quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Props de Nyarlathotep - A Coleção de Recursos da Campanha Máscaras de Nyarlathotp (Parte 1)


Minha campanha de Máscaras de Nyarlathotep chegou ao fim, mas ficam as boas lembranças.

Foram praticamente três anos de jogo, com um ótimo grupo de dedicados jogadores e bravos investigadores dos Mythos de Cthulhu. A campanha teve grandes momentos e sequências de tirar o fôlego, surpresas, imprevistos, combates brutais e cenas de terror intenso - tudo aquilo que você espera de uma campanha icônica de Chamado de Cthulhu.

Uma vez que decidi mestrar usando as regras do Pulp Cthulhu, os cenários tiveram uma inclinação para ação e aventura. Não faltaram portanto tiroteios, explosões, perseguições, vilões terríveis e situações absurdas. Em um dos meus momentos favoritos em toda campanha o grupo de investigadores escapou de uma pirâmide no Egito, sendo perseguido por centenas de Carniçais famintos, enquanto um dos investigadores disparava uma metralhadora na capota do carro e o motorista guiava direto para uma gigantesca tempestade de areia. 

Mais pulp que isso, impossível!!!

Uma vez que Máscaras é tão conceituada eu decidi fazer algo diferente e utilizar algo que tornasse os jogos uma experiência mais envolvente.

E assim dei início ao projeto de Máscaras que começou a ser preparado um pouco antes da Pandemia. Minha ideia desde o início era criar recursos do Guardião que fossem evocativos e que trouxessem algo a mais para a sessão.

Mas ao longo da campanha, mais elementos foram sendo incorporados à trama, com props, trechos de áudio, cenas de filmes,  documentários ou simplesmente imagens que eram mostradas na tela da televisão para que o grupo pudesse ter uma experiência mais completa e envolvente dos acontecimentos.

Também usei bastante o famoso Quadro Branco (por vezes até três quadros ao mesmo tempo) para auxiliar nas investigações. Com as pistas fixadas no quadro, o grupo podia estudar os elementos centrais da história à medida que esta ia se desenrolando.

Eu gostei muito desse tipo de narrativa recorrendo a elementos áudio visuais. O resultado foi tão bom que incorporei esses recursos em praticamente todas as minhas mesas de RPG dali em diante. Hoje ter recursos físicos, imagens na tela e pistas a serem analisadas se tornou algo recorrente. De certa forma, Máscaras foi um divisor de águas. 

Ao longo dos três anos de campanha fiz um registro fotográfico de nossas sessões e do material usado e achei que poderia ser interessante compartilhar aqui no Mundo Tentacular.

Como é muita coisa, decidi dividir em alguns artigos.

Muitos dos recursos que utilizei são parte do Livro do Mestre que já oferece um material muito bem feito e pronto para ser usado. Eu simplesmente recortei e plastifiquei boa parte dos recursos para que eles não sujassem ou amassassem. O resultado foi muito bom! 

Entretanto, como eu alterei muitos elementos na trama, precisei incluir outros recursos que estivessem à altura. Alguns, que fazem parte do Kit da Campanha criado pela HPLHS eu consegui encontrar online. Copiei e imprimi para usar direto na mesa, mas dezenas de outros são originais, deram um trabalho danado para produzir, mas resultaram em algo bem satisfatório. 

A seguir, alguns deles com breves comentários.

AS MALAS DE VIAGEM


A ideia original era usar um baú de Viagem, o tipo de coisa que era levada em viagens longas ao redor do mundo no inicio do seculo passado. Eu guardaria o material dentro dele. Mas como já tinha feito algo parecido para a Campanha Horror no Expresso do Oriente (Horror on the Orient Express), pensei em outra coisa. 

Ao invés de um baú único para guardar os itens da campanha, surgiu a ideia de dividir em quatro maletas individuais. As maletas teriam diferentes tamanhos, cada uma delas contendo parte do material da campanha - as pistas, os documentos, mapas, fichas de personagens e toda sorte de prop que eu conseguisse juntar.

Eu encontrei maletas em madeira mdf em diferentes tamanhos e optei por usar quatro delas. Assim que elas vinham originalmente.


As maletas já tinham alças e uma tranca na tampa. Uma vez que elas tinham uma cor crua eu pude usar tinta para personalizá-las. 


Optei por pintar as maletas de preto, cor que se tornou predominante em Máscaras. Usei um papel decorativo num padrão preto e branco para forrar a tampa das maletas, como se elas fossem estofadas e o efeito geral ficou ótimo. Esse padrão foi repetido em vários itens, como poderão ver nos próximos artigos.



Imprimi o nome da campanha e colei na frente da tampa, como se fosse um tipo de identificação, achei que esse detalhe acrescentou um elemento interessante.

Outro pequeno detalhe foi acrescentar etiquetas amarradas com barbante nas alças das valises. 

Geralmente quem fazia essas viagens longas ao redor do mundo tinha etiquetas semelhantes usadas para identificação na alça das malas e valises.

Escolhi dois desenhos clássicos ligados a campanha para ilustrar as etiquetas de viagem e coloquei meu nome na parte de dentro.

Na parte interna de cada tampa escolhi um desenho evocativo da campanha. 


A maleta menor tinha essa imagem do avatar do Caos Rastejante em destaque, por sinal, essa é a capa da quarta e quinta edições da campanha.

Nessa maleta menor coloquei os kits de dados personalizados da campanha Masks of Nyarlathotep (brancos com números vermelhos) e do Deus Exterior Nyarlathotep (que são vermelhos com números brancos).  Depois vou mostrar os dados em mais detalhes.


Na segunda maleta, o tema na tampa foi o Egito, mais especificamente essa imagem de um papiro apresentando uma série de Hieróglifos e a imagem do terrível Faraó Negro em evidência.

Nessa maleta ficaram os passaportes (que vou mostrar em seguida), alguns props físicos que utilizei na campanha e um bloco de anotações com nomes de lugares e personagens importantes na trama. 


Na terceira maleta coloquei um mapa do mundo com os lugares que seriam visitados em destaque, o Culto presente na localização e o Avatar de Nyarlathotep que constituía a grande ameaça naquele trecho.


Aqui é possível ver mais detalhadamente o mapa e as anotações feitas em caneta vermelha aludindo ao que seria encontrado em cada parte da campanha. 

