Um vento forte soprava através do pântano e o ocasional ribombar dos trovões podia ser ouvido à distância. A tempestade não ia demorar a cair.
Aquela não era uma boa noite para andar sozinho, mas Jack havia ficado tempo demais no pub e tinha que voltar para sua fazenda. Cedendo às suas superstições, ele decidiu tomar a estrada principal ignorando os atalhos que conhecia com a palma de sua mão. Melhor não arriscar cair em um charco ou afundar num lodaçal.
Uma ventania especialmente forte soprou e quase o derrubou no chão. Lá no céu, o som dos trovões ecoou, revelando as montanhas e os cumes envolvidos por nuvens carregadas. Jack pensou consigo mesmo que aquela era uma noite dos diabos e que talvez fosse melhor retornar para o vilarejo. Ninguém iria rir dele ou chamá-lo de covarde por isso. A tempestade seria forte e ser pego no meio dela poderia ser perigoso. Pensou consigo mesmo onde poderia passar a noite, mas então, ouviu um som estranho, um ruído longo como um rosnado gorgolejante. Não vinha do alto, mas de trás dele.
Jack se voltou na direção de uma trilha de terra e percebeu uma sombra se movendo com o canto dos olhos. Seu coração bateu com força, descompassado. O medo primitivo o paralisou por um instante. Era o maior cão que ele já havia visto!
Ele sabia que não haviam cães selvagens naquela região. Ele havia vivido toda sua vida ali e nunca ouviu falar de um animal daquele porte. A coisa era enorme! De onde ele havia saído? A trilha de terra batida era estreita demais para comportar aquele bicho imenso. Adiante, não havia nada a não ser algumas fazendas abandonadas e velhos moinhos em ruínas. Ninguém para ajudá-lo.
Jack pensou que um cachorro teria medo de sair em uma noite de tempestade como aquela. Cães podem ficar raivosos quando se sentem ameaçados, por isso ele resolveu observar o animal com cuidado. Mas a fera não parecia assustada. Ele era grande como um cavalo. Preto como a noite, com uma pelagem selvagem e desgrenhada. Os olhos da besta refletiram a luz da lua, como os de qualquer cachorro, mas havia algo de perturbador naquele animal em particular. Seus olhos eram inteligentes e injetados com fúria.
O homem deu um passo vacilante para trás, os olhos fixos na besta. O animal rosnou mostrando as presas mas não se moveu um centímetro. Ele parecia uma gárgula de pedra, concentrada em sua presa e prestes a adquirir vida à qualquer momento, correr até ele, fazê-lo em pedaços.
Para chegar à sua fazenda, Jack teria de passar pelo animal monstruoso. Ele deu um passo e a criatura rosnou novamente, retorcendo os lábios e arreganhando os dentes como se ponderasse a respeito de avançar e acabar com aquilo de uma vez por todas. Os olhos faiscavam, como se ele estivesse saboreando o momento. Jack deu mais um passo e se encolheu pela lateral da trilha. Evitou movimentos bruscos entrando no meio de arbustos e espinheiros que cutucaram suas costas. Jack sabia que qualquer movimento incerto poderia ser o seu último.
Felizmente ele conseguiu contornar o monstro e continuou andando lentamente sem tirar os olhos do animal que às vezes deixava escapar um rosnado ameaçador. Depois de alguns passos vacilantes, ele começou a correr sem olhar para trás. Ele sabia que era o Cão Negro das lendas.
É claro, ele já tinha ouvido falar do Cão Negro. Todos já tinham ouvido falar da fera mortífera que assombrava o sul das ilhas britânicas. Ele lembrava de ter ouvido a lenda quando era criança, contada pelo seu avô. Recordou as recomendações feitas pelos mais velhos para aqueles que tivessem o infortúnio de cruzar o caminho da besta.
Corra e não olhe para trás.
Não diminua sua corrida.
Aconteça o que acontecer, continue correndo.
Jack já havia ouvido essa história muitas vezes. O Cão Negro vagava pelos pântanos nas noites sem lua. Ele era o responsável pelo sumiço de pessoas que andavam sozinhas através das charnecas lamacentas e pântanos de água estagnada. Suas vítimas jamais chegavam ao seu destino. Sumiam sem deixar vestígio e nunca eram encontrados. Mortas pelo Cão Negro!
A ponte que cruzava o riacho demarcando os limites da cidade estava logo adiante. Jack lembrou de um detalhe a respeito da lenda: se ele conseguisse atravessar água corrente, estaria à salvo. O Cão Negro não podia segui-lo além daquele ponto. Seu coração martelava. Ele continuou correndo. Mais. Rápido. Mais. Rápido.
Ele viu a ponte logo adiante. Os pés de Jack logo estariam sobre as pranchas de madeira da ponte e ele se sentiu um tanto idiota. Correndo como uma criança noite adentro, tudo por causa de uma tempestade. Deve ter sido sua imaginação! Um cão não poderia ser tão grande. Estava imaginando coisas! Havia bebido demais. Tinha de haver uma explicação razoável. Jack sorriu confiante. Ele estava quase salvo, teria uma bela história para contar amanhã no pub. Os outros ficariam impressionados. Ele havia vencido o Cão Negro na corrida.
