerda para a direita recitando o Zirufim do Fogo. O barro então foi se aquecendo e ficou vermelho, como brasa. Então o Levita deu mais sete voltas ao redor do corpo, da direita para a esquerda, recitando seu Zirufim da Água. O calor arrefeceu a medida que o orvalho aderia ao corpo o esfriando com um assovio. Então, o Rabino Loew andou ao redor do corpo, sete vezes em uma direção, sete vezes na inversa e depositou na boca deste um pergaminho no qual havia escrito o Shem Hameforash, o nome de Deus. Ele se curvou para o leste, para o oeste, sul e norte e então soprou o Zirufim do Ar. Em seguida, os três homens repetiram juntos: "E Ele respirou em sua boca, o sopro da vida; e a criatura ganhou o ânimo para viver".
Segundo a lenda o Golem então abriu os seus olhos e se voltou para contemplar o seu criador. Eles o vestiram com um manto de carneiro e o levaram até a sinagoga antes do nascer do sol.
Nas semanas seguintes, o golem realizou a tarefa de eliminar os inimigos dos judeus em Praga. O Rabino Loew enviou a criatura na calada da noite para matar o padre rancoroso. Um grupo de homens, furiosos com o acontecido foram até a sinagoga exigindo justiça. Inocentes foram feridos e eles teriam incendiado o lugar sagrado não fosse o Rabino comandar o golem a aparecer e lidar com os invasores. Todos os homens foram mortos pelo golem que não poupou nenhum deles de sua fúria.
A lenda logo se espalhou por Praga e a lenda de que uma criatura protegia os judeus se tornou famosa. A despeito de seu ódio, os perseguidores não mais ousavam atacar a sinagoga ou fazer mal aos judeus que lá viviam.
Assim foi por muitos anos, mas embora o golem tenha tido sucesso protegendo os judeus da cidade a estória não teria um final feliz. Com o tempo, o golem foi se tornando cada vez mais forte e destrutivo. Com a morte do Rabino Loew, a criatura foi ganhando vontade própria e se tornando rebelde. Uma noite, ele deixou a sinagoga onde repousava ganhando as ruas e matando inocentes. Alguns acreditam que o golem foi então escondido no porão do templo e o acesso lacrado com tijolos e concreto. A entrada no lugar foi proibida por séculos e ninguém tinha permissão para entrar. Outra lenda diz que o golem foi libertado e que uma vez experimentando a liberdade, vagou pela Europa Oriental até decidir se afundar no Danúbio quando descobriu que jamais encontraria paz e que era um perigo para todos ao seu redor.
A lenda do Golem se tornou extremamente popular em Praga. A famosa novela de Mary Shelley "Frankenstein - O Moderno Prometeus" teria buscado inspiração na estória do golem de praga. Contos e estórias sobre a criatura foram muito populares no século XVIII e XIX. No início do século passado, o golem foi adaptado para o cinema no filme mudo alemão Der Golem (1915). Sua imagem impactante serviu mais tarde como inspiração para a figura da criatura de Frankenstein no filme dirigido por James Whale com Boris Karlof em 1931.
É curioso mas a lenda do golem, embora provavelmente não passasse de uma fábula criada por Rabinos para proteger sua comunidade, continuou viva por muito tempo.
Durante a Segunda Grande Guerra, quando os alemães invadiaram a Tchecoslováquia, os judeus foram sistematicamente dizimados. O Bairro judeu, Mallá Stragna foi esvaziado e segundo boatos agentes da Ahnenerbe (o Departamento de História Ariana - um dos braços da Sociedade Thule) se encarregaram em recolher quaisquer documentos e pergaminhos que mencionasse o golem ou sua criação.
O comandante nazista encarregado da ocupação de Praga, o notório Reinhard Heydrich teria assumido pessoalmente a tarefa de reunir toda documentação e qualquer indício da existência do golem e enviar imediatamente o material para Berlim. Heydrich era um fiel seguidor da Kripo e membro fundador da Sicherheitsdienst (uma afiliada da SS) e foi o representante de Adolf Hitler na fatídica Conferência de Wamsee na qual os nazistas decidiram iniciar a Solução Final. Há rumores de que Heydrich encontrou farto material que planejava levar pessoalmente ao QG nazista. No caminho, sua comitiva caiu em uma emboscada organizada por comandos aliados e rebeldes tchecos - a Operação Anthropoid (1942), que o assassinaram. Durante a ação, o veículo em que estavam os documentos foi incendiado e tudo acabou se perdendo. No final de 1945, os escombros do Bairro judeu foram revistados mas nenhum sinal da documentação foi encontrada. Supostamente tudo se perdeu nos anos negros da guerra.
Desde o século XVI não se tem notícia de um golem sendo criado em nenhuma parte do mundo.