quarta-feira, 13 de julho de 2022

La Voisin - A história real da feiticeira e envenenadora de Paris


Algumas histórias de terror parecem tão incrivelmente bizarras que nos fazem pensar se realmente poderiam ter acontecido da forma como são contadas. Elas causam repulsa e fascínio na mesma proporção, nos forçando a buscar os detalhes, mesmo os mais inacreditáveis.

A história de Mademoiselle Dehayes (fala-se DÊ-Shaiê) é das mais estranhas e se dermos crédito a apenas uma pequena fração dela, já será o bastante para torná-la das mais aterrorizantes. 

Nascida em 1640, Catherine Deshayes, tornou-se esposa de um joalheiro parisiense e mercador de seda chamado Antoine Monvoisin. Ele tinha uma loja tradicional estabelecida em Pont-Marie, uma área nobre de Paris no século XVII. As coisas correram bem por um tempo, até que os negócios do marido afundaram e ele decretou falência em 1660. De um momento para outro, a família ficou na miséria, dependendo de terceiros para sobreviver. Isso marcou o início da estranha existência de Catherine, uma tão surpreendente e inacreditável reviravolta que parece algo extraído da ficção, mas que segundo os registros do período, são totalmente verídicos.

Segundo os rumores da época, Catherine sempre foi uma pessoa curiosa, excêntrica até. Os pais relatavam que ela ouvia coisas supostamente sussurradas por espíritos e isso lhe concedia um tipo de sexto sentido, uma faculdade muito popular na França. Ainda criança, Catherine surpreendia a todos interpretando sonhos e fazendo previsões. Em certa ocasião, com apenas sete anos de idade, declarou que um tio não viveria mais do que um mês e que ele teria uma morte violenta. O homem morreu exatamente um mês depois, num estranho acidente de carruagem. 

A menina era estranha; conversava e ria sozinha, dizia ter "amigos invisíveis" que falavam com ela e que lhe avisavam quando alguém queria lhe fazer mal. Estes "amigos" estavam sempre ao seu redor, como esferas luminosas que com o passar do tempo se revelaram nas mais variadas formas, desde pássaros flamejantes, lagartos sibilantes e até mesmo pequenos diabretes similares a imps.


Ao chegar à idade adulta, Catherine voltou-se para a adivinhação, em particular leitura de mãos e fisionomia, uma técnica que permitia interpretar as linhas faciais. Pessoas vinham de longe para se consultar com a jovem mulher que sempre acertava suas previsões. Ela apenas abandonou essas práticas quando casou e por muitos anos manteve suas habilidades mágicas em segredo à pedido do marido.

Contudo, quando a família perdeu sua riqueza, Catherine aos 21 anos decidiu retornar ao seu antigo negócio. Logo ela descobriu o quanto aquilo poderia ser lucrativo. Ela alugou um sobrado na Rue d' Auruil onde passou a receber as pessoas que vinham em busca de suas aptidões mágicas; fosse para ouvir aconselhamento, ler o futuro ou interpretar sonhos.

Havia, no entanto, algo ainda mais sinistro que ela oferecia aos clientes. Diziam as más línguas que Catherine abraçou atividades criminosas realizando abortos clandestinos, prática proibida na época, mas extremamente lucrativa. Ela atraía uma clientela rica e aristocrática para seu negócio de aborto, prometendo total sigilo e discrição. A elite de Paris conhecia seu endereço e a buscava quando surgia a necessidade. Várias mulheres aristocráticas a procuravam para por um fim em uma gravidez indesejada ou a uma indiscrição cometida.


Entretanto, Catherine não estava satisfeita e começou a combinar os dois ramos de atividade no qual estava envolvida. Em pouco tempo, ela passou a criar objetos mágicos e amuletos para vender à sua requintada clientela: Supostas poções de amor e afrodisíacos, filtros para evitar gravidez ou provocá-la, fórmulas mágicas para operar curas milagrosas e muitos outros produtos. Suas receitas incluíam ingredientes obtidos em sua ocupação como aborteira - sangue, órgãos, placenta e outras substâncias derivadas dos fetos extirpados. Estas podiam ser preparadas e destiladas em panaceias medicinais para todo uso - ou assim, professava.

Também havia outro rumor, o de que a feiticeira era capaz de lançar mão de magia negra se fosse paga para tanto. Seus malefícios podiam causar dano, ferir, aleijar ou até matar um inimigo. Dizem que a vizinhança a tolerava por temer suas habilidades mágicas e que mesmo a Igreja olhava para o outro lado, já que ela guardava um registro detalhado com o nome de suas clientes. Se algo lhe acontecesse, a bruxa prometia divulgar a tal lista que arrastaria o bom nome de muitas famílias para a lama.  

Agindo dessa maneira, a riqueza de Catherine não parava de crescer. Figura exótica na alta sociedade parisiense, ela era convidada para festas e soirées, participava de sessões visando contatar o além e de rituais profanos.


Catherine supostamente comandava uma cabala de bruxas, feiticeiros e alquimistas sediados em Paris, mas que possuía ramificações em Marselha, Lyon e Toulouse. O grupo era devotado a práticas esotéricas muito em voga na Paris do século XVII como a astrologia e tarologia, mas também promovia coisas mais assustadoras como missas negras. Quase todos esses rituais funcionavam como desculpas perfeitas para orgias e obscenidades que atraíam os decadentes nobres e burgueses parisienses, interessados em emoções fortes. Durante esses rituais, ela invocava o próprio Satanás para conceder desejos aos praticantes. As cerimônias eram supostamente assustadoras, e nelas, muitas vezes, se realizava sacrifícios de animais e, de acordo com alguns rumores, de recém nascidos.  

