quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Rubi Sangrento - O Tesouro Maldito da Coroa Real da Inglaterra


"No topo da coroa cruzam-se dois arcos (ou quatro meios-arcos), cada um dos quais vem de um padrão cruzado. A cruz frontal tem no centro um grande espinélio vermelho conhecido como o 'Rubi do Príncipe Negro'. Em sua história, a pedra foi perfurada para ser usada como pendente, e o orifício superior foi então tampado com um pequeno rubi em uma montadura de ouro. As três cruzes restantes são cada uma montada com uma esmeralda de corte escalonado. As cruzes se alternam com quatro flores-de-lis, cada uma com um rubi de corte misto no centro. Tanto as cruzes quanto as flores-de-lis são incrustadas com diamantes."

A Coroa Imperial Britânica, ou State Imperial Crown, representa a grande pompa do Império Britânico e é um símbolo de seu poder e riqueza. A coroa usada até recentemente pela falecida Elizabeth II é a peça mais suntuosa possuída por qualquer monarca. Recentemente, tentaram estimar o valor da coroa real, algo que se provou impossível devido ao seu excessivo valor histórico e sentimental. Ainda assim, atribuíram a cifra meramente material a coroa inteira, algo na casa dos 300 milhões de dólares. 

A coroa pesa quase três quilos e em sua estrutura de ouro estão engastados 2.783 diamantes, 277 pérolas, 4 esmeraldas, 17 safiras e 5 rubis. Mas três joias se destacam do restante do conjunto: a Safira Stuart; o Diamante Estrela da África; e, é claro, o Rubi de Alhambra.

O Rubi é o objeto desse artigo e vamos nos dedicar a ele. No centro da coroa, numa posição de destaque encontra-se um enorme rubi cor de sangue do tamanho de um ovo de pomba. Ele é o maior rubi encontrado até os dias atuais, uma peça tão bela quanto impressionante. Ela pertenceu originalmente ao tesouro real de Alhambra, capital do Reino de Granada até 1362, e chegou às mãos dos ingleses de uma forma extremamente rocambolesca. 

Com 170 quilates (34 gramas, 5,08 centímetros de comprimento), o rubi (que na verdade é um espinélio) é a joia mais famosa de seu gênero no mundo. Sabe-se com certeza que ela esteve no tesouro real Nasrida até 1362, mas não se conhece nada sobre ela antes disso; sua real origem se perdeu nas brumas do tempo, dando lugar a uma origem mítica: ela seria parte do tesouro lendário do Rei Salomão. Suspeita-se que sua origem mais provável seja proveniente das minas de Mianmar, embora não se descarte que ela possa ter vindo da Tailândia ou das minas de Badaisan (Tadjiquistão). Quando foi encontrada e como chegou à Alhambra ainda permanece um mistério, embora seja provável que a pedra tenha sido trazida para Granada por mercadores genoveses. Sabe-se, no entanto, como ela chegou às mãos de um Rei Espanhol que a tomou para si após um horrível massacre.


Em meados do século XIV, a Europa estava mergulhada em uma série de sangrentas guerras civis. Na Espanha, o Reino de Granada passava por uma disputa entre Muhammad V e Muhammad VI; no reino castelhano lutavam Pedro I e seu meio-irmão Enrique II de Trastamara; enquanto Inglaterra e França prosseguiam envolvidos na Guerra dos Cem Anos. Nesse panorama de crises e conflitos, o Rubi desempenharia um importante papel.

Muhammad V de Granada havia sido deposto por seu sobrinho Ismail, com a ajuda de seu cunhado Muhammad Abu Said (ou Muhammad VI). Ismail tinha um caráter fraco e poucos dons políticos, que o levaram a ser assassinado em 1359. Na primavera daquele ano, o rei deposto Muhammad V voltou de seu exílio, determinado a reconquistar Granada. A Guerra entre os Muhammad chegou ao reino vizinho castelhano. Os dois lados almejavam conquistar o apoio de Pedro I. Quem obtivesse seu favor conseguiria uma vantagem considerável na disputa. 

Com o intuito de convencer Castilha a apoiar sua causa, Muhammad VI, decidiu viajar para negociar com o Rei Pedro I em pessoa. Ele levou consigo parte do tesouro real para oferecê-lo em troca da aliança, o que se provou um grande erro!

Pedro Pérez de Ayala conta na sua Crónica de D. Pedro de 1362 que em 16 de abril daquele ano que a comitiva dos Cavaleiros de Granada chegou a corte e foram recebidos com cordialidade. Eles foram então convidados para um grande jantar durante o qual manifestaram a sua vontade de oferecer várias joias como tributo a Castilha. Ao descobrir que as joias haviam sido trazidas, Dom Pedro mandou render os convidados de imediato.


