Originalmente publicado em fevereiro de 2017
“Embora três homens fossem responsáveis pela Ilha Flannan
e por manter o farol aceso,
A medida que nos aproximamos da costa,
nenhuma luz brilhou na escuridão da noite…”
W.W. Gibson - “Flannan Isle”
* * *
A oeste da Escócia, a cerca de 18 milhas da Ilha de Lewis, existe um grupo de ilhotas conhecidas como Flannans. A maior das Ilhas Flannan, Eilean Mor (Ilha Grande no idioma Gaélico), tem apenas 39 acres de extensão, erguendo-se a 288 pés acima do tempestuoso Mar do Norte.
Esse trecho era traiçoeiro para os navegadores, especialmente quando as tormentas deixavam o mar agitado e nevoeiros comprometiam a visibilidade. Várias embarcações acabaram perdendo seu referencial se chocando com as rochas negras ou com a costa acidentada. Para auxiliar os marinheiros, foi decidida a construção de um farol de 74 pés (22,5 metros) na Ilha de Eilean Mor.
O ano era 1899. O farol deveria lançar um feixe de luz a cada 30 segundos emanando um raio luminoso com a potência de 140,000 velas a uma distância de 24 milhas, para guiar embarcações contornando Cape Wrath e a caminho de Pentland Firth. A construção foi difícil, mas um ano depois, o farol foi concluído e já estava em operação na ilha.
Uma equipe de três guardiões foi contratada para operar e realizar a manutenção do equipamento. Era um trabalho simples, marcado pelo isolamento e longos períodos de solidão. Os homens contratados para o serviço eram experientes e cumpriram seu trabalho a corretamente. Eles tinham uma casa, suprimentos e passavam as noites jogando cartas enquanto mantinham a vigília.
Em 15 de dezembro de 1900, apenas alguns dias depois de completar o primeiro aniversário de operação do farol, o Capitão Holman do vapor Archtor, a caminho de Leith, Escócia, percebeu que a luz estava apagada. O mar estava forte, e furioso com o desleixo, Holman enviou uma mensagem para o quartel general da Cosmopolitan Line Steamers, empresa responsável pelo serviço.
A central tentou entrar em contato com um grupamento marítimo em Galen Rock, para que este averiguasse o que havia acontecido, mas uma forte tempestade havia cortado as comunicações. Nas noites seguintes, as embarcações que passaram pela área perceberam que a luz permanecia apagada.
O relevo acidentado da Ilha de Eilean Mor na Costa da Escócia |
Um grupo foi organizado para seguir até o farol em 20 de dezembro, mas as incessantes tempestades dificultavam a saída do porto. Um dos botes que levava o grupo quase virou e eles resolveram desistir até que as condições do tempo melhorassem. Em 21 de dezembro, algumas pessoas disseram ter visto o farol se acender, mas por um curto espaço de tempo. Aparentemente, a equipe estava enfrentando algum problema com o funcionamento do equipamento.
No dia 26, logo após o Natal, a tripulação de um mercante passando perto da ilha, soou uma buzina saudando o farol e em seguida disparou um sinalizador. Nenhuma das duas tentativas de contato obteve resposta - embora um dos marinheiros que observava a ilha com binóculos tenha dito que viu movimento na praia rochosa. Ao chegar ao seu destino, o capitão pediu que uma equipe fosse enviada para investigar.
O mar ainda estava bravio, mas permitia a aproximação de um bote a remo. Atracando na costa, o faroleiro Joseph Moore, que fazia parte da equipe mas estava de folga, encontrou a porta da casa que servia de abrigo trancada por dentro. Ele chamou e bateu palmas, mas não obteve resposta de ninguém no interior. Preocupado, ele arrombou a porta com certa dificuldade, pois havia uma barricada improvisada barrando o acesso. Na cozinha, Moore descobriu que o fogo da lareira havia queimado sem parar. Na sala, percebeu que o relógio da parede havia parado às 2 horas. Nos quartos não havia sinal de seus companheiros e as lareiras estavam apagadas a tempo. Os vigias James Ducat, Thomas Marshall e Donald McArthur haviam simplesmente desaparecido.