Na parte de baixo do mapa há uma citação tirada do conto Nyarlathotep: "And where Nyarlathotep went, rest vanished" (E onde Nyarlathotep ia, a paz desaparecia).

Nessa maleta eu guardei alguns props físicos, as imagens dos investigadores em porta-retratos, a capa do livro escrito por Jackson Elias, o diário de Elias sobre a Expedição Carlyle, o diário da campanha, os dois escudos do Guardião e outros props que depois vou detalhar. 


A quarta e maior maleta tinha na tampa um mapa bem mais detalhado da jornada da expedição Carlyle, bem como a imagem dos seus membros e mais alguns detalhes interessantes de onde eles passaram.


Eu usei por algum tempo essa caixa maior para guardar os dois volumes da campanha, envolvidos por uma tira de couro que os mantinha juntos como se fosse um tomo único.


Mas depois acabei optando por guardar os livros no estojo (slip case) que veio com a campanha e onde ela ficava mais protegida. Ainda assim, manter os livros dessa forma ficava bem legal.

Nessa caixa coloquei os Recursos do Guardião divididos em sete pastas, seis delas se referindo a cada capítulo da campanha (Peru, Nova York, Londres, Cairo, Quênia, Austrália e China) e uma pasta para os Recursos variados e elementos de campanha. Separei uma outra pasta para reunir os mapas que viera no kit do Guardião e outros que imprimi. Também reservei uma maior para guardar as fichas dos jogadores, calendários e miudezas que poderiam ser úteis no correr da campanha. Material que depois também vai ser detalhado.


No total, as quatro maletas cheias (sem os livros) pesavam quase 10 quilos.

OS PASSAPORTES


Passaportes são uma tradição em campanhas Globe Trotter de Chamado de Cthulhu.

Eles são usados majoritariamente como props, mas em Máscaras de Nyarlathotep, os passaportes de diferentes nacionalidades cedem lugar a algo chamado Passaporte Nansen.

Os Passaportes Nansen foram emitidos pela hoje extinta Liga das Nações (precursora da ONU) entre 1919 e 1927. Era uma espécie de Passaporte generico que servia para qualquer pessoa independente de nacionalidade. Usando esse tipo de passaporte, o portador do documento podia viajar livremente e atravessar fronteiras como uma espécie de "cidadão do mundo".


Infelizmente os Passaportes Nansen deixaram de ser usados depois de 1927. Vários países integrantes da Liga das Nações passaram a exigir o documento oficial do país de origem e negar o visto de quem usava somente o documento genérico. Com o tempo, os Passaportes Nansen passaram a ser usados apenas para apátridas, refugiados e indivíduos que tencionavam renunciar a sua nacionalidade original.

Eles chegaram a ser usados novamente após a Segunda Guerra Mundial, mas tiveram curta existência. 


Eu encontrei o modelo dos Passaporte Nansen na Internet, eles estão disponíveis na caixa de props da HPLHS, e fazem parte do material da campanha.

Gostei da história desses passaportes genéricos e decidi incorporar à campanha.

Imprimi a Capa dos passaportes e colei sobre uma caderneta fininha mais ou menos do tamanho de um documento aduaneiro. Ficou bem convincente.


Em seguida fiz o interior do documento com os detalhes que achei na internet, inclusive os dizeres na contracapa explicando o funcionamento do documento e garantindo a validade do mesmo para todos os signatários da Liga das Nações.

Confeccionei um passaporte para cada investigador, com o nome na capa e detalhes particulares no interior dos documentos.


A cada país visitado ao longo da campanha, eu colava o carimbo que reconhecia a entrada no país. 

Encontrei na internet os carimbos de cada um dos países em que se passavam as aventuras, então no espaço destinado às visas eu colava os selos, carimbava e assinava o nome do agente da aduana.

Também achei os selos de autenticação da Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos que eram as nacionalidades da maioria dos personagens. Estes selos reconheciam e autenticavam os Passaportes Nansen, dando ao seu portador a garantia de que estavam de posse de um documento reconhecido por seu país de origem.
 

Cada passaporte contava ainda com a fotografia do investigador e mais algumas informações como nacionalidade, local e data de nascimento, particularidades físicas, filiação, além de outros pequenos detalhes.


Eu achei que esses Passaportes deram um colorido todo especial aos personagens e a identidade de cada um deles.


Fiz um passaporte Nansen também para o principal NPC da campanha e aliado dos Investigadores - Jackson Elias. Este era encontrado na cena do quarto de hotel no cenário em Nova York.


Tive que inventar alguns detalhes à respeito de Jackson Elias, como sua data de nascimento e filiação, mas acho que ficou bem legal.

Utilizei essa fotografia do personagem que é a imagem presente na versão espanhola da campanha. 

Ficou bem legal e para finalizar bastou assinar em nome de Jackson Elias.


Aqui é possível ler o texto contido na contracapa do documento:

LIGA DAS NAÇÕES:

A todos que receberem esse documento, saudações.

O Ministério do Exterior da Liga das Nações reconhece o portador deste passaporte.

(NOME DO PORTADOR)

como indivíduo protegido pelas convenções do Direito Internacional.

Este Passaporte é válido para uso em todas as nações signatárias dos termos da Liga em seus devidos territórios.


Aqui é possível ver mais alguns detalhes dos carimbos de passaporte e as anotações nos documentos simulando a verificação feita pelo agente aduaneiro.

Tentei disfarçar a letra e usar canetas com tinta de diferentes cores para diferenciar as anotações, já que elas foram feitas em lugares distintos. Isso deu um ar de autenticidade.

No próximo artigo, vou mostrar o conteúdo das maletas de viagem e outros props. 

Fiquem conosco!

domingo, 27 de agosto de 2023

Cinema Tentacular: Resenha de "Fale Comigo" (Talk to Me)


Muitas pessoas defendem a tese de que filmes de terror precisam se reinventar constantemente para serem efetivos. Se um filme não trouxer novidades e frescor, dificilmente ele vai assustar alguém. Eu penso de forma diferente, os filmes de terror só precisam ser bem feitos para serem efetivos. O medo vem naturalmente, de acordo com o que é mostrado.

