Artigo originalmente publicado em 08 de Outubro de 2011
Recentemente falei mal à beça da Chaosium, sobretudo no que diz respeito aos seus últimos lançamentos. Mas a gente não pode esquecer que eles foram responsáveis por editar muita coisa boa também.
Já joguei e mestrei muitos cenários de Call of Cthulhu publicados pela Chaosium e alguns são verdadeiras obras primas do RPG.
Certas aventuras são muito bem escritas, possuem idéias maravilhosamente originais, surpresas e reviravoltas de tirar o fôlego, vilões assustadores e situações insanas totalmente inusitadas. É material que poderia ser adaptado até para filmes que não fariam feio na tela grande (desde que tivessem um orçamento e realizadores à altura).
Esses dias revirei meus livros, folheando velhas apostilas, procurando aqui e ali em busca daqueles que são na minha opinião os melhores cenários. As cinco aventuras à seguir são as minhas preferidas em todos os tempos. Tive a chance de ser jogador em muitas delas e em outras tantas fui o keeper para diferentes grupos de jogadores.
Para criar essa lista considerei apenas aventuras One-Shot que não fazem parte de campanhas. Certos cenários dependem muito da estória central para funcionar e as melhores campanhas já foram categorizadas em outra oportunidade.
Sem maiores delongas, vamos à lista:
Quinto Lugar: "The Edge of Darkness" - Livro Básico Call of Cthulhu RPG
Sim é isso mesmo: uma aventura de Livro Básico está nessa lista. Em geral, as aventuras que acompanham os livros de regras em RPG são bem fraquinhas. Essas aventuras estão lá apenas para dar uma idéia de como é a ambientação, apresentar as regras e fazer com que os principais elementos do cenário sejam compreendidos. Muitas vezes, a aventura acaba sendo meio didática, soa um tanto artifical, como um a-b-c do jogo. É como se o autor dissesse: "As aventuras são mais ou menos assim".
Mas essa é a exceção que comprova a regra. "Edge of Darkness", também chamada em uma edição mais antiga de "The Lurker in the Attic" (um título danado de ruim, que entrega muito da estória) é uma pequena jóia. Um cenário que parte de uma premissa simples que consegue reunir alguns elementos centrais de Call of Cthulhu: terror em um lugar isolado, uma criatura implacável e monstruosa, um ritual antigo que deve ser executado pelos investigadores e erros do passado que retornam para assombrar aqueles que exploram o sobrenatural.
A estória é bem simples: Anos atrás, um grupo de ocultistas amadores realizou um ritual em uma cabana e invocou acidentalmente uma criatura que ficou aprisionada nesse lugar. Décadas depois, quando o último dos envolvidos no ritual está à beira da morte, o grupo é incumbido de consertar o erro e banir a criatura antes que ela se liberte. Apesar de não ter muitas novidades, "Edge of Night" talvez seja a melhor introdução para jogadores de primeira viagem ao universo de Call of Cthulhu.
Ela é sempre minha escolha para apresentar o universo dos Mythos a novos jogadores.
Quarto Lugar: "The Fog of War"(No Man´s Land - Parte 1)
Não tinha como dar erado! "Fog of War" é um cenário que mistura o horror da Grande Guerra nas trincheiras da França com o Terror Cósmico do Mythos. O resultado é uma peça trágica à respeito da irracionalidade da guerra, destruição e insignificância da humanidade diante de forças muito mais antigas. Sem falar que é uma estória do caramba! Como diria um colega "doidimais"!
Nesse cenário, os jogadores assumem o papel de soldados do Exército americano servindo no front ocidental. Os jogadores tem a seu dispor rifles, metralhadoras, granadas e lança chamas. O grupo - um bando de soldados inesxperientes - faz parte da força de ataque que se envolve no sangrento confronto na Floresta das Ardenas.