Assustado, Moore chamou pelos seus colegas uma vez mais, mas não "teve nervos" para caminhar até o farol e ver se eles estariam lá dentro. Ele preferiu voltar para o barco a remo e retornar mais tarde acompanhado. Uma equipe de resgate composta de quatro homens e mais um capitão foi rapidamente organizada em Galen Rock e seguiu para investigar.
A equipe escreveu o seguinte relatório, sobre o que encontrou:
Foto de 1899 logo após a inauguração do Farol |
No alojamento abrimos os armários onde encontramos roupas pertencentes aos guardiões. Duas capas de chuva e um par de galochas estão faltando.
O telhado da casa parece ter sido atingido com força pela tempestade e apresenta goteiras em vários pontos. Móveis foram movidos fora da posição original, segundo Moore que esteve aqui na véspera do dia 13 de dezembro. A pistola de sinalização não foi encontrada, nem os apitos de sinal.
A casa de barcos, foi seriamente avariada pela tempestade. O bote foi danificado, boias estavam espalhadas para todo lado e o equipamento que era mantido ali foi revirado. Não há nenhum sinal dos empregados do farol. Apesar da bagunça, não há nenhum indício de luta ou desentendimento".
Imediatamente um telegrama foi enviado para William Murdoch, Secretário responsável pelo funcionamento dos faróis na área – “Um terrível acidente aconteceu em Flannans. Os três vigias do farol: Ducat, Marshall e o temporário (McArthur) desapareceram. Nós vasculhamos a ilha toda e não encontramos sinal deles. Sumiram da face da Terra!”
A notícia rapidamente se espalhou e a tragédia apareceu no Highland News com a manchete: DESASTRE NAS ILHAS FLANNAN: MAIS UM MISTÉRIO SEM SOLUÇÃO. Os jornais foram rápidos em conectar o estranho acontecimento a duas tragédias que haviam ocorrido recentemente. Em abril um vigia havia escorregado nas escadas perto da casa de barcos e sofreu uma queda em que quebrou o pescoço. Em agosto um barco a remos que se aproximava de Eilean Mor virou e quatro homens se afogaram na água gelada.
Mas aquela tragédia era ainda mais bizarra, sobretudo porque ninguém sabia o que realmente havia acontecido.
Segundo Moore, o último a ver seus companheiros com vida, pouco antes de deixar o farol para sua folga, tudo estava tranquilo. Ele disse que seus companheiros estavam agindo da forma normal e que o estado de ânimo era bom. Nenhum deles parecia incomodado ou infeliz.
Especulou-se que James Ducat em sua última visita a costa, pouco menos de um mês antes do desaparecimento, havia reclamado de seu trabalho. Ele resmungou que não gostava de ficar em Eilean Mor e afirmava que o lugar não era "bom para seus nervos". Para muitos, ele havia tido uma espécie de premonição sobre o que estava para acontecer. Ducat havia enviado um pedido a Robert Muirhead, supervisor de faróis, para ser transferido para outra função. Muirhead insistiu entretanto para que o empregado continuasse na função, ao menos até o próximo ano, até um substituto seria providenciado.
Para um vigia de farol, a vida tende a ser solitária e pacífica, mas para a equipe na Ilha de Flannan as coisas nunca foram muito tranquilas. Para sobreviver eles tinham que lidar com um clima constantemente furioso, tempestades de vento cortante e o frio absoluto eram seus companheiro habituais. Os homens tinham suprimentos, mas precisavam pescar e cuidar de sua própria horta. Eles precisavam também realizar diariamente o mesmo trabalho maçante e repetitivo. Além disso, o espaço comum que habitavam era pequeno e confinado.
Após o desaparecimento, uma nova equipe foi enviada para cuidar do farol enquanto a investigação era conduzida. Os indícios apontavam que uma última pessoa havia ficado na casa e que havia se refugiado na cozinha depois de trancar as portas e dispor barricadas. Porque ele teria se escondido nesse lugar e o que ele queria manter do lado de fora?
No caderno de anotações de Ducat, a última informação é do dia 15 de dezembro. Não há nada de estranho: a leitura da velocidade do vento e temperatura foram realizadas como manda o manual. Ele comenta que a luz foi apagada às 9 da manhã do dia 15 pois havia luz suficiente para navegação.