Tomemos por exemplo Fale Comigo (Talk to Me) que acaba de estrear no cinema. Você sem dúvida já viu essa história antes, se for um fã do gênero, você já assistiu centenas de filmes com uma premissa similar. A de que procurar no sobrenatural a solução para suas aflições é no mínimo perigoso. Contudo, apesar da história comum, ele consegue um excelente resultado.

"Talk to Me" é uma típica história de fantasmas, espíritos malignos e Possessão. Quando o filme começa e você ouve os detalhes sobre um ritual que envolve convidar espíritos para possuir uma pessoa e estabelecer uma conversa, está na cara que isso não vai prestar. A diferença é que você não imagina o quão barra pesada vai ser a coisa.

"Talk to Me" coloca a culpa dos acontecimentos nas mãos dos seus protagonistas adolescentes. São eles que invocam o terror, sabendo dos possíveis riscos de suas ações e dos perigos envolvidos. É uma alusão clara ao universo do vício, no qual mergulham aqueles que estão dispostos a testar pela primeira vez e que se acham espertos a ponto de acreditar poder parar quando bem quiserem. Em determinado momento, os personagens estão tão enredados pela situação que não há escapatória. Os envolvidos estão perdidos e serão destruídos por um dos horrores mais viscerais dos últimos tempos.

Tudo começa com uma mão de gesso, supostamente o apêndice embalsamado e decepado de um famoso médium morto. O estranho objeto vem acompanhado de maldições e maus agouros. Ao segurar a mão macabra e recitar algumas palavras, as portas do sobrenatural não são apenas abertas, elas são escancaradas.


Os co-diretores Danny e Michael Philippou, gêmeos australianos de 30 anos alcançaram popularidade graças ao seu canal no YouTube, o RackaRacka, no qual mortes são encenadas com resultados pavorosos ainda que cômicos. Fale Comigo é o primeiro filme da dupla e uma estreia deveras promissora. O filme foi aplaudido em festivais, ganhou as graças do público e critica que o chamaram de "o melhor filme de terror do ano". Não por acaso, ele foi adquirido pela distribuidora independente A24 responsável por algumas das melhores produções do gênero.

A cena de abertura dá o tom do que vem pela frente e é simplesmente brutal. Uma festa sanguinolenta que continua ao longo do filme, com gore desenfreado e uma história sinistra até o talo.

Mas “Talk to Me” também é uma história movida pelo amor incondicional e pela sensação esmagadora da perda, sentimentos que fazem com que os personagens enfrentem perigos tentando se conectar àqueles que amam e de quem sentem saudades. A dependência é total!

A trama é bastante simples, centrada em Mia (Sophie Wilde), uma adolescente ainda se recuperando da traumática morte de sua amada mãe dois anos atrás e que está cada vez mais distante do pai. Em uma tentativa equivocada de se sentir melhor, ela vai a uma festa onde o destaque é a já mencionada mão, de origem obscura.

Na festa ela ouve falar dos supostos poderes da mão e se interessa pela história. As regras para acessar os poderes da mão são bastante simples: 


1. Pegue a mão e repita “Fale comigo” para comungar com os mortos. 

2. Diga "Eu deixo você entrar" para permitir que o espírito assuma o controle de seu corpo. 

3. A comunhão não deve durar mais de 90 segundos, ou haverá sérias consequências. 

4. Você acende uma vela para abrir a porta para o além e apaga para fechá-la. 

5. Se você morrer antes de conseguir fechar a porta, o espírito fica com você.

Num misto de curiosidade sobrenatural e arrogância adolescente em suas formas mais básicas, Mia aceita tomar parte do ritual. E é assim que a coisa tem início, de forma bastante inocente.

Após participar do ritual — ao mesmo tempo estimulante e profano — Mia, sua melhor amiga Jade (Alexander Jansen) e o irmão desta, Riley (Joe Bird), vão para casa achando que nada de mais irá acontecer. Eles estão errados, muito errados.


Os três atores são excepcionais, mas Wilde e Bird cativam sem fazer esforço. É fácil sentir conexão e proximidade com eles e se importar com seu destino. Ambos usam expressão corporal para elevar suas performances em sequências impressionantes. Nas tétricas cenas em que as entidades controlam os jovens, seus corpos são forçados até o limite se contorcendo e agindo de forma selvagem. A centelha de humanidade acaba sufocada por um descontrole aterrorizante. Entre momentos chocantes - bestialidade involuntária e múltiplas tentativas de suicídio motivadas por fantasmas - as notas de terror se intensificam e rendem um filme assustador.

De fato, fazia muito tempo que um filme de possessão não conseguia criar um horror tão enervante, recorrendo apenas a atuação dos intérpretes. Estivesse nas mãos de outro diretor, talvez não rendesse tanto, mas conduzida com tons macabros, a possessão se torna algo agoniante.

O espectador não é poupado em momento algum. "Fale Comigo" é cheio de sons viscerais, efeitos especiais bizarros e inúmeras reviravoltas que deixam o público na ponta da poltrona. O sangue em “Talk to Me” não é exagerado, mas com certeza é farto. Segundo os diretores, o uso de efeitos práticos, aprimorados com CGI, amplificam o terror ao máximo.

Não há nada de revolucionário na premissa de idiotas ingênuos tentando se aproximar do sobrenatural. Mas novamente, é a engenhosa combinação de horror e conexão humana que faz de “Talk to Me”, ser algo memorável.

Talvez seja cedo para cravar ser esse o melhor filme de terror do ano, mas sem dúvida está no topo da lista.

Trailer:


quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Sob uma Lua de Sangue - Eclipses sobre os campos de batalha



Ao longo da história a Lua sempre exerceu um fascínio especial sobre a humanidade. Lendas e mitos surgiram em torno dela em todos os cantos do planeta e em todos os tipos de culturas, não importa o quanto distantes ou díspares. Um aspecto da lua que sempre nos encantou ao longo dos séculos é o dos eclipses, e é aqui que as coisas ficam bastante estranhas. 

Eclipses sempre nos causaram igual fascínio e temor.  Eles eram um aspecto misterioso e desconhecido, do qual o homem não tinha conhecimento e que dada sua magnitude parecia algo assombroso. Houve ocasiões em que eclipses motivaram pânico em massa e até mesmo alteraram o curso da história. Aqui veremos casos de eclipses que influenciaram guerras com repercussões que reverberaram ao longo do tempo.