Não demora para o grupo ser colhido pela fúria da guerra tendo um encontro com granadas explodindo, rajadas de metralhadora zunindo, morte implacável e destruição maciça, em cenas ao estilo "O Resgate do Soldado Ryan". Mas aí vem a virada: algo ainda mais terrível habita os campos de batalha enlameados e cobertos de arame farpado. E essa força invisível de pura maldade liquida os dois lados da disputa. Os personagens dos jogadores são os únicos sobreviventes e sozinhos terão de explorar a floresta mergulhando em um pesadelo que não parece ter fim. Sério, a aventura é uma jornada pelo inferno com situações cada vez mais dantescas.
Mestrei "Fog of War" em três oportunidades (e mais uma vez online!) e a aventura sempre parece diferente. Cada grupo a interpreta de uma forma. Se uma estória é capaz de juntar aventura, ação e terror em doses cavalares e temperar tudo com uma sensação de desolação, essa estória é "Fog of War".
Terceiro Lugar: "Behold the Mother" - Suplemento Dead Reckonings
"Caramba, que negócio doentio!" essas foram as palavras de um dos jogadores da minha mesa quando o segredo central de Behold the Mother foi revelado. E quando um cara com mais ou menos 30 anos fica bolado diante de um roteiro de estória de RPG é porque a coisa tem seus méritos.
De fato, essa aventura tem uma trama bizarra, direcionada para jogadores maduros pois envolve temas delicados tais como incesto, violação e fanatismo religioso. A trama é muito bem amarrada (nada é gratuito) e o estilo da investigação, embora seja um tanto linear, com uma pista levando a outra até a conclusão, funciona bem.
Nesse cenário, o último do livro "Dead Reckonings" os investigadores são reunidos com o objetivo de solucionar a morte de uma secretária em circunstâncias bizarras. O corpo brutalmente mutilado da jovem é encontrado perto de um depósito de lixo e as autoridades de Arkham exigem que o caso seja resolvido o quanto antes para tranquilzar a população.
Pode parecer um início comum, mas a medida que a investigação avança, os personagens descobrem que a jovem não é exatamente quem eles pensavam e que ela escondia segredos negros que remetem a uma das cidades clássicas da mitologia lovecraftiana.
O que torna "Behold the Mother" uma estória sensacional é a aura desagradável que permeia toda a narrativa e a sordidez dos vilões. O autor trabalha cada um dos NPCs e concede a eles motivações e uma razão de ser, eles não são meros personagens de apoio descartáveis.
E quando o horror se revela no trecho final, os investigadores estão envolvidos em uma teia de horror e loucura da qual é impossível se libertar. Devo ter mestrado essa estória umas três ou quatro vezes, e ela é uma das favoritas, senão a favorita da minha esposa.
Segundo Lugar: "The Eyes of a Stranger"
Eu sempre adorei os livros da Chaosium centrados na Era Victoriana. De todos os suplementos lançados sobre essa época, o melhor sem sombra de dúvida é a antologia "Sacraments of Evil" que tráz 6 cenários se passando na Grã-Bretanha do final do século XIX.
"The Eyes of a Stranger" é a primeira aventura do livro. E que início promissor! Talvez tenha sido essa aventura que me transformou num fã hardcore de Call of Cthulhu. Lembro que quando joguei essa estória fiquei impressionado pelos detalhes e pela maneira que o autor relaciona os acontecimentos.
Esse longo e intrincado cenário se inicia com os investigadores comparecendo a uma festa de gala na casa de um figurão da alta sociedade londrina. A festa é pretexto para a realização de uma sessão espírita, uma experiência com o mundo do sobrenatural visando contatar outra realidade. A experiência aparentemente fracassa, mas logo os personagens descobrem que ela terá graves repercussões. A partir daí os personagens começam a seguir o rastro de assassinatos em série, mergulham em pesadelos macabros, desvendam segredos da maçonaria, do submundo do crime chinês e até mesmo... Jack, o estripador!
O autor desse cenário é Scott David Aniolowski, na minha opinião um dos melhores autores de aventuras de Call of Cthulhu. Ele é responsável por outras excelentes aventuras, algumas que eu cogitei colocar nessa lista. Além de conceber idéias incrivelmente originais, ele consegue explicar suas trama com clareza, o que conta muito no momento de mestrar uma aventura.
