O chamado Pânico de Palhaços de 2016 pode ser rastreado até um bizarro incidente em agosto daquele ano. Palhaços sinistros supostamente foram vistos andando pelos arredores de Greenville, na Carolina do Sul, supostamente atraindo crianças para áreas desertas atrás de blocos de apartamentos. Era assustador e alarmante - não importa se era verdade ou mero rumor.
A maioria desses relatos vinham de crianças. Ninguém foi de fato ferido por esses palhaços ameaçadores que segundo algumas crianças viviam em uma casa próxima de um lago no final de uma trilha na floresta próxima. A polícia que investigou essa historia estranha a lá João e Maria não encontrou indícios de atividade criminosa, menos ainda, qualquer suspeito vestido de Palhaço.
De acordo com uma fonte da emissora NBC na época, "um morador disse que estava na frente do prédio uma tarde quando um de seus filhos foi até ele apavorado, afirmando ter visto palhaços na floresta sussurrando e fazendo sons esquisitos".
O morador acrescentou que dado o estado de nervos da criança, ele achou melhor verificar o que estava acontecendo. Ao entrar na mata se deparou com três ou quatro indivíduos vestindo fantasias de palhaço apontando luzes esverdeadas de laser na sua direção. Quando ele tentou se aproximar o bando fugiu. Se esse relato deve ser levado em conta, sugere que brincalhões seriam os responsáveis- talvez adolescentes usando máscaras para pregar uma peça nos meses anteriores ao Halloween. Seja lá o que fosse, esse foi apenas um dos acontecimentos bizarros envolvendo palhaços sinistros. Logo dezenas de outros relatos surgiam ao redor do pais.
Palhaços começaram a ser visto com frequência cada vez maior: espiando, espreitando, invadindo... o sentimento de Courofobia (o medo crônico de palhaços) foi às alturas.

A maioria das histórias sobre palhaços malignos não passam de ficção, mas alguns poucos, como o caso do infame assassino em série John Wayne Gacy são horrivelmente reais. Gacy, um cidadão acima de qualquer suspeita de Chicago, se vestia como Pogo uma figura que ganhou notoriedade pela sua imagem aterrorizante. Pogo, um palhaço diabólico, foi a inspiração para o palhaço Pennywise do romance IT de Stephen King.
Mas alguns acreditavam que haviam outros palhaços perversos vagando pelas ruas e parques, perseguindo crianças inocentes e tentando raptá-las - ainda que ninguém tenha sido preso ou processado. Alguns dizem que esses palhaços eram reais, enquanto outros afirmam que eles não passavam de imaginação. Essas figuras ficaram conhecidas como Palhaços Fantasma, uma expressão criada pelo autor Loren Coleman em seu livro "América Misteriosa".
Segundo Coleman, os primeiros relatos de Palhaços Fantasmas remontam a meados de maio de 1981, quando várias crianças da vizinhança de Brookline, Massachusetts, relataram ter encontrado homens vestidos como palhaços que tentaram atrai-los com a promessa de doces. A polícia vasculhou a área mas não encontrou nada. No dia seguinte, pais preocupados de Boston demonstraram preocupação quando seus filhos comentaram a respeito de adultos vestidos de palhaço. Outros relatos vieram à tona em cidades vizinhas nos meses seguintes, sempre com o mesmo padrão. Pais demonstravam preocupação, crianças eram avisadas para não falar com estranhos e policiais ficavam em estado de alerta. Mas a despeito de todo cuidado, nenhuma evidencia foi obtidas.
Apesar disso as pessoas continuavam receosas sem saber o que pensar, sobretudo porque muitas crianças continuavam falando sobre palhaços assediando e observando. Os casos continuaram esporadicamente, sendo que o auge dos relatos ocorreu em 2016, quando uma verdadeira febre de avistamentos varreu os EUA.
Sociólogos e psicólogos estudaram o fenômeno por anos, tentando compreender o que ele significava. A folclorista Sandy Hobbs e o historiador David Cornwell, escreveram um livro com o título "Inimigos Sobrenaturais - A Presença do Estranho e Inesperado nos quintais da América". O livro dedicava um longo capítulo aos Palhaços Fantasmas e analisava as raízes desse mito, como ele se espalhava e a justificativa para o pânico existente.