Então um trovão ainda mais estrondoso transformou a noite em dia. Por um momento o trecho da estrada apareceu claro diante dos seus olhos e em seguida, um trovão aterrorizante foi ouvido anunciando a tempestade que começou a cair.
Jack teve uma sensação ruim. A boca ficou seca. Suas pernas pareciam de borracha. Um arrepio correu pelas costas como uma corrente elétrica. A sensação da presa descobrindo a presença ameaçadora do predador em seu encalço.
E tão certo quanto a noite é escura. Tão óbvio quanto o medo que o dominava. Tão claro quanto aquela tempestade cairia. A fera negra surgia diante dele, saltando para matá-lo.
Uma noite dos diabos.
"A Noite do Cão Negro"
Folclore das Ilhas Britânicas
"A Noite do Cão Negro"
Folclore das Ilhas Britânicas
* * *
Humanos e cães tem uma relação muito longa e íntima. Desde tempos pré-históricos, as duas espécies vivem juntas e caçam juntas. Cães foram uma das primeiras espécies de animais a serem domesticados pelos humanos: embora o termo "domesticar" não parece adequado para encompassar a incrível ligação que se estabeleceu entre homens e cães ao longo de milhares de anos.
De alguma forma, em face de nosso grande amor pelos cães - ou talvez por conta disso, a visão de um cão furioso e agressivo causa um tipo de medo primitivo. Ser confrontado com um cão feroz ou mesmo por um cão de grande porte com o qual não estamos familiarizados, causa inegável temor. Aquele que deve ser o amigo, o guardião, o companheiro se torna uma ameaça.
Dado esse sentimento a respeito de cães, não é de se surpreender que o folclore de vários povos do mundo possua histórias sobrenaturais a respeito de tais animais. Um dos mais duradores e disseminados exemplos de folclore nesse sentido se refere a lenda do Cão Negro (Black Dog), também chamado de Cão do Inferno (Hell Hound).
Sob vários disfarces, essa criatura sobrenatural espreita em cemitérios, estradas, ruínas e pântanos pela Grã-Bretanha e pela Europa ocidental. Imagens do Cão Negro estão muito presentes no folclore e na literatura britânica. Sir Arthur Conan Doyle tomou emprestada a lenda em 1902 para uma das aventuras mais conhecidas de Sherlock
Holmes, O Cão dos Baskervilles ("The Hound of the Baskervilles"). Em Dover o mítico "Cão Feroz das Estradas" aterrorizava os viajantes que insistiam em pegar os caminhos tortuosos do sul da Inglaterra. Na Espanha existem lendas sobre grandes cães demoníacos que atacam peregrinos que seguem pelas rotas conduzindo a Santiago de Compostela. Na França, o uivo de um cão negro simbolizava má sorte, já a visão do cão negro representava morte iminente. Agatha Christie escreveu um conto sobrenatural a respeito de um enorme Cão Fantasmagórico que matava em Cornwall ("The Hound of Death", 1912). Do outro lado do Atlântico, o guitarrista de blues Robert Johnson contava ter feito um pacto com o diabo numa encruzilhada. O demônio havia surgido para ele na forma de um Cão Negro.
A lenda do Cão Negro encontra similaridade com as histórias de lobisomens e aparece em contos de fada. Hans Christian Anderson escreveu a respeito deles em "The Tinderbox". Em vários contos, o Cão Negro era o monstro original, que gradualmente foi sendo substituído pelo lobo mal.
Mais do que uma fera, o Cão Negro passou a representar também um estado de ânimo. Winston Churchill costumava se referir à sua depressão crônica como "o Cão Negro sobre o meu ombro", e qualquer um padecendo do mesmo mal se referia a melancolia como resultado da presença de um Cão Negro. O termo "Noite do Diabo" também ficou intimamente associado a tempestades fortes e trovoadas. No sul da Inglaterra o termo Noite do Cão Negro ("Night of the Black Dog") se refere a uma noite chuvosa e trevosa, escura e assustadora. Uma daquelas noites em que é melhor nem sair de casa. Considerando que era em noites de tempestade e escuridão que tradicionalmente o Cão Negro vagava pelas estradas, faz muito sentido!
A base de todas essas histórias e mitos é sempre a mesma. A existência de um imenso Cão Negro de origem sobrenatural que aparece e desaparece misteriosamente trazendo medo, caos e muitas vezes a morte. Em algumas variantes da lenda, o animal é a encarnação de um assassino, executado pelos seus crimes cometidos em vida - Stephen King usou esse conceito ao escrever seu clássico "Cujo". Em outras versões, o Cão Negro é um ser feérico ou uma força elemental.
Os nomes variam muito: Barghest, Galleytrot, Hell Hound, Padfoot, Shuck,
Snarleyow, Striker, Trash, Wish ou Whist Hound, Yell ou ainda Yelp Hound – para mencionar apenas alguns. Eles tem muitos objetivos: profecia, vingança, carnificina, caçar ou meramente alertar; mas eles tem sempre em comum o fato de serem ameaçadores, perigosos e sempre foram levados muito a sério.