Devo ter mestrado "Eyes" em pelo menos duas oportunidades e em ambas o resultado foi excepcional. Uma grande aventura sem dúvida!
Primeiro Lugar: "Bad Moon Rising"
E chegamos ao topo da montanha, para apontar qual aventura vai para o trono.
Para ser sincero nem tive de pensar muito, a aventura que escolhi é simplesmente incrível e merece figurar entre as melhores estórias que eu já joguei. Trata-se de "Bad Moon Rising", a última estória do livro "The Great Ond Ones", editado nos tempos da quarta edição, em meados de 1989.
Antes de falar propriamente da aventura, deixe eu contar um causo à respeito: comprei esse livro durante uma viagem aos EUA, muitos anos atrás. A loja (uma imensa comic shop chamada Enterprise, em Orlando) era uma Meca de RPG, jogos de tabuleiro, quadrinhos... O lugar vendia todo tipo de material de RPG e quando perguntei especificamente a respeito de livros de Call of Cthulhu, o atendente pediu para eu esperar pois ia chamar um cara que conhecia tudo do jogo.
O sujeito que apareceu, um camarada chamado Josh, era totalmente fissurado em Lovecraft e jogador inveterado de Cthulhu. O tipo do cara que cita nomes bizarros como "Tsathogua" ou "Yib Tstill" com familiaridade. Ele me levou até uma bancada onde estavam vários livros de Call of Cthulhu e começou a falar sobre cada um, citando aqueles que ele já tinha lido, os que tinha mestrado, quais tinha jogado, separando os bons títulos daqueles que não valiam muito a pena ter. Foi aí que ele pegou o Great Old Ones. Lembro até hoje das palavras do Josh: "That book will blow your mind! The last adventure is fucking awesome!"
Ele estava se referindo, é claro, a "Bad Moon Rising" e realmente, a aventura é tudo aquilo que ele disse!
É difícil falar desse cenário sem revelar detalhes da trama. O que posso dizer é que a estória se passa no Norte da Grã-Bretanha no ano de 1929 e envolve um projeto ultra-secreto das forças armadas. Os investigadores ficam sabendo à respeito dele, quase por acaso e começam a buscar mais informações sem imaginar que aquilo é apenas a ponta do iceberg. Esse é o tipo do cenário em que as surpresas e reviravoltas devem ser preservadas. A cara dos jogadores a cada revelação, é impagável!
Bad Moon Rising é uma estória que envolve elementos de ficção científica, aventura pulp e horror cósmico da melhor qualidade. A maneira como a estória é contada, a sequência de cenas bizarras, assustadoras e inusitadas e finalmente o final estarrecedor, tornam esse cenário nada menos do que épico.
Menção Honrosa: The Pale God
Esse cenário também é do livro "The Great Old Ones" e poderia tranquilamento figurar nessa lista, embora alguns trechos da estória sejam um tanto óbvios. Citei essa aventura por uma boa razão, ela é provavelmente a aventura que eu mestrei mais vezes.
Devo ter feito pelo menos umas 10 sessões de "Pale God" para grupos diferentes em eventos e encontros de RPG. Só no encontro da REDERPG no Bobs devo ter mestrado essa estória umas 5 vezes.
"Por que isso?", alguém pode perguntar. Bem, em primeiro lugar porque o cenário é rápido. Dá para começar e terminar em pouco menos de 4 horas de jogo sem comprometer o roleplay, o que torna a estória ideal para eventos. Segundo: ela tem uma trama bem amarrada e envolvente que fisga os jogadores logo na primeira cena. E finalmente, em terceiro lugar porque ela é extremamente divertida de mestrar.
O cenário envolve um colega dos investigadores que acaba morrendo sob circunstâncias bizarras. O grupo tem então que reunir pistas a respeito desse sujeito e descobrir com o que ele estava metido. Em seguida, a estória se converte em uma típica exploração do que poderia ser chamado de "casa mal-assombrada". As idéias nessa estória são bastante originais e o desfecho sempre causa comoção (para não dizer desespero) entre os jogadores.
Aí está, a minha lista pessoal. Se alguém quiser citar alguma outra fique à vontade para dizer qual é seu cenário favorito.