“... todos as tarefas rotineiras foram realizadas. As grandes lâmpadas na torre de vigília estavam limpas e abastecidas para a próxima noite. O mecanismo estava em perfeito estado e o mecanismo havia sido limpo após a luz ter sido apagada pela última vez, o que demonstra que o trabalho estava sendo conduzido perfeitamente. Isso leva a crer que o que quer que tenha acontecido, teve lugar durante a manhã ou até o meio da tarde.
Dois vigias ouvidos durante o inquérito concluíram a seguinte sucessão de acontecimentos: provavelmente McArthur havia sido o último a ficar na casa, pois estava em seu turno de guarda à tarde. Ducat e Marshall teriam saído para verificar o equipamento na Casa de Barcos avariado pela tempestade na noite anterior. De seu posto de observação McArthur teria visto uma série de ondas se formando e correu para avisar seus colegas do perigo. Quando eles não ouviram seu alerta, ele resolveu ir até o lado de fora e avisá-los. Infelizmente ele não calculou bem o tempo que teria para chegar até eles e retornar antes da chegada das ondas. Os três acabaram alcançados e carregados para o mar onde provavelmente se afogaram.”
O relatório não mencionava em momento algum o fato de Moore ter encontrado a porta trancada e uma barreira montada no interior da casa. Não mencionava também o relógio parado ou o fato da lareira da cozinha ter ficado acesa enquanto a da sala e dos quartos parecia não ter sido usadas a dias. O testemunho de Moore foi considerado exagerado e até a integridade do funcionário foi colocada em cheque durante o inquérito.
De fato, na tarde de 14 de dezembro houve uma forte tempestade com ondas muito altas, mas no dia 15, data da última anotação no diário, não é mencionado nenhum sério. Além disso, existe a questão de que os três vigias tinham certa experiência. Eles não cometeriam o erro grosseiro de abandonar o farol durante uma tempestade com ondas fortes a ponto de varrer a ilha.
Mas existem outras teorias. Segundo alguns, um dos três vigias teria ficado louco e assassinado os outros dois enquanto estes dormiam. Ele teria arrastado os corpos até o mar e os amarrado a pedras para que afundassem. Finalmente, descontrolado e arrependido de seu ato, o assassino teria saltado para as águas revoltas onde também morreu. Alguns chegam a dizer que houve algum tipo de luta na qual a porta foi trancada e barrada, mas que mesmo assim, a violência irrompeu de tal maneira que todos acabaram mortos. Suspeitas a respeito de Donald MacArthur foram levantadas, e alguns chegaram a dizer que ele tinha problemas mentais e que havia passado alguns anos sob a tutela de um manicômio. Nada disso, entretanto foi comprovado.
Ilha Flannan hoje - o Farol continua lá. |
E há rumores ainda mais estranhos que mencionam discos voadores, serpentes marinhas e até mesmo um lendário pássaro gigante do folclore escocês que teria atacado o farol e levado seus ocupantes para alimentar os seus filhotes.
Historicamente as Ilhas Flannan sempre foram famosas por superstições que remetem a época anterior a ela ter recebido seu nome em homenagem a Saint Flan. Dizem que todos os que colocavam os pés na ilha tinham de repetir uma oração para o santo a fim de poder deixar o lugar, do contrário, uma morte terrível os aguardava. Há também estórias sinistras sobre fantasmas que atraíam homens para os penhascos e ventos repentinos que os lançam nas águas cinzentas e frias.
Seja como for, 70 anos se passaram sem mais nenhum incidente até que em 1971, o farol foi modernizado e automatizado, dispensando a necessidade de vigias permanentes na ilha.
Hoje, o solitário farol de Eilean Mor continua a lançar sua luz sobre o oceano, possivelmente buscando sinal dos vigias desaparecidos cujo paradeiro jamais foi descoberto.
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E é nesse ponto que os investigadores chegam na ilha para investigar o que aconteceu ...:D
ResponderExcluiradorei!
Essas historias reais são mais assustadoras que a ficção. Vai saber o que realmente aconteceu.
ResponderExcluirTalvez seja melhor nunca sabermos....
Pensei a mesma coisa Maxi.
ResponderExcluirSim, é daquelas estórias de horror que se escrevem sozinhas... tem tudo para se transformar em um dos meus próximos cenários.
ResponderExcluirÉ a tal coisa, provavelmente existe uma explicação totalmente racional para o que aconteceu, mas é sinistro imaginar três pessoas sozinhas em uma ilha e tentar supor o que teria acontecido a elas.