Para começar descobriram que o temor e a desconfiança quanto a palhaços era mais antigo do que se podia imaginar. Uma origem possível seriam os Espetáculos Itinerantes (Carnivals ou Carnivales) uma prática bastante comum na América do século XIX e inicio do século XX. Os Carnivales eram companhias de artistas que viajavam pelo país, visitando cidades pequenas no interior, oferecendo diversão e atrações circenses. Dentre as atrações haviam artistas com maquiagem espalhafatosa, que remetiam a vagabundos clássicos da Comedia de l'Arte. Esses personagens, que muitas vezes faziam alusão a ciganos e outras minorias estigmatizadas, ficaram associados a prática de sequestrar crianças e levá-las consigo quando o bando partia.
Esse temor parece ter se cristalizado no imaginário coletivo em várias cidades do interior, com pais e responsáveis incutindo nas crianças a noção equivocada de que palhaços eram estranhos e potencialmente perigosos. Soma-se a isso as famílias que ameaçavam seus filhos dizendo que se eles não se comportassem, os palhaços as levariam embora. Os espetáculos itinerantes tiveram seu auge na década de 1930 durante a Grande Depressão e sem dúvida contribuíram para o medo dos palhaços vagabundos que foi passado de geração em geração.
A pesquisa concluiu que o ressurgimento do Pânico dos Palhaços se deu por uma combinação da ação dos pais, da polícia e da mídia, cada qual ajudando a legitimizar rumores absurdos e infundados. Crianças mais velhas ouviam essas histórias e as repassavam aos mais jovens. Lendas Urbanas vinham à superfície depois de ficarem adormecidas por décadas. Dentro das narrativas surgiam o nome de crianças sequestradas e detalhes sobre casos ocorridos no passado: todos "ouviam falar e acrescentavam mais um pequeno fragmentos à narrativa, fazendo com que ela crescesse. Quando professores, autoridades, pais e os jornais compartilhavam alerta sobre uma ameaça, os relatos acabavam ganhavam legitimidade.
Em seu livro "Terrores Inesperados", lançado em 2024, Robert Bartholomew e Paul Weatherhead também examinam essa Lenda Urbana. Os casos geralmente estão associados com uma epidemia de rumores sensacionalistas e o relato de avistamento de figuras elusivas vestidas como palhaços. Além de causar estranheza, esses personagens pareciam surgir e desaparecer sem deixar vestígios, criando uma sensação de grande estranheza.
O Pânico de Palhaços se encaixa perfeitamente na categoria dos temores diante do desconhecido. As pessoas não sabem o que significa o aparecimento de pessoas vestidas de palhaço. Diante do inusitado, concluem que é algo perigoso e maligno. Afinal, a pergunta: "O que eles querem"? não tinha resposta fácil.
Ao longo do último Pânico dos Palhaços não houve qualquer caso confirmado de criança subtraída por alguém vestido dessa forma. No entanto, se for perguntado, muitas pessoas dirão conhecer casos e irão confirmar incidentes. Isso sugere um tipo de construção social ou mesmo histeria coletiva. Se os casos aconteceram como muitos acreditam, como nenhum deles chegou à polícia? Como explicar que nenhum suspeito foi preso e praticamente nenhum caso resultou em confirmação de ocorrência?
Observado de forma objetiva é difícil acreditar que uma pessoa vestida de palhaço poderia invadir uma casa para cometer um sequestro sem que ninguém percebesse. Palhaços com suas roupas espalhafatosas e maquiagem gritante são qualquer coisa, menos discretos.
Buscando um pouco mais fundo nos relatórios feitos pela policia de Greenville, é possível encontrar relatórios curiosos; um deles, preenchido em 21 de agosto menciona que "várias crianças da comunidade viram palhaços perambulando pela área florestal próxima do prédio D, e que estes palhaços tentaram persuadir menores a adentrar na floresta, oferecendo em troca brinquedos, doces e até dinheiro".
Este é um detalhe insidioso. Palhaços usando de métodos maliciosos para atrair crianças, oferecendo doces ou sorvetes. Essa narrativa parece um típico exemplo de lenda urbana e moral moderna, aquela mesma que adverte crianças a jamais aceitar doces de estranhos.