O caso mais antigo e talvez o mais conhecido data do ano 585 aC., durante a Batalha de Halys, travada na Anatólia (atual Turquia) entre os medos e os lídios. Aparentemente, a batalha ja seguia longa, sangrenta e árdua, com os dois lados se enfrentando sem um vencedor claro à vista. Em algum momento durante esta batalha incerta, foi relatado que o sol foi apagado por um eclipse solar, lançando escuridão total sobre o campo de batalha. De um instante para outro o dia se transformou em noite. Como resultado, houve um grande alvoroço em ambos os lados da contenda. Os homens gritavam ou choravam, lançavam-se ao chão pedindo proteção aos deuses e havia uma sensação geral de desorientação e pânico.  A luta cessou e as tropas olhavam para cima com espanto diante do desconhecido.

Na época, os eclipses eram coisas misteriosas que ninguém realmente entendia e que inspiravam admiração. Não se sabia que esses eclipses eram causados pela Lua que se interpunha entre a Terra e o Sol e, portanto, eram vistos como eventos celestiais portentosos de poderes além de nossa compreensão. Foi por esta razão que a batalha foi interrompida.  Tornando tudo ainda mais misterioso, este eclipse em particular foi reivindicado pelo antigo historiador grego Heródoto como tendo sido previsto pelo filósofo grego Tales de Mileto. Heródoto escreveria sobre isso:

"Certo combate corria sangrento, mas quando a batalha estava atingindo seu auge, o dia subitamente se transformou em noite. Este evento foi predito por Thales, o Milesiano, que avisou os jônios sobre ele, fixando para ele o mesmo ano em que realmente ocorreu. Os medos e os lídios, quando observaram a mudança, pararam de lutar e ficaram igualmente ansiosos para que os termos de paz fossem acordados."

Se o relato de Heródoto for preciso, este eclipse é o mais antigo previsto antes de sua ocorrência. No entanto, há algum debate sobre essa previsão, se foi realmente precisa ou mesmo se realmente aconteceu. Foi apontado que o conhecimento astronômico disponível naquela época não era suficiente para Tales prever o eclipse e, além disso, não há menção de quais seriam seus métodos ou como ele teria previsto tal coisa. 

Sabe-se, contudo, que houve um eclipse solar naquela data e que este interrompeu a batalha, mas nunca se saberá se Tales realmente o previu com antecedência. Seja qual for o caso, é um curioso relato de um evento celestial que colocou dois exércitos de joelhos.

Outro caso teria acontecido em 413 a.C., durante a Guerra do Peloponeso, uma luta de décadas entre Atenas e Esparta, na Grécia. No final de agosto daquele ano, o exército de Atenas, liderado pelo general aristocrático Nícias, já tinha visto dias melhores. Eles haviam empreendido campanha contra a cidade-estado siciliana de Siracusa em uma tentativa de impedi-los de enviar ajuda à cidade-estado de Esparta. O resultado foi contrário ao desejado, falharam miseravelmente, perdendo centenas de homens e pelo menos sete navios. O exército derrotado, com muitos feridos, acampou ao lado de um pântano escuro e infestado de mosquitos. Haviam muitos homens doentes, incapazes de continuar a lutar. Essa situação crítica ficou ainda pior quando os soldados espartanos chegaram para reforçar os siracusianos. Nicias decidiu erguer acampamento, fazer uma retirada para se reagrupar e conseguir reforços. O plano era se esgueirar sob o manto da escuridão e escapar de seus inimigos. Eles provavelmente teriam sucesso se não fosse por uma intervenção celestial.

Naquela noite, enquanto as forças de Nícias se preparavam para partir, houve um eclipse que deixou a lua com uma aparência vermelha profunda e sinistra. Essa visão atípica aparentemente deixou os atenienses em pânico, especialmente Nicias, que, segundo todos os relatos, estava absolutamente apavorado com o fato daquilo ser um mau presságio. Para o comandante o significado era claro: morte iminente. Depois de algumas conferências com seus sacerdotes e conselheiros, foi determinado que o eclipse era uma má notícia, um sinal do além, e o historiador grego Plutarco diria:

"A própria Lua escurecendo, como isso poderia acontecer e tão de repente? Uma ampla Lua cheia jamais poderia mostrar cores tão variadas. Ninguém era capaz de compreender o que se passava. Eles concluíram que era um evento sinistro e uma insinuação divina de calamidades pesadas por vir."


Foi decidido que, com um mau presságio pairando no céu acima de suas cabeças, seria tolice tentar fugir naquele momento e que eles deveriam adiar sua retirada. Infelizmente os espartanos e siracusianos aproveitaram ao máximo esse atraso, lançando-se para atacar. Houve uma batalha naval massiva que terminaria com uma surra severa que deixou os atenienses praticamente dizimados. Uma força conjunta de reforços atenienses e etruscos os ajudou a evitar serem completamente massacrados, mas uma vez cercados por uma força inimiga muito superior, os navios foram destruídos e o porto bloqueado. A força ateniense seria sufocada durante um esforço para abrir caminho por terra, e eles conseguiram chegar apenas à alguns quilômetros até o rio Anapo, onde foram massacrados ou capturados pelos espartanos. Nicias seria executado não muito depois disso, e tudo por causa daquele eclipse vermelho-sangue. A dramática derrota na Sicília foi o início do fim do domínio ateniense.

Um relato semelhante vem do ano 331 a.C. Na época, Alexandre III da Macedônia, mais conhecido como Alexandre, o Grande, estava se preparando para o que se tornaria a famosa Batalha de Gaugamela, contra seu inimigo mortal, o imperador Dario III da Pérsia. Alexandre estava em uma situação difícil na época, suas forças eram menores do que as dos bem equipados e bem armados persas. O resultado da batalha parecia sombrio para os gregos. Na verdade, houve quem pensasse que enfrentar o exercito persa era uma loucura e que os macedónios estariam condenados se prosseguissem. Enquanto eles se moviam em direção ao campo de batalha de Arbela, na Assíria, perto da vila de Gaugamela avistaram o exército inimigo. Nesse momento, ocorreu um eclipse total da Lua que passou a brilhar com um sinistro halo de sangue vermelho. 