Sinistro!!! Boa história para uma partida de RPG. O que teria levado os 3 marinheiros? Aliens? Fantasmas? Deep Ones? Tentem adivinhar...
ResponderExcluirGostaria de saber como os seguidores de Cthulhu pretendem despertá-lo. Há algo no Necronomicon que permita isso?
ResponderExcluirA realidade consegue ser ainda mais misteriosa que a ficção...
ResponderExcluirEu aposto em Deep Ones!
ResponderExcluirE este trabalho de vigia de farol deveria ser bem maçante.
Caralho...isso foi verídico? Aconteceu mesmo?? Sinistro!
ResponderExcluirTem um jogo para PC, Sherlock Holmes: the awakened, no qual a última cena se passa em um farol abandonado, onde cultistas pretendem acordar Cthulhu. Apesar de não ser o mesmo farol, tenho a impressão de que foi baseado no eilean mor. Quem já jogou tem uma ideia de como deve ter sido para os investigadores que desembarcaram na ilha e a encontraram misteriosamente vazia. Alias, o jogo merece uma menção honrosa por ser uma obra de influência lovecraftiana que em nenhum momento menciona qualquer nome conhecido do Mythos, e ainda assim a influência é evidente.
ResponderExcluirMuito bom, vou procurar mais detalhes na net.
ResponderExcluirO que me deixa mais perturbado nesse caso é: nenhuma, NENHUMA das teorias apresentadas explica o porquê do relógio parado ou da lareira na cozinha estar sendo usada ao invés das dos quartos (o que implica em um tipo de refugio...?). No máximo o cara ter ficado louco e ai antes dele ter se matado ele ter ficado na cozinha por alguns dias, mas ainda tem o relógio...
ResponderExcluirO relógio, dada a idade da história, provavelmente era a corda, então possível que tenha parado com o tempo até alguém resolver investigar.
ResponderExcluirAinda assim é um caso instigante, parece muito com relatos de abduções.
Sinistro!
ResponderExcluirUm mistério que nunca será desvendado, afinal já são passados mais de um século. História incrível e triste, que me fez viajar a um passado longínquo ....
ResponderExcluirComo saiu a pessoa que estava trancada por dentro e com uma barricada? entenderia se todos tivessem do lado de fora a teoria da onda, mas havia pelo menos um dos três dentro do farol, já que diversos sites informam que a porta foi arrombada praticamente para o acesso ao farol.
ResponderExcluirNossa!!!!!!!!!!
Num é que virou filme (O Farol) um dos mais aguardado do ano!? sinistra essa história.
ResponderExcluirJá passei uma aventura de vampiro a máscara com um toque de Cthulhu nessas ilhas escocesas.
ResponderExcluirMas foi na ilha de Ioná. Dêem uma pesquisada em uma história que até envolve Alister Crowley
E como o filho do James aparece naquela ilha gente? Isso também ficou mal contado no filme.
ResponderExcluirMuuuuuito mal contado viu,tbm não entendi nada. Essa teoria de Ouro e que um tenha sobrevivido mão condiz com as investigações na casa.
ExcluirNão era filho do James, era um menino que provavelmente estava no barco junto a aqueles dois homens. O que o James disse é que o menino se parece com o Charles, que é o filho dele, pela idade do menino.
ResponderExcluirNão acredito em animais marinhos mitológicos , o fato de eles estarem cercados por mar bagunça um pouco a cena do crime e abre um leque de opções diferentes. Porém eu acho que a luz do farol chamou a atenção de algo , eles devem ter sido atraídos pra fora , algo aconteceu e o único que conseguiu escapar fugiu e se tranco montando a barricada , porém essa força maior foi capaz de magnetizar os objetos dentro do farol (o relógio) então ele parou , e algo puxou o homem para um destino semelhante aos outros , isso explica o fato de ele ter saído sem ser pela porta.
ResponderExcluirÉ um filme sem pé nem cabeça. Já os fatos são bem intrigantes. A explicação mais coerente é de que os três de alguma forma cairão no mar e morreram afogados. Daí os sumiços dos corpos.
ResponderExcluirMas isso não tem tanta coerência também, já que deixaram barricadas na porta. E também encontraram um diário de bordo com relatos assustadores, como tempestades fortes, os faroleiros chorando e rezando. É de fato uma história muuito sinistra
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