Os relatos sobre palhaços em Greenville provavelmente não passaram de brincadeira, equívocos, lenda urbana ou uma combinação dessas três coisas. As chances de uma ou mais pessoas vestidas de palhaço estarem realmente tentando sequestrar crianças são remotas. Muitas pessoas perceberam isso, mas pais e policiais, compreensivelmente manifestaram seus temores. Com efeito, vídeos se tornaram virais, muitos deles originados (ou compartilhados) nas redes sociais, resultaram no aumento de patrulhas policiais e, em alguns casos, lockdowns completos.
Em setembro de 2016, a polícia de Flomaton, Alabama, investigou o que foram consideradas ameaças críveis aos alunos da escola local. Mensagens ameaçadoras apareceram nos muros da cidade: "Vai acontecer hoje à noite", prometia uma delas. Cerca de 700 alunos da Flomaton High School e da vizinha Flomaton Elementary School foram instruídos a se abrigarem enquanto as escolas, seguindo o protocolo, foram colocadas em lockdown durante grande parte do dia. Dezenas de policiais e outros agentes da lei vasculharam o local em busca de ameaças. As investigações atraíram até mesmo o FBI que encontrou os responsáveis pela ameaça: um adulto e dois adolescentes foram presos e condenados pela brincadeira sem graça.
Esses incidentes deixaram pais e professores se perguntando se os "Lockdowns de Palhaços" seriam o novo normal ou se aquilo não passava de exagero? Em outra ameaça escolar também no Alabama, duas pessoas vestidas de palhaço apareceram em um vídeo no Facebook brandindo facas e gritando: "Vamos atrás de você em Troy". A polícia identificou os dois indivíduos no vídeo, que já havia sido visto mais de 50.000 vezes. Eles eram estudantes locais de uma Escola na cidade de Troy. A polícia não indiciou os dois meninos, mas alertou outros potenciais imitadores de que tais brincadeiras não seriam toleradas.
Os boatos podem, é claro, ter consequências graves.
Embora as crianças tenham pouco a temer de palhaços, a lenda urbana pode representar um perigo real. Nos relatórios de Greenville, cidadãos alarmados dispararam armas de fogo na esperança de matar os palhaços à espreita na floresta. Felizmente, ninguém se feriu, mas a situação poderia ter se tornado fatal. Em meio aos boatos e sustos, uma menina de onze anos na Geórgia levou uma faca para a escola por ter medo dos palhaços. Outra criança, um menino de 11 anos, foi detido em Athens, após uma revista descobrir uma pistola 45 em sua mochila. Ele disse que pegou a arma do pai para se defender dos palhaços.
Em meados de outubro, o Pânico dos Palhaços assustadores se espalhou por todo o país, chegando a dezenas de estados. O incidente tornou-se tão sério que foi abordado em um briefing na Casa Branca em 4 de outubro. O secretário de imprensa Josh Earnest disse: "Não sei se o presidente foi informado sobre esta situação específica... Obviamente, esta é uma situação que as autoridades policiais locais levam muito a sério, e elas devem analisar minuciosamente as ameaças à segurança da comunidade, e agir da maneira mais adequada."
Além dos vídeos, muitos dos relatos foram reconhecidos como invenção. Um homem na Carolina do Norte alegou falsamente que um palhaço havia batido em sua janela à noite, ele foi preso por forjar o incidente. Já uma mulher de Ohio alegou que um palhaço com uma faca a atacou a caminho do trabalho e cortou sua mão, mas depois admitiu que inventou a história.
Também havia pessoas se fantasiando de palhaços para assustar os outros. Dois adolescentes canadenses vestidos de palhaços se divertiram em um parque assustando crianças. Em Wisconsin, um homem vestido de palhaço foi visto repetidas vezes. Posteriormente se descobriu que ele era parte de uma campanha de marketing para um filme de terror. Um ano antes, um palhaço assustador foi avistado do lado de fora de um cemitério de Chicago.
Em qualquer outro momento da história, relatos de palhaços ameaçadores provavelmente teriam sido ignorados, mas esses incidentes ocorreram em um momento em que ameaças terroristas e tiroteios em escolas estavam nos noticiários. O medo se molda e se transforma para admitir novas faces.
Pânicos sociais infelizmente são algo comum no mundo moderno. O Pânico dos Palhaços de 2016 não foi o primeiro desse tipo e certamente não será o último. Quando o próximo evento acontecer — e acontecerá — é importante ter em mente que a melhor defesa contra o temor diante do desconhecido é o ceticismo e o pensamento crítico.
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