Os astrólogos gregos foram rápidos em assegurar aos soldados que aquele fenômeno significava que o sangue do inimigo seria derramado naquela noite. O rumor se espalhou entre a tropa e a contagiou de tal forma que o moral se elevou imediatamente.

Do outro lado, o súbito eclipse aparentemente causou o efeito inverso com medo e tumulto se instalando entre os persas. Os homens, supersticiosos como eram, interpretaram o eclipse vermelho-sangue como um terrível presságio de destruição. As tropas aparentemente se tornaram confusas e desorganizadas. Os conselheiros e astrólogos de Alexandre, o Grande, tentaram persuadir seu líder a atacar naquela noite enquanto o inimigo estava desorientado pelo eclipse e a moral macedônia era alta, mas Alexandre recusou, optando por deixar o acampamento inimigo descansar, dizendo a famosa frase "Não vou roubar uma vitoria.

Considerando seu exército em menor número, talvez fosse tolice não aproveitar o momento, mas Alexandre venceria a batalha no final, em parte devido a suas táticas superiores e ao uso inteligente de forças de infantaria leve, mas também devido ao profundo efeito que o eclipse teve tanto no moral de seus homens quanto no medo que atingiu o inimigo. A derrota persa na Batalha de Gaugamela levaria à queda do Império Aquemênida e de Dario III, e os historiadores acreditam que ele se deu pelo menos em parte graças ao eclipse da Lua de Sangue.


Mais recentemente, houve um caso da Guerra Revolucionária Americana. Na época os eclipses ainda assustavam as pessoas e o próprio primeiro presidente dos Estados Unidos, George Washington, descobriu que informações sobre eclipses poderiam ser valiosas para o esforço de guerra. Em 8 de janeiro de 1777, poucos dias depois de suas impressionantes vitórias sobre os britânicos em Trenton e Princeton, o general Washington agradeceu em uma carta ao Conselho de Segurança da Pensilvânia por uma mensagem que dizia:

"De acordo com os cálculos astronômicos, na próxima quinta-feira, entre as 9 e as 11 horas da manhã, um grande Eclipse do Sol será visível aqui, talvez não seja errado nesta ocasião precaver-se de um medo supersticioso no Exército que poderia acontecer caso os Homens fossem inesperadamente surpreendidos com esta aparição."

De fato, um eclipse ocorreu e despertou muita superstição e medo nos homens, sendo julgado que "poderia afetar as mentes dos soldados e trazer algumas consequências ruins". 

Avisados do evento, a situação foi contornada e os homens acalmados. Do outro lado, entre os britânicos, houve confusão.

Curiosamente, mais de um ano depois, em 24 de junho de 1778, um eclipse solar total foi registrado como visível por combatentes das Carolinas à Nova Inglaterra e, neste caso, foi considerado um bom presságio. Talvez tivessem razão, porque as tropas de Washington ficaram no comando do campo de batalha e venceram.

Esses casos apenas aumentam a intriga e o mistério que a lua há muito tem para nós, especialmente em uma época em que os eclipses eram vistos como algo mais do que apenas um fenômeno planetário normal. Não parece importar se esses eventos realmente tiveram algum efeito mágico, apenas que as pessoas envolvidas acreditavam que assim acontecia.

Como dizem, as estrelas indiferentes dançam, executando seu balé cósmico, e os homens espantados vislumbram e tentam interpretar seu significado. Sem jamais serem capazes de conhecê-lo.

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

A Longa Campanha - Conselhos para quem vai narrar Máscaras de Nyarlathotep

E finalmente terminou!

Foram necessários 3 anos, 24 sessões de jogo e incontáveis horas para terminarmos aquela que é considerada a maior e mais emblemática campanha de Chamado de Cthulhu. Depois de muita sanidade perdida, muita loucura, muita intriga, esquemas, combates desesperados e disputas dramáticas, finalmente chegamos ao fim de Máscaras de Nyarlathotep.

Para quem conhece pouco, ou quase nada sobre essa campanha, talvez seja interessante falar um pouco dela.

Máscaras talvez seja a maior, mais desafiadora e mais completa campanha de RPG de que se tem notícia. Perceba bem, não estou falando de campanha de Chamado de Cthulhu, mas de Campanha de RPG de um modo geral. A coisa é gigantesca, massiva, cheia de detalhes e minúcias, com uma quantidade absurda de personagens coadjuvantes, reviravoltas, revelações, situações e muita, muita investigação ao redor do mundo.

Para nós, Narradores de RPG, campanhas são a conjunção de vários fatores. Uma campanha é como uma única história espalhada em capítulos que ensejam numa sequência mais ou menos integrada. Você pode ter momentos em que os personagens se afastam um pouco do foco central, mas no geral, a campanha segue uma premissa. Há um objetivo a ser cumprida e ele tem começo, meio e fim. 

Para o Narrador, uma campanha fechada se mostra um desafio considerável. É como escalar uma montanha: vai ter momentos tranquilos e outros complicados, vai haver progressos rápidos e outros demorados. E pode ter certeza haverão imprevistos. Cabe ao mestre conduzir a trama central ao longo dos episódios e fazer com que seus jogadores preservem o interesse até o desfecho.

Nem sempre isso acontece e muitas campanhas se perdem no caminho. Por isso, quando uma é concluída, há muito a se comemorar.

E o término de Máscaras de Nyarlathotep, em especial, merece ser comemorado. Se narrar uma campanha é como escalar uma montanha, concluir Máscaras é como chegar ao topo do Everest.

Máscaras de Nyarlathotep (doravante MdN) envolve uma enorme trama, uma de proporções épicas. A ação gira em torno de investigadores que tentam desvendar o que aconteceu com a mau fadada Expedição Carlyle

Roger Carlyle, um famoso playboy e Diletante americano, reuniu um grupo de notáveis indivíduos para uma gigantesca Expedição batizada com seu nome. Entre os membros estão o renomado arqueólogo britânico Sir Aubrey Penhew, o badalado psicólogo Robert Huston, a glamorosa socialite Hypathia Masters e o aventureiro Jack Brady. Além de M'Weru, uma bela e misteriosa nativa do Quênia que parece exercer um fascínio sobre o jovem magnata. 

