quinta-feira, 17 de setembro de 2015

O Horror que veio com minha Caixa de Orient Express


Quinta feira, 10 de setembro de XX

Uma das maiores bençãos do mundo, creio eu, é a incapacidade que tem a mente humana de correlacionar todos os acontecimentos. A inaptidão de reconhecer causa e efeito entre elementos aparentemente discordantes e suas implicações. Se por ventura compreendidos em sua plenitude, essas ocorrências terminariam por nos levar urrando para a aparente segurança das cavernas mais profundas.

Tome por exemplo o que ocorreu dias atrás quando o imponderável teve lugar.

Era um dia como qualquer outro e como tal transcorreu, sem eventos até o momento fatídico do fim de tarde, quando uma presença se anunciou nos umbrais de minha morada: 

"Tem uma caixa grande aqui com seu nome. Pode vir apanhá-la?" vociferou uma voz gutural, destituída de face através do portão.

Eu realmente nem pensei muito a respeito, não esperava nada de importante.

De fato, a essa altura, toda esperança parecia ter esvanecido como as folhas de uma primavera longínqua. No meu entender, aquilo que eu aguardava já há três anos - sim, já faziam três longos anos, jamais chegaria por intermédio dos trâmites convencionais. Em meu desalento, já havia ido às raias da loucura, contatado os Antigos e quando mesmo eles não deram solução aos meus insistentes apelos, desisti. Havia tentado sacrifícios, promessas, suborno, coisas vis das quais, não me orgulho... tudo em vão. Sem êxito, me sentia colérico, traído e frustrado. Além disso, havia o temor de que conquanto chegasse, aquilo que eu tanto desejava, provavelmente seria interceptado e onerado implacavelmente pela ganânica dos homens, e eu teria que pagar com sangue ou minha própria alma para que fosse liberado dos trâmites viciados do sistema.

Como em um delírio onírico me dirigi para receber a tal encomenda tendo em mente que podia ser qualquer bugiganga frívola. Podia nem ser algo para minha pessoa, como não raro ocorre. Fosse lá o que fosse, não parecia ter muita importância, e logo, minha atenção foi desviada para outra ocorrência mais premente. Ao atentar para o alto, me deparei com um céu plúmbico, com nuvens escuras e carregadas que se avolumavam no horizonte e na abóboda celeste, sinalizando com uma tempestade que aprochegava. Sem aviso, sem alarde até então, escapara de meus sentidos por completo ou do nada se formara. Parei por um momento, percebendo a aproximação do temporal, captando a densa umidade no ar que me envolvia como um manto etéreo. Um trovão então rugiu ao longe: a água não tardaria a cair, pensei entrementes. Cães ladravam pela vizinhança e as pessoas comuns, o populacho ignóbil e as massas sujas, corriam para o refúgio de suas casas. Um vento tépido soprou, sabe lá de onde, e me roubou do estupor momentâneo. 


Dei de ombros e prossegui. Ao chegar ao meu destino, um dos rapazes que auxilia no portão, observou com uma expressão bovina, meio indolente e sinalizou para que eu fosse retirar o pacote com meu nome. Sem muito interesse quando perguntei onde estava, ele apontou distraído com o queixo:

"Ali em cima! É bem pesado..."

Meus olhos correram para o outro extremo da sala e nesse ínterim, dei conta de que poderia ter ocorrido um milagre, que poderia ser a encomenda que eu aguardava ansiosamente há tanto tempo, pela qual cansei de pedir e pela qual acendi velas e proferi votos caso um dia chegasse às minhas mãos. Teriam os esguios Nightgaunts ou os quiméricos Byakhee feito o translado desse fardo? Teria ele atravessado o véu entre os espaços, por intermédio do Portão e da Chave? Teria ele, sido depositado sobre a bancada onde ora repousava, por um dos Andarilhos Dimensionais que vagam manquitolando pelas sendas enevoadas? Como? Quando? 

Antes de ver o pacote, senti meus nervos tensionando. A boca seca de antecipação, as palmas das mãos suadas e escorregadias... um arrepio elétrico correu pelas minhas costas, terminando no meio da minha nuca, como um fragmento de gelo derretido... O pulsar nas minhas têmporas eram tamboros frenéticos. Sim, eu já sabia o que iria encontrar e antes de compreender as implicações daquilo, um sorriso jubiloso já se desenhava na minha face tomada momentaneamente de um devaneio angustiante, misto de desvairio e insânia.