Para Catherine, aquele era um negócio lucrativo, já que boa parte de seus proventos eram obtidos chantageando os participantes de seu círculo, ameaçando expor as indiscrições das quais ela ficava sabendo. Eventualmente, sua infâmia se tornou tamanha que ela passou a atender pelo apelido de La Voisin, ou "A Venenosa". A alcunha também decorria dela oferecer aos clientes técnicas de envenenamento como forma de resolver problemas.

Catherine passou a agenciar uma rede de envenenadores profissionais e químicos para ajudá-la com o negócio sinistro de negociar venenos. De fato, a certa altura, um de seus amantes, o alquimista Adam Lesage, quase convenceu La Voisin a assassinar seu próprio marido, embora mais tarde ela desistisse. Diz-se que ao longo de sua carreira ela pode ter sido responsável direta ou intermediado até 2.500 mortes encomendadas. Nesse período, ela desfrutou da sociedade local, como uma socialite de tão alto nível e tão amada pela aristocracia que ninguém ousava cruzar seu caminho. No entanto, a queda de La Voisin estava se aproximando.


Sua derrocada começou com uma cliente chamada Madame de Montespan, que supostamente se tornou amante oficial do rei Luís XIV da França depois de Catarina realizar uma missa negra para ela ganhar seu amor e atenção. Montespan então usou poções de amor para manter o Rei interessado nela, mas o monarca acabou se entediando e a largou, preferindo uma mulher chamada Angelique de Fontagnes. Desprezada, Montespan não aceitou nada bem a situação, indo até La Voisin para comprar veneno com o intuito de matar tanto o rei quanto sua nova amante. Em 1679, La Voisin apresentou um plano engenhoso em que uma petição oficial seria revestida com veneno que poderia ser absorvido pela pele. O papel seria então passado ao rei por um cúmplice usando luvas. 

A conspiração obviamente não deu resultado porque o rei não estava aceitando petições naquele dia. Algum envolvido deve ter dado com a língua nos dentes pois duas associadas de La Voisin, as cartomantes e envenenadoras Marie Bosse e Marie Vigoreaux, foram presas pela polícia suspeitando de seus planos. As autoridades parisienses já estavam suspeitando das atividades de La Voisin desde que uma cunhada do Rei, a duquesa d'Orléans, havia sido envenenada. 

Submetida a interrogatório na Bastilha, Marie Bosse acabou apontando o dedo para Catherine, que foi rapidamente capturada. Como um castelo de cartas, sua rede começou a desabar a medida que os membros eram presos. 


Na cadeia, muitos desses associados foram coagidos a fornecer informações incriminadoras contra Catherine Deshayes, inclusive sua filha Marguerite Monvoisin  que revelou detalhes sobre as missas satânicas, cerimônias de magia negra e assassinatos intermediados pela Madame. O caso ganhou enorme notoriedade por envolver nomes importantes na corte em um escândalo sem precedentes. Ele se tornou conhecido como O Caso dos Venenos ou L'Affaire des Poisons

A própria La Voisin nomearia algumas pessoas da alta sociedade como seus clientes, fazendo muitos aristocratas proeminentes serem presos, exilados ou presos. O caso se tornou um grande circo da mídia na época. O medo de que ela entregasse pessoas da alta sociedade, políticos importantes e membros da nobreza ligados a seus crimes foi provavelmente uma das razões pelas quais ela nunca foi torturada, embora a ordem tivesse sido dada para que a tortura fosse empregada contra ela. La Voisin se recusou a revelar o nome de seus associados mais próximos e o nome de seus clientes.

Durante o julgamento, muitas evidências foram apresentadas contra La Voisin, incluindo vários frascos, cubas, jarros, potes, poções e caldeirões, bem como todo tipo de equipamento e apetrecho mágico encontrados em sua casa. Os promotores resolveram focar na acusação de feitiçaria, colocando de lado os assassinatos, sobretudo porque em acusações de bruxaria, a ré não teria a chance de se defender ou falar publicamente. Na época, o crime de feitiçaria ainda era levado muito a sério e a punição para uma bruxa podia ser severa. Após um rápido julgamento no qual as principais atividades blasfemas foram apresentadas através de testemunhos e provas, Catherine terminou condenada. Quando ela tentou mencionar o nome de alguns de seus clientes, ela foi calada e removida às pressas da corte.


Em 22 de fevereiro de 1680, La Voisin foi queimada numa fogueira montada na Place de Grève no centro de Paris. Desafiadora até o fim ela atacou um padre e chutou o feno empilhado ao seu redor. Ela ainda tinha uma mordaça na boca, supostamente para não proferir maldições contra os oficiais da corte.  Curiosamente, o responsável por acender a pira foi um de seus ex-amantes, o carrasco André Guillaume. 

Pouco tempo depois da execução, a coisa se tornou ainda mais escandalosa quando sua filha Marguerite  apresentou as histórias das missas negras e o plano de assassinar o rei Luís XIV. Isso tornou as acusações contra La Voisin ainda mais contundentes, embora ela já estivesse morta e não pudesse ser punida novamente. O caso inteiro era chocante, mas muitos trechos oferecidos por Marguerite acabaram sendo censurados ou apagados dos autos, livrando a maioria dos indivíduos poderosos que haviam se associado com Catherine Deshayes.

Ao longo dos anos, o caso de Le Voisin ganhou contornos de lenda e fatos começaram a se misturar com ficção. Hoje não se sabe ao certo onde um começa e outro termina, mesmo assim, é um incidente fascinante da história francesa.  

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