As notícias sobre a Expedição ganham as manchetes de jornais em todo mundo e se tornam um acontecimento - verdadeira sensação. Cada passo é acompanhado por milhões de pessoas ao redor do planeta, ansiosas por saber tudo sobre seu progresso e seus membros.

Contudo o inesperado acontece! Após escavações preliminares no Egito, o grupo desaparece durante um safari. Semanas se passam, com o mundo ansioso por noticias, e estão, aquilo que mais se temia acaba se confirmando. Todos foram mortos, massacrados nas profundezas da selva por uma tribo feroz no Vale do Rift.

Anos mais tarde, um amigo em comum do grupo, o lendário autor e pesquisador Jackson Elias, contata os investigadores afirmando ter informações chocantes sobre o que aconteceu com a Expedição Carlyle. Mais do que isso, ele sugere conhecer detalhes sobre seus reais objetivos.

Com base nas pistas coletadas por Elias (um NPC extremamente carismático), o grupo terá de desvendar por conta própria os segredos da famosa Expedição arriscando suas vidas em cada uma das partes da campanha. A investigação os levará em uma jornada desesperada ao redor do mundo: da metrópole de Nova York para a Capital do Império Britânico, Londres, do Vale dos Reis no Egito até o coração do exótico Quênia, dos agrestes desertos da Austrália até a perigosa Shanghai, na China.

No decorrer da trama não vão faltar descobertas, reviravoltas e revelações de uma imensa conspiração que ameaça a humanidade. É claro, em se tratando de Chamado de Cthulhu, um Horror Ancestral está à espreita, comandando uma série de poderosos cultos e seitas fanáticas, devotadas a levar adiante seus planos sinistros. 

Conseguirão os investigadores superar esses obstáculos e impedir o pior?

Estruturada como uma megacampanha globetrotter, MdN foi concebida por Larry DiTillio e Lynn Willis em 1984. A primeira edição era relativamente simples, mas com o tempo, edições posteriores foram expandindo os cenários e adicionando mais e mais detalhes. A trama foi inchando e se tornando mais intrincada, mais complexa, beirando quase a megalomania.

Finalmente, na edição mais recente de Chamado de Cthulhu, editada por Mike Mason e equipe, fomos brindados com o que parece ser a versão definitiva de MdN. Além de trazer uma nova introdução, na forma de um cenário bônus se passando no Peru, foram incluídas algumas pequenas mudanças visando tornar a experiência de jogo ainda mais memorável. Algumas novidades funcionaram, outras nem tanto, mas de um modo geral, essa versão ficou bem completa.

Eu participei de MdN como jogador e após narrar a campanha como Guardião e posso dizer que, sem sombra de dúvida, essa é a edição mais completa. O material distribuído ao longo de dois enormes volumes se esmera em oferecer suporte para o Guardião, que terá muita coisa para absorver.

Pensando nisso, decidi escrever esse artigo no qual ofereço algumas sugestões para quem pretende chamar para si o desafio de narrar MdN. São dicas simples, algumas até óbvias, mas que podem ajudar o narrador de primeira viagem intimidado pelas dimensões da campanha. Como sempre, não quero parecer o "dono da verdade", são conselhos, não dogmas. Use o que achar válido, desconsidere aquilo que no seu entender não funcionaria para seu grupo. 

A palavra final é sua e de mais ninguém.

Pronto para escalar a montanha? Pronto para chegar ao topo do Everest? Então vamos lá...

1) Definindo o Estilo


Uma questão central para definir o tom da campanha é escolher entre o estilo Pulp e Purista.

Enquanto em um você dá atenção a aventura e empolgação, com doses enormes de ação cinemática, no outro você tem algo mais intimista e denso, mais de acordo com a proposta das histórias escritas por Lovecraft.

Escolher o estilo a ser impresso na campanha será a primeira e talvez maior decisão do Guardião. Não há uma resposta certa aqui, mas aquela que você escolher irá refletir no decorrer de toda a sua campanha o tipo de história que você pretende contar.

É importante entender que MdN é uma campanha extremamente difícil e que os jogadores vão penar para superar os desafios impostos a eles. Seja lá qual for a sua escolha de estilo, a campanha vai ser difícil para os personagens!

Numa campanha PULP há maiores chances deles enfrentarem os inimigos em pé de igualdade e sobreviver aos combates. Dependendo das regras adotadas, o grupo também será capaz de lidar melhor com o elevado fardo de Sanidade perdida. As histórias serão mais aceleradas, com mais combates e resoluções baseadas em ações ao invés de ponderações. Não há tempo para pensar, o importante é agir.

No estilo Purista, os investigadores estarão em flagrante desvantagem. Eles não estão preparados para os combates e a perda de sanidade será mais acentuada. Espere portanto muitas baixas! Contudo as sessões de jogo vão ganhar em profundidade, drama e fidelidade ao universo lovecraftiano. O Horror se torna mais visceral e os personagens são afetados diretamente. Pensar antes de agir, adotar uma postura cuidadosa e evitar enfrentamento direto serão uma necessidade caso eles queiram sobreviver.

Qual a melhor opção? Não há como dizer! A Campanha funciona nos dois estilos, então o ideal é conversar com os jogadores e decidir com eles qual dos estilos atende melhor suas expectativas.

Decidi narrar na versão PULP usando quase todas regras disponíveis no suplemento Pulp Cthulhu e o resultado foi ótimo. Mas o estilo purista, que usei quando narrei pela primeira vez, também tem seu charme.

2) Árvore de Personagens


Indo direto ao ponto.

MdN é uma campanha longa, difícil e pode ter certeza, personagens vão ficar pelo caminho, o que é uma maneira simpática de dizer que serão mortos sem dó e nem piedade. Seja nas mãos de cultistas fanáticos, nas garras de monstros bizarros ou uma infinidade de outros perigos. Há muitos combates a serem travados e a integridade física dos personagens não é garantida. Da mesma forma, a sanidade estará constantemente em cheque. Em uma campanha longa, não há tempo de se recuperar e lá pelas tantas, os personagens estarão com a sanidade em frangalhos.

Mesmo que o grupo seja extremamente cuidadoso, não há como evitar as lutas e a perda de sanidade em alguns momentos chave da trama.