Depois que Muhammad VI foi feito prisioneiro, ele foi revistado para checar se carregava joias consigo. Encontraram com ele uma pedra vermelha do tamanho de um ovo de pomba, uma gema de beleza notável. Encontraram ainda com seus companheiros de viagem um tesouro considerável incluindo 730 pedras violetas; 100 pérolas; e uma quantidade enorme de pequenos brilhantes do tamanho de grãos de bico. Confiscaram ainda brincos, anéis, colares e joias pessoais que eles vestiam na ocasião. Despidos de tudo que tinha valor, a comitiva foi conduzida até a masmorra. O pretexto para esse roubo foi uma suspeita infundada de que a comitiva tinha relação amigáveis com o inimigo jurado de Dom Pedro, seu meio irmão Enrique II.

De todo o fantástico tesouro confiscado, o Rubi Vermelho foi o que exerceu maior fascínio sobre o Rei Castelhano. Dizem os cronistas que se não fosse pelo Rubi, talvez o Rei não tivesse agido daquela forma traiçoeira. O brilho escarlate da joia o deixou sem palavras. Seja como for, Dom Pedro estava prestes a justificar o apelido pelo qual ficaria famoso: "O Cruel". 

O monarca ordenou que a comitiva composta por 37 cavaleiros granadinos fosse conduzida até os Campos de La Tablada, nos arredores de Sevilha. Foram avisados de que seriam mantidos em um lugar seguro até que se decidisse o seu destino. Na verdade, Dom Pedro já sabia o que iria acontecer e quando chegaram a La Tablada o grupo foi visitado pelos soldados de confiança do Rei. Os mouros não tiveram qualquer chance de reação, estavam amarrados e foram assassinados de forma brutal. Após o massacre, Dom Pedro mandou decepar a cabeça de Muhammad VI, a espetou na ponta de uma lança e a enviou para seu rival Muhammad V como presente. 

A pedra que despertou a cobiça do Rei foi incorporada ao Tesouro de Castilha e passou a ser tradicionalmente conhecida como "El Rubí de Dom Pedro, el Cruel" ou como alguns a chamavam "Rubi Sangrento". O Rei que era ruivo se encantou pela joia vermelha de cor profunda que se tornou a sua favorita por combinar com suas madeixas. O Rubi era usado em um cordão de ouro em torno do pescoço de Dom Pedro sempre que ele se apresentava em audiências reais.


Pouco tempo depois disso, em 1367, Pedro I foi encurralado por seu meio-irmão Enrique II de Trastâmara na longa guerra que sustentava pela Península ibérica. Pedro refugiou-se na França e pediu ajuda ao Príncipe de Gales, Eduardo Plantageneta, mais conhecido como Príncipe Negro por trajar uma couraça dessa cor. Os ingleses, que vagavam pela Bretanha em uma guerra contra a Coroa Francesa, concordaram em invadir a Espanha para ajudar Pedro I a se consolidar no poder. Eles foram essenciais para a vitória de Pedro na Batalha de Nájera. Como recompensa Pedro ofereceu a eles joias de seu tesouro pessoal, mas o que realmente eles queriam era o tão falado Rubi Sangrento. Embora adorasse a pedra, Pedro acabou entregando-a aos ingleses. 

Com o pagamento, os ingleses retornaram à Bretanha e à Normandia para continuar sua guerra. O Príncipe Negro recebeu o pagamento e quando pousou os olhos no Rubi se encantou por ele. Passou então a usá-lo como um talismã de boa sorte em todas as suas batalhas. Dizem as lendas que o Príncipe Negro acreditava que enquanto estivesse usando a joia, jamais seria ferido ou morto. Dizem ainda que havia a crença de que a alma de cada homem morto por ele passaria a habitar a pedra e servi-lo como escravo. Para realçar essa história comentavam que ela se tornava mais vermelha com o sangue dos que pereciam na campanha. 

Contudo, a crença do Príncipe Negro de ser invulnerável se provou uma farsa: ele morreu em 1376 sem se tornar Rei. O rubi passou para seu filho Ricardo II Plantageneta que ordenou que o Rubi fosse incrustado em sua Coroa Real onde permaneceria ao longo dos séculos. 


No ano de 1415, o Rei Henrique V travou a épica Batalha de Agincourt, em que o arco e flecha inglês destruiu o exército francês de Carlos VI. As crônicas contam como o Duque de Alençon desafiou o rei inglês: em batalha, ele teria quebrado a coroa britânica com um golpe de machado, mas no fim os ingleses conquistaram a vitória no campo.

O perigoso costume dos monarcas da época de lutar com a coroa real no elmo levou a outro susto com as joias. Na Batalha de Bosworth (1485), o Rei Ricardo III perdeu sua vida, reino e coroa no mesmo dia. A Coroa real foi encontrada dias depois, dividida em duas, caída em meio a alguns arbustos. Posteriormente, o Duque de Richmond passou a reinar como Henrique VII da Inglaterra; inaugurando a dinastia Tudor com a coroa de rubi da Alhambra em sua cabeça.

