Sempre existiram histórias sobre locais e objetos amaldiçoados. Por algum motivo, esses lugares e coisas atraem forças insidiosas que fazem com que o infortúnio, a miséria e até a morte gravitem em torno deles. Há exemplos de terras amaldiçoadas, edifícios, ilhas, bonecas, carros, joias, tudo que possa ser imaginado, de lugares a objetos, tiveram algum caso de maldição anexada a eles. Um exemplo bastante estranho de uma história envolvendo um objeto amaldiçoado é a de uma Barcaça que se tornou infame no século XIX e em pouco tempo começou a atrair todos os tipos de acontecimentos sinistros.
Em 1820, um conhecido empresário americano chamado Moses Tousey decidiu iniciar um serviço de travessia pelo Rio Ohio entre Lawrenceburg, Indiana e Touseytown, Kentucky. Ele levaria passageiros e carga de costa a costa numa barcaça. Para ajudá-lo, ele contratou um recém-chegado a Touseytown chamado William McGregor, que acabara de se mudar para lá com sua filha adolescente Elinor. Embora McGregor fosse muito bom em construção e tenha ajudado a colocar a balsa em funcionamento, ele não era muito querido na cidade. Descrito como um bêbado e valentão de gênio difícil, havia rumores dele estar envolvido com toda sorte de atividade criminosa. Mesmo acumulando uma reputação bastante ruim na cidade, Elinor começou a namorar um professor chamado Randolph Chester, e é a partir desse ponto que a barcaça maldita começaria sua jornada para um mundo obscuro e sinistro.
Até onde se sabe, o pai da moça, William MacGregor não aprovava o relacionamento. Ele proibiu a filha de ver Chester novamente, mas os dois pombinhos continuaram a namorar em segredo. Quando MacGregor descobriu sobre o caso secreto, ficou menos do que satisfeito. Ele realizou um plano para matar o desafeto. Certo dia os confrontou durante um de seus encontros depois de tê-los seguido se escondendo à espreita em seu local favorito numa área isolada da floresta. MacGregor saiu do esconderijo e começou a disparar seu rifle contra o casal, mas errou o adversário, acidentalmente alvejando a própria filha. Enfurecido, ele tentou atacar Chester com seu rifle vazio, empunhando-o como um porrete, mas o professor tinha uma pistola que havia escondido em seu casaco. Chester disparou a pistola e matou o oponente. No fim do embate, haviam dois cadáveres esparramados na clareira - pai e filha.
Chester agiu em legítima defesa e não foi acusado de nenhum crime na morte de MacGregor. De fato, quando a polícia descobriu que o morto estava usando a barcaça para realizar operações de contrabando de bens roubados e outras atividades ilícitas, parecia que Chester havia feito um favor a eles. Todo o incidente chocou a cidade normalmente calma e pacífica, especialmente a morte de Elinor, que ao contrário de seu pai, era muito popular e bem quista na cidade. Foi uma época sombria, com muito luto e tristeza, mas o pior ainda estava por vir, já que outra tragédia cairia sobre Touseytown.
Dizem que após a morte de Elinor MacGregor, a cidade outrora próspera começou a enfrentar um declínio repentino. Muitos reputam essa decadência a uma maldição rogada por McGregor no momento da sua morte, mas não se sabe ao certo se isso é mera lenda. Seja como for, houve colheitas ruins, acidentes, mau tempo e várias calamidades que atingiram a área, bem como problemas econômicos, que conspiraram para fazer com que as pessoas começassem a se mudar da região. O êxodo em massa de moradores tornou Touseytown uma cidade fantasma.
Contudo, a barcaça de Tousey continuou em operação mesmo quando a cidade se desintegrava ao seu redor. Em 1845, a balsa foi comprada pela proeminente família Piatt, que a transformou em um luxuoso barco movido a vapor, mas isso teria vida curta. Um acidente estranho envolvendo o motor causaria a morte de cinco pessoas em 1846. A embarcação avariada foi consertada e revertida à versão antiga quando Abraham Sedam Piatt a vendeu para John Kizex em 1860.
Kizex, assim como MacGregor, era um brigão mal-humorado envolvido em atividades criminosas. Ele comprou a barcaça para fins insidiosos. Foi esse personagem desagradável que levaria a outro incidente sinistro. Em 1862, Michael Piatt, filho do patriarca e ex-proprietário da barcaça pegou a balsa para Kentucky no caminho de volta de Cincinnati, junto com um associado chamado Wilson Adams. Os dois eram conhecidos por serem bastante ricos e, de fato, carregavam cerca de US $ 1.000, o que era uma quantia considerável naqueles dias. Eles imediatamente se destacaram entre os pobres e rufiões que Kizex levava através do rio. O Capitão e seis de seus tripulantes planejaram roubar a dupla.