Embora seja parte da ambientação, isso cria um problema para a sequência da campanha. Como inserir um personagem novo em folha quando um dos originais morrer ou enlouquecer? Por que os demais o aceitariam de bom grado? E na boa, o que faz alguém querer se juntar a um grupo de gente esquisita que arrisca o próprio pescoço em uma causa aparentemente perdida? 

Uma solução para essas questões é recorrer a algo chamado Árvore de Personagens. O princípio da árvore é criar personagens acessórios (nem digo coadjuvantes) que acompanham o grupo, mas que no decorrer das histórias se mantém nos bastidores realizando pesquisas, lendo livros ou analisando pistas. Eles podem ser chamados a participar da investigação e trazidos para a história sempre que seu jogador achar interessante. Para isso, o jogador substitui um personagem pelo outro. "Hoje vou deixar Lord Preston na biblioteca pesquisando o livro que achamos e vou usar meu detetive, James Marshal para procurar pistas no Cais do Porto". 

Muita gente pergunta: mas isso não dá confusão?

Não, se for bem feito. É tudo uma questão de organização para fazer funcionar. A Árvore de Personagens permite que um personagem perdido seja substituído de forma mais natural, permite fazer um rodízio nos membros e até facilita dividir o grupo para conduzir investigações em diferentes localidades simultaneamente. 

É um belo acréscimo se for usado de maneira correta e facilita muito a sequência de uma campanha longa e difícil como é o caso de Máscaras.

Há uma segunda opção que pode ser usada, algo que eu apelidei de "Legado". Nessa modalidade de substituição de personagens, o investigador oficial tem uma espécie de "suplente" para assumir o seu lugar caso ele seja incapaz de prosseguir na investigação.

O Legado é passado a outro personagem na forma de uma mensagem, uma carta ou do diário do seu antecessor. Este chega às suas mãos e ele fica sabendo dos eventos que recaíram sobre aquele que veio antes. O ideal é que exista um elo entre os personagens, um interesse de participar e disposição para assumir o lugar do outro, seja temporária ou definitivamente.

As duas modalidades funcionam bem e podem ser usadas como expediente para inserir novos personagens em uma trama em andamento.

Por experiência própria eu sei que em MdN, por volta da terceira aventura a coisa já vai estar meio feia em matéria de sanidade. No modo Purista talvez isso aconteça até antes. Ter uma opção de substituto é perfeitamente aceitável e faz total sentido.

3) Lidando com Pistas

Máscaras é uma investigação longa e cheia de detalhes (acho que já mencionei isso, certo?).

Essa é uma forma de dizer que no decorrer da trama o grupo irá encontrar uma quantidade assombrosa de Recursos do Guardião (handouts). Não estou exagerando, vão ser muitos, MUITOS Handouts. O grupo terá fartura de material para ler, esmiuçar, processar e por fim, investigar.

O mais complicado é que uma pista achada lá na primeira sessão só seja compreendida por inteiro na última. Ou que uma suspeita no prólogo só seja confirmado bem mais tarde, lá no finalzinho.

Para que os jogadores não percam o fio da meada e se confundam com quem, quando e onde uma pista foi achada ou ainda, qual o seu significado, eu aconselho manter um controle delas. Na maioria dos cenários, os jogadores podem ficar por conta própria, eles conseguem analisar as pistas uma a uma, mas em uma campanha isso nem sempre é possível. Ainda mais em uma campanha como MdN (eu mencionei como ela é longa?).

Minha sugestão? Ajude os jogadores a recordar de pistas antigas e se preciso, chame a atenção para Handouts que ainda podem oferecer um pedaço de evidência valioso. Eu penso da seguinte maneira: os personagens estão vivendo aqueles acontecimentos, eles estão analisando aquelas pistas frequentemente, os jogadores por vezes ficarão sem ver aqueles handouts por semanas, até meses. É natural que eles esqueçam de uma informação...

Se isso acontecer com uma pista e se essa for essencial, peça a eles que façam testes de Inteligência para que se recordem de alguma pista e possam fazer um "double check".

Isso não é "trapacear" ou "facilitar as coisas", está mais para fazer a investigação andar. Nada é pior do que os jogadores ficarem sem opções e sem saber o que devem fazer a seguir. É frustrante e incômodo não progredir... você não quer isso na sua mesa, frustração é o maior causador do fim de campanhas.

Faça as coisas se moverem, dê a eles condições sempre que julgar necessário.

4) Quadro Branco


O Quadro Branco está longe de ser um item obrigatório numa campanha ou numa sessão de RPG, contudo, ele é uma ótima opção para lembrar aos jogadores das pistas coletadas. Também facilita a visualização dos indícios e evoca um clima fiel de investigação policial à narrativa.

Você deve saber o que é um Quadro Branco de pistas, certo?

Se não, é exatamente aquilo que você vê nos filmes policiais, quando os detetives se reúnem para conversar sobre um caso ou para tentar entender o que está acontecendo na investigação. O Quadro é usado por detetives no mundo real para reunir num mesmo lugar os principais pontos de um caso e dispor de uma forma fácil os elementos principais.

No quadro não podem faltar fotos, imagens, documentos, desenhos e apontamentos que ajudam a se familiarizar com o caso. Pode parecer bobagem, mas esse tipo de coisa ajuda demais num cenário investigativo. Sem falar que os jogadores passam a reconhecer quem são os NPCs , sabem quem são as testemunhas e reconhecem mais rapidamente quem são seus inimigos e aliados. Numa trama cheia de personagens e de reviravoltas, o quadro é quase uma necessidade.

Sem falar que fica ótimo ter um quadro de pistas no canto da sala.

Tem mestres que são ciumentos de seu quadro branco, preferem que os jogadores não escrevam e não tenham acesso a ele. Outros deixam que o grupo trabalhe livremente, que escrevam e façam apontamentos, que anotem as suas pistas sem qualquer cerimônia, estejam eles, certos ou errados nas suas conclusões. Vai de cada um!

Um Quadro Branco funciona quase como um Diário de Campanha, algo que muita gente acha legal, incentiva, mas que (sejamos francos) poucos fazem hoje em dia - por questão de tempo, facilidade ou mesmo disposição. O quadro é o mais próximo de um diário de campanha que tem a participação de todos os jogadores, nem que seja apenas para olhar as pistas.