"Sim! Deuses e Demônios do Céu e da Terra! Finalmente chegou! Só pode ser ele!" pensei - ou ao menos acho que pensei, pois o sujeito, me olhou com uma expressão peculiar, percebendo que eu estava parado contemplando por tempo demais a caixa sobre a tampa. Repleta de carimbos e estampas de terras distantes pelas quais viajou, manipulada por tantas pessoas insuspeitas de seu conteúdo profano.

Eu a apanhei com mãos trêmulas, incapaz de responder aos detalhes do translado e questões pendentes, que o rapaz propunha. Apanhei a caixa, sentindo o peso considerável, acautelado quando o conteúdo moveu de um lado para o outro em seu interior: "O Caos está aqui dentro, em verdade, só pode ser!" ponderei em um sussurro, no qual eu era o único interlocutor em toda Terra.

Retornei a passos céleres, meio trôpego como um ébrio delirante, sem reparar que as primeiras gotas da chuva já se precipitavam do céu cinzento. Ao chegar em casa, coloquei a chave na fechadura e no momento que girei, não foi o estalo metálico do ferrolho que ouvi, mas um trovão crepitante à distância. Prenúncio de uma magnífica borrasca com certeza, mas que diabos, que um aluvião lavasse a terra se preciso, pois nada disso importava...

Enquanto me dirigia para o interior claustrofóbico equilibrando o pesado fardo, acendi as luzes ansioso por abrir o pacote e remover de dentro seu conteúdo blasfemo. Mas então, do nada, um novo rugido irrompeu do lado de fora e súbito, as luzes apagaram, deixando a sala imersa em escuridão tão indevassável que as sombras formavam uma muralha negra que por um instante pareceu viva e pulsante. A total treva se apoderou do aposento e nublou meus sentidos por inteiro.

As luzes se apagaram, mas ainda assim eu tencionava seguir com meu plano. Eu precisava inspecionar o quanto antes, o conteúdo da caixa e precisava tomar ciência do que havia chegado.

Corri para o lado de fora com um abridor de cartas na mão e a caixa - a amaldiçoada caixa, nos braços. "Não hão me deter! Não irão!" gritei em represália aos trovões furiosos.


A noite já chegara, com uma obscuração atípica e uma ventania insistente que fazia a copa das árvores se agitar de lado a lado. Ao redor estava tudo embotado e o céu reclamava, formando um funil nebuloso bem acima do telhado em água furtada de minha casa. Uma cascata corria em profusão, caudalosa e rumorosa. Decidido em um átino frenético, rompi os lacres que cerravam a caixa, prometendo que nada iria me deter. Abri a tampa e como um cirurgião experiente removi do interior o conteúdo, colocando de lado, como se realizasse uma cerimoniosa necrópsia, na qual extirpava vários órgãos gotejantes.

A chuva à essa hora, já desancava a cair com pingos pesados que como previ, lavaram a rua furiosamente por horas levando aquela gente a rezar por seu cessar. O negrume era total de modo que foi apenas sob a luz tênue de velas, que vislumbrei os tomos repletos de horror que brotavam de dentro do pacote. O luzir tremeluzente da chama revelou as páginas cobertas de palavras eivadas com maus agouros e promessas de maravilhas proibidas. Eu as li com cuidado, dando graças aos Grandes Antigos pela sua benção, descrita naquelas páginas repletas de erudição atávica que eu cheguei a supor, nessa vida, jamais haveria de folhear.

Imerso naquele estupor contemplativo comecei a perscrutar o conteúdo e não me dei conta do passar do tempo, pois o que é tempo para aquele que sorve a doce seiva do saber proibido? 

Foi só muito mais tarde... após aquele verdadeiro dilúvio amainar e diminuir em seu ímpeto, depois dos trovões e ventania cessarem por completo e da luz afinal retornar, que despertei de meu transe. Só então, dei conta que já ia longe a madrugada. Havia lido sem parar por horas como evidenciava a vela já quase inteiramente consumida disposta sobre a mesa.