Sentindo uma premonição de que Kizex e seus homens tinham planos malignos, Piatt habilmente os informou que havia colocado todo o seu dinheiro no banco antes de deixar Cincinnati, mas Adams deu a entender que carregava algo consigo. Perto de chegar ao Kentucky os bandidos fizeram seu movimento. Eles atacaram os dois comerciantes e os arrastaram para o porão. Lá Piatt ainda conseguiu sacar uma arma e atirar contra os ladrões, mas em maior número eles acabaram por dominá-lo. Em seguida os dois foram literalmente massacrados pelo bando. Para se livrar das evidências, os cadáveres foram esquartejados e lançados no rio amarrados em trouxas com pedras para afundar.
O desaparecimento dos dois rapazes, é claro levantou suspeitas sobre Kizex e seus homens, mas como não haviam provas nada pode ser levantado contra ele. Entretanto, Kizex começou a ficar paranóico, acreditando que algum de seus associados acabaria mais ou cedo ou mais tarde confessando o crime. Ele então passou a atrair os homens um a um para a barcaça, usando qualquer pretexto. No meio da viagem, os assassinava usando veneno, arma de fogo ou faca. Levava então os corpos para o porão, onde os esquartejava e jogava os restos nas águas do Rio Ohio como haviam feito anteriormente. O Capitão se livrou de pelo menos cinco de seus colegas dessa maneira, sendo que um dos envolvidos, um rapaz chamado Tom Robards foi mais esperto e fugiu.
Alguns anos depois, Kizex, que era um simpatizante do sul durante os tempos da Guerra Civil, conheceu um ex-soldado da União chamado George Fulcher. Aparentemente Fulcher, fazia viagens regulares na barcaça e dormia no porão. Ele reclamava de experimentar pesadelos macabros naquele lugar envolvendo homens horrivelmente mutilados. Certa noite, sem motivo aparente, Fulcher foi até o quarto do Capitão Kizex e cortou sua garganta. Ele foi encontrado em choque ao lado do corpo degolado com a faca ensanguentada ainda na mão. Fulcher não soube explicar porque havia feito aquilo, mas disse que os espíritos de homens que haviam morrido no porão o usaram como instrumento para sua vingança. O ex-soldado foi considerado insano e internado em um asilo para militares onde morreria anos mais tarde.
Depois disso, a balsa foi comprada pelo Juiz local do Kentucky, capitão James Torril que manteve o trajeto em operação por algum tempo apesar de não ser nem um pouco lucrativo. Torril relatava histórias estranhas sobre sons misteriosos - gritos, choro e risadas, vindo do porão da barcaça. Dizia ainda que em dias especialmente quentes o porão exalava um fedor de carniça insuportável e que as pessoas que dormiam nele despertavam de pesadelos aos gritos. Sendo um juiz, Torril começou a pesquisar a história da embarcação e conseguiu localizar Tom Robbards que vivia no Kansas. Ele relatou toda a história da embarcação e confessou ter participado do assassinato de Piatt e Adams anos antes. Além disso, revelou suas suspeitas de que vários comparsas teriam sido mortos no porão. O serviço de transporte foi desativado em 1875. As pessoas temiam que a balsa era assombrada e poucos tinham coragem de viajar nela através do Rio.
Mas a história ainda não terminaria! Em 1892, um capitão chamado William Huff assumiu a operação acreditando que as histórias sobre maldição não passavam de mera superstição. Mas não demorou muito para a embarcação se acidentar num banco de areia. A causa para o acidente teria sido uma briga que eclodiu no convés entre cinco tripulantes bêbados e passageiros. Após o acidente matou duas pessoas e deixou ao menos 5 feridos.
A barcaça ainda que seriamente danificada foi recuperada do banco de areia e rebocada até uma doca para reparos. Considerando que haviam muitas outras balsas operando na área na época e nenhuma delas havia sido assombrada por tanto infortúnio e morte, começaram a circular rumores de que ela era realmente amaldiçoada. Uma história popular dava conta de que a décima terceira pessoa a possuir a balsa encontraria uma "ruína terrível". Isso não impediu que uma vez reparada, ela ainda mudasse de dono várias vezes.
Aparentemente a Lawrenceburg Ferry permaneceu em operação até 1947, quando faliu com a abertura da mais sofisticada Aurora Ferry. O último registro que se tem da barcaça maldita é que ela teria sido destruída e queimada pelo seu último proprietários, um homem chamado David Hadcliff que sendo o décimo segundo dono não se sentiu à vontade para passá-la adiante. Hadcliff teria ordenado que ela fosse levada para o rio, coberta de gasolina e incendiada, embora isso possa ser apenas um rumor. Outro boato é que quando afundava a Barcaça Maldita emitiu sons semelhantes a gritos e um fedor horrível de carne queimada.
Seriam essas histórias simples coincidências sombrias girando em torno de uma embarcação comum? Elas seriam tão somente os atos de pessoas aleatórias? Ou haveria algo de realmente macabro nisso tudo? No final, é certamente uma esquisitice assustadora, mas com tantos relatos sinistros quem pode saber ao certo.
Mais uma brilhante estória. A riqueza de detalhes é deliciosamente instigante. Parabéns a quem colhe essas pérolas.
ResponderExcluirExcelente! Devo usar em alguma mesa de RPG!
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