O tamanho do quadro branco pode variar de aventura para aventura. Eu chegue a usar três quadros nos capítulos de Londres e do Egito. Eu me acostumei a montar e desmanchar o quadro a cada capítulo avançado e por vezes deixava anotações que pudessem ser valiosas para colocar o grupo no caminho certo da investigação. Entre uma história e outra, eu apagava o quadro e recomeçava um novo. Quando o grupo chegava para um novo episódio da Campanha, o quadro já estava esperando por eles. À medida que as pistas iam sendo obtidas elas iam sendo fixadas no quadro e conexões sendo feitas para facilitar a investigação. Ver o quadro crescer é bem legal!

Você pode colocar tudo que julgar útil - mapas, fotos, imagens, retrato falado, documentos obtidos - tudo que for interessante pode e deve estar ao alcance dos olhos dos jogadores. Isso facilita MUITO a sessão.

5) Frequência e Duração


Outro ponto delicado em campanhas de longa duração diz respeito a marcação e sequências dos jogos em si.

Se não houver frequência na campanha, pode apostar, o interesse por ela irá diminuir e ela vai acabar antes de chegar na tão esperada conclusão. Você já deve ter percebido que em séries de televisão, quando passa muito tempo entre uma temporada e outra, o interesse do público começa a cair. O mesmo acontece com campanhas de RPG.

Se passar muito tempo entre uma parte da trama e sua continuação, o interesse do grupo começa a diminuir. Isso é natural! O grupo começa a esquecer de detalhes e se perguntar se a história vai seguir em frente.

Cabe ao Guardião o papel de motivador do grupo no sentido de manter o interesse pela campanha aceso. Eu gosto de fazer "Sneak Peaks" (falar do que espera o grupo no próximo capítulo). Sempre que termino um episódio, dou uma pincelada de como vai ser o próximo. Usando como analogia as séries de televisão, é meio como aquela sequência rápida na qual "cenas do próximo capítulo" aparecem para manter a curiosidade do público. Sem entregar muito, é possível sugerir o que espera pelo grupo e quais as dificuldades a serem encontradas na próxima aventura. isso mantém o interesse.

A medida que o tempo passa, descobrimos que reunir nosso grupo habitual para uma tarde de jogo se torna tarefa cada vez mais difícil. Por vezes, alguns dos jogadores tem seus próprios planos, acabam surgindo compromissos familiares ou profissionais ou alguma poderosa força exterior (cof... namorada, cof...) que os impede de jogar. Uma sugestão é marcar os jogos com antecedência, ter um calendário bem elaborado para que todos possam se organizar e programar a escapada para o joguinho com os amigos.

Quando narrei MdN definimos que as sessões seriam mensais, mas é claro que não foi possível manter essa programação. Sempre aparecem imprevistos e ninguém está livre deles, contudo, tenho pra mim que a ausência de um dos jogadores não deve atrapalhar na diversão dos demais. Mesmo em grupos muito unidos. Adotamos o compromisso de que, se a metade mais um dos jogadores pudesse jogar, as sessões seriam confirmadas e isso funcionou muito bem. Às vezes esse tipo de comprometimento é necessário para a campanha não ficar estagnada.

6) Side Treks

A Campanha central que compõe MdN tem 7 cenários principais. Estes precisam ser jogados para que ela seja concluída. Contudo, Masks possui uma série de Side Treks.

Caso você esteja se perguntando o que diabos é uma Side Trek, eu explico.

Uma Side Trek é uma missão acessória, um cenário que não faz necessariamente parte do enigma central, mas que oferece uma oportunidade de investigar um outro mistério. Basicamente, nas Side Treks, os investigadores exploram outras opções ou simplesmente acabam atraídos por pistas falsas. O resultado dessas investigações paralelas não influi diretamente na trama central.

Esse é um dos problemas que vejo nas Side Treks contidas na campanha Máscaras de Nyarlathotep.

Algumas delas são excelentes aventuras e que merecem ser jogadas, contudo, elas desviam a atenção da proposta original da campanha. E acreditem, os investigadores/jogadores já tem o suficiente para se ocupar focando exclusivamente na Expedição Carlyle. Inserir várias side treks pode parecer uma boa ideia do ponto de vista de usar a campanha ao máximo, mas por outro lado, elas vão quebrar o foco e possivelmente custar muito aos investigadores em matéria de recursos e sanidade (sem falar que alguns deles podem perder personagens).

Eu tenho a opinião de que perder um personagem em uma side quest é algo frustrante. Eu mesmo perdi dois quando joguei MdN e fiquei chateado ao saber que meus investigadores morreram em uma sessão que não tinha nada a ver com o objetivo central.

Pensando nisso, tomei uma decisão que muitos vão considerar controversa. Eu não usei praticamente nenhuma Side Trek quando narrei. Com isso, abreviei a duração da campanha (não muito, já que foram 24 sessões!), mas cortei tudo aquilo que no meu entender acabaria desviando demasiadamente o foco dos jogadores. Assim eles poderiam manter os olhos no prêmio e avançar mais rapidamente na trama central.

Não me entendam mal, algumas Side Treks são muito bem escritas, tanto que pretendo narrar estas como aventuras fechadas, apenas não como parte de uma megacampanha das dimensões de Máscaras.

Sim, eu sei, é um conselho para o qual muitos narradores poderão torcer o nariz, contudo eu não me arrependo de ter feito isso. Se por um lado alguns bons cenários foram cortados da minha campanha, por outro, ela seguiu de forma mais eficiente do início ao fim.

Se o narrador não quiser cortar TODAS Side Treks oferecidas no livro, eu aconselho a ponderar sobre quais serão realmente interessantes e quais poderiam ser preteridas e evitar as que não acrescentam tanto a sua campanha. Isso não apenas vai facilitar a vida do grupo como vai permitir que o foco seja mantido no que realmente importa.

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Bem é isso... Alguns conselhos de quem narrou Máscaras de Nyarlathotep.

Se você está para começar a sua campanha, eu lhe desejo boa sorte. Você está prestes a embarcar em uma das mais famosas e complexas campanhas de todos os tempos e tenho certeza que seus jogadores irão adorar cada momento dela. 

O trabalho será enorme, mas as recompensas, ainda maiores.

Feliz escalada! Nos vemos no topo!