Os Cães Negros eram vistos como guardiões de cemitérios ou de campos de batalha, onde muitos cadáveres repousavam. Durante a sangrenta Guerras das Rosas e no decorrer da Guerra dos 100 anos, os Cães Negros eram vistos como Guardiões de valas e trincheiras em que cadáveres de soldados eram sepultados sem identificação ou lembrança. Para evitar que tais animais surgissem, soldados colocavam sobre as sepulturas, lápides improvisadas identificando quantas pessoas eram sepultadas num determinado local, como morreram e quando. Essa prática se estendeu ao longo dos séculos, sendo praticada nas Guerras Napoleônicas, chegando até a Grande Guerra. Ironicamente, não há nenhum grande conflito tendo como palco a Europa, em que a sombra do Cão Negro não tenha sido lembrada.
A Lenda do Cão Negro chegou aos Estados Unidos na forma do "Grim", um cão de origem sobrenatural que protegia cemitérios, em particular aqueles usados para sepultar os escravos no Sul. O Cão Negro se erguia para guardar as lápides e evitar que os ossos dos escravos fossem perturbados. Em uma lenda popular, um regimento de soldados negros que lutou pela União, era enterrado num cemitério do sul e exumado por soldados confederados. Pouco depois de perturbar o descanso dos soldados, um enorme Cão Negro surge para vingar a afronta matando os responsáveis um por um. Ainda segundo a lenda, pessoas que exploravam esses cemitérios, após o cair da noite se arriscavam a despertar a fúria do Cão Negro. É evidente que nesse caso os cães eram vistos como guardiões espirituais, protegendo os mortos da maldade dos vivos.
No folclore de vários povos, o Cão Negro cumpre a função de Sentinela dos Mortos, mas ele acumula também a função de Mensageiro de Portentos Sobrenaturais. Em algumas crenças do sul dos Estados Unidos, encontrar um Cão Negro num cemitério durante a madrugada garante um canal de comunicação com o Mundo Espiritual. Na Península Ibérica, existe a crença de que dar três voltas ao redor de um cemitério numa noite sem lua invoca um Cão Negro e este age como uma espécie de mensageiro carregando avisos para os espíritos. Há ainda a lenda de que um Cão Negro assim invocado pode ser compelido por um feiticeiro a assassinar seus desafetos. Essa lenda, muito difundida em Portugal foi trazida para o Brasil colonial e está descrita até no Livro de São Cipriano.
A lenda do Cão Negro é amplamente conhecida e presente no folclore mundo à fora. Pessoas que vivem em áreas rurais ouvem tais histórias desde a infância e se encarregam de levá-las para as próximas gerações. Longe de ser uma lenda obscura de tempos antigos, as narrativas sobre o Cão Negro continuam vivas no imaginário popular. Na Grã-Bretanha, berço de muitas delas, continuam sendo muito populares, sobretudo em Cornwall, Devon e Dartmoor, regiões repletas de charcos e pântanos que mudaram pouco nos últimos séculos. Avistamentos de Cães Negros não são incomuns, mesmo nos dias atuais, o que faz a alegria de jornais sensacionalistas.
Se os avistamentos dessas criaturas são genuínos encontros com o sobrenatural ou simples engano, confusão e invenção por parte de testemunhas, parece claro que a lenda persiste, muito longe de ser esquecida. Não há como negar que as histórias a respeito de feras assustadoras, negras como a noite, continuam sendo contadas, ganhando notoriedade.
Enquanto existir o medo do desconhecido, o Cão Negro continuará à espreita.
Cão Negro guardião dos cemitérios = Anúbis.
ResponderExcluirEu também ouvi dizer que Cães Negros perseguem pessoas em pecado mortal e que são devoradas por esses monstros que aparecem em noites tempestuosas e ainda matam qualquer infeliz que atrapalhar o caminho deles!
ResponderExcluirEu não sabia da existência desta lenda, quando criança eu criei na mente este enorme cao preto com olhos escarlates do qual eu fugia do escuro, achei interessante vi q não é coisa somente da minha mente !
ResponderExcluirConheço como lobisomem ,não acreditava muito até eu vê pela primeira vez quando tinha 13 anos de idade !acreditei mas ainda no dia seguinte porque deixou pegadas na varanda na casa da minha tia que era de frente pra nossa aonde morávamos em um sítio!minha vó falava das vezes que ela viu e ela ja tinha visto 3 vezes !
ResponderExcluirPra mim isso dever algum tipo de espírito ou entidade demoníaca que consegue possui algumas pessoas e transfigura a pessoa por completo quando se manifesta!porque o que eu vi era muito vivo !e era um velho que se transformava nesse bicho !quando eu vi era lua cheia e era quaresma!
é verdade eu ja fui lá eu vi os olhos e fiz o mesmo quase não sai com vida!!!!!! ajuda 😱😱😱😱
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