A joia esteve nas mãos de uma rainha consorte inglesa de origem espanhola: Catarina de Aragão, filha mais nova dos Reis Católicos e esposa de Henrique VIII, embora por pouco tempo. A coroa e o rubi correspondente foram vendidos na crise monárquica inglesa de 1649. É provável que não tenha ido longe, tendo sido comprada por alguém da família real, pois em 1661 ela reaparecer sobre a cabeça do rei Carlos II, após a restauração que sucedeu o período de Oliver Cromwell. Houve nessa época tentativas ocasionais de roubar as joias reais, o que levou as autoridades a guardá-las na inexpugnável Torre de Londres a partir de 1671. Por ocasião da Segunda Guerra Mundial, as joias foram retiradas da coroa e escondidas para evitar que na iminência de uma invasão nazista elas não caíssem nas mãos dos inimigos. A última reforma da Coroa Imperial Britânica ocorreu em 1953, por ocasião da coroação de Elizabeth II. O aro foi reduzido para caber no tamanho menor de sua cabeça.

A joia vermelha pertenceu às casas reais dos Násridas, Trastamaras (na Espanha), Plantagenetas, Lancasters, Tudors e Stuarts (na Inglaterra), mas e antes disso? Bem, antes disso há lendas que falam de sua origem sobrenatural.


São muitos os mitos que acompanham o Rubi Sangrento e os benefícios/prejuízos que ele traz ao seu proprietário. Uma lenda muito difundida é que a pedra ornamentava uma mesa que pertenceu ao Rei Salomão em pessoa. O Rubi seria uma das joias mais importantes dessa mesa magnífica, supostamente usada pelo Rei para aprisionar um gênio e fazer dele seu servo. Durante as Cruzadas, um grupo de cavaleiros teria encontrado a Mesa em Jerusalém. Eles a desmontaram e levaram em partes para Roma em uma operação sigilosa. De alguma maneira, uma dessas partes, justamente aquela que continha o Rubi incrustado no tampo se perdeu e foi parar na Espanha, alguns dizem, por intermédio dos Cátaros. A pedra teria sido removida da mesa e oferecida a Musa, governante árabe da Península Ibérica que a adquiriu e manteve em Granada. 

A crença de que o Rubi aprisionava um Ifriti também sempre foi muito conhecida. No folclore árabe, os Gênios são seres mágicos, com os Ifrit compondo uma casta associada ao fogo. Geralmente malignos ele vivem tentando e oferecendo favores aos mortais. Apesar de perigosos, magos e feiticeiros de grande poder, como o lendário Rei Salomão conseguiam exercer influência sobre eles, sendo capazes até de aprisionar as criaturas e fazer com que elas obedecessem suas ordens. Aquele que detinham o Rubi seriam capazes de se comunicar com o Gênio preso em seu interior e usá-lo à seu favor, isso se conseguisse impor sobre ele, sua vontade.  

Como nem todos possuíam essa qualidade, o rubi está frequentemente associado ao azar, pois o Gênio ressentido com sua prisão conspira contra quem detém a pedra. Diz-se que aqueles que ficam fascinados pelo Rubi estão fadados a sofrer um destino cruel: o Rei de Granada morreu quase instantaneamente; Pedro I de Castela foi assassinado sete anos depois de obter para si o Rubi; o Príncipe Negro jamais reinou; Ricardo III da Inglaterra perdeu seu trono quando a estava usando. Todavia, o Império Britânico se fortaleceu com ele durante os séculos XVI a XIX. Mas até para isso existe uma explicação e ela passa pelo famoso médico e ocultista real John Dee, que teria bloqueado a influência do Gênio sobre o destino dos monarcas reais. Ainda assim, há o rumor de que embora possa ser usado sobre a cabeça, o Rubi jamais deve ser observado de perto.

Outra lenda é que o vermelho profundo do Rubi assume uma cor mais fulgurante em tempos de guerra. Ele até chegaria a emitir um brilho cor de sangue quando a Inglaterra se vê envolvida em grandes conflitos ou momentos tumultuados. Ele teria brilhado intensamente durante a Primeira e Segunda Guerras e por conta disso, teria sido removido temporariamente da presença dos súditos. Além disso, dizem que o Rubi permite ao seu dono saber quantas mortes ocorrem em face de ordens reais dadas. Ele também causaria horríveis pesadelos e visões envolvendo antigas batalhas, massacres e torturas realizados diante dele ao longo da sua sangrenta história. Tal fardo se tornou pesado para alguns Monarcas britânicos que teriam enlouquecido após usar a joia por anos. 
 
À despeito da sua tumultuada história e das lendas associadas ao Rubi de Sangue, ele continua ocupando um lugar de destaque na Coroa Real Britânica.

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