Não sei e provavelmente eu jamais venha a saber das invocações ignotas que recitei enquanto lia furiosamente as páginas. Meus olhos ardiam, minha boca tinha gosto metálico e a ponta dos meus dedos estavam gastas pelo ato contínuo de virar páginas. Talvez ilhas pútridas e medonhas tenham se erguido n'algum oceano insondável, talvez portais tenham se escancarado em algum pântano ermo iluminado pela lua gibosa, quem sabe uma janela tenha se formado e através dela algo observou avidamente nossa realidade. Quem pode dizer ao certo o que se deu quando a leitura terminou. Resta apenas imaginar o que foi desencadeado, e o árduo exercício da meditação concernente ao corrido, me enche de temor, ainda que todavia eu saiba, de modo alguma procederia de outra maneira.

Agora mesmo, enquanto rabisco esse registro tacanho, ela repousa sobre a tampa maciça da minha escrivaninha nos recônditos de meu santuário; a própria matéria dos pesadelos em forma de um tomo volumoso. Eu ouço enquanto ele sussurra promessas metafísicas, aguardando meu retorno para uma nova leitura. 

Com certeza, não terá de esperar demasiadamente...

*     *     * 

E foi assim que minha caixa de Horror on the Orient Express chegou.


À saber, leitor descrente que aponta o dedo acusando-me de descalabrio exagero, que vários fatos aqui relatados são perfeitamente verídicos.

Meu estado mental deplorável, agravado pela longa espera é fato, como podem corroborar vários de meus queridos amigos. Os pilares de minha sanidade há muito já haviam ruído e eu repetia quase como um mantra que jamais veria o referido livro.

A descrição do que ocorreu após a chegada da caixa também é factual. A tempestade monumental, os raios e trovões, a queda de luz na vizinhança, a abertura da caixa no pátio à luz de velas... tudo isso aconteceu e há testemunhas. A tempestade eventualmente amainou depois de um final de semana sombrio no qual choveu como à tempos não acontecia.

Há de ser comentada ainda a posterior e inédita infestação de oligoquetas (obrigado aos amigos que as identificaram) ocorrida no pátio dos fundos e na frente da minha casa. Esses pequenos seres vermiformes parecem ter sido trazidos à superfície, atraídos por algo bem menos trivial que a forte chuva. Após dias se contorcendo no piso de pedra, para horror primitivo de minha esposa (que perdeu boa parte de sua sanidade) morreram deixando suas formas chapadas no chão, para serem raspados laboriosamente. 

Também me chamou a atenção a foto que registra a chegada do pacote, enquanto eu o carregava para dentro de casa. Reparem na estranha luminosidade amarelada nos meus olhos, resultado provável de um mero reflexo fotográfico... ou assim prefiro imaginar, julguém por conta própria:



Não vou comentar os insistentes latidos no meio da madrugada e o curioso odor de frutas passadas que venho sentindo nesses últimos dias... eu as considerarei apenas como uma inoportuna coincidência. Quem sabe, assim possa sossegar meus temores e aplacar meus nervos em frangalhos.

Mas não obstante, a caixa chegou... e é isso que importa. Não?

As fotos do unboxing seguem seguem abaixo:

Eu sei que muitos dos amigos já devem ter recebido as suas devidas caixas, pois até onde sei, sou o último infeliz a tê-la em mãos! Como um De La Poer ou um selvagem mohawk, sou o último na linha... Eu inclusive já publiquei um unboxing do conteúdo da caixa (aquele que quiser ler pode buscá-lo AQUI). 

Eis na sequência os extras do Financiamento Coletivo:

O Material todo em cima da mesa.
Cartões postas de várias cidades visitadas pelo Oriente Express.
Adesivos para malas, bloco e emblema do Orient Express
Passaportes internacionais (faltou o britânico e francês!)
Lápis, envelopes, tickets e moeda comemorativa.
Ticket de embarque no Orient Express (esse prop ficou demais!)
Camisa da Campanha (preta)
Camisa Comemorativa de 1000% atingido (azul)
A Caixa e a bolsa de lona

4 comentários:

  1. Muito bom o texto, alguns acharão prolixo o descritivo de como a caixa chegou em suas mãos, mas esses não podem ouvir os sussuros do abismo.

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  2. A melhor descrição de recebimento de encomenda que já li! Parabéns!
    E essa caixa